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Estamos em terras de fronteira entre Setúbal e Alentejo. Vemos ao longe o mar, com Porto Covo a dois passos. Foi aqui, em terra agreste, anteriormente varrida pelo fogo, que César e Manuela Macedo resolveram arrancar com um projecto. Começaram por pensar em turismo rural e acabaram por plantar vinha. Agora são clientes dos armazéns chineses…
TEXTO João Paulo Martins FOTOS Ricardo Gomez
A carochinha já por aqui andava antes do casal se interessar por estas encostas; já havia a Carochinha de Baixo, do Meio e a Ponta da Carochinha. A estrada corta, assim, a dita Carochinha a meio e por isso a designação de Monte da Carochinha foi pacífica. Estamos, dizem-nos, na única vinha registada no concelho de Sines e foi, também, por não haver tradição de aqui se plantar vinha que não faltaram as vozes que desaconselhavam qualquer plantio. Aqui é terra de montado, dizia-se, e por isso o que César mais vezes ouviu foi o “não se meta nisso”, uma espécie de karma nacional sempre avesso à novidade e mudança. Filipe Sevinate Pinto, enólogo e ligado ao projecto desde o início, não teve dúvidas: “isto cheirava-me a vinho e logo percebi que se poderia fazer aqui algo diferente”. A razão estava à vista: encostas com múltiplas orientações, uma proximidade contida em relação ao mar que poderia ser muito vantajosa, solos pobres dominados pelo xisto e a possibilidade de ir além do habitual que se encontra quer em Setúbal quer no Alentejo.
Plantar a vinha não foi desejo nem objectivo inicial, “apenas pensámos em fazer um turismo rural, mas quando nos deparámos com as limitações que nos impuseram, resolvemos dar outro uso a estes 42ha que, bastava ver, não pareciam ter qualquer aptidão agrícola”. Assim sendo, encetaram um projecto de reflorestação e plantaram 3000 pés de pinheiro manso e outro tanto de sobreiros e, sem qualquer euforia, resolveram plantar vinhas de uvas brancas. Essa era a ideia inicial, uvas brancas, de castas nacionais, nomeadamente a Encruzado. Trazer para aqui a casta mais famosa do Dão não foi pacífico e Filipe diz-nos que “até dar as primeiras uvas fui muito criticado, mas achei que a casta ia de encontro ao desejo do produtor que era fazer vinhos que também pudessem evoluir bem em garrafa; além desta optámos também pelo Arinto, pela sua versatilidade”. Infelizmente, diz-nos César Macedo, o mercado ainda reage mal a vinhos brancos com dois ou mais anos, temos aqui trabalho pela frente para que se compreenda que não estamos a “vender os restos que lá têm na adega”, como já chegaram a dizer.
Os poucos anos que o projecto leva (a primeira vindima foi em 2014) permitiram concluir que estas diferentes orientações das parcelas e a proximidade do mar trazem muitas vantagens e não obrigam a tantos tratamentos. Sobre o tema fala-nos António Cláudio, responsável da viticultura: “na zona de Milfontes, por exemplo, é preciso tratar de 10 em 10 dias porque a pressão do míldio e oídio é enorme. Aqui fizemos menos de 6
tratamentos anuais mas, por outro lado, o grande problema aqui é a falta de água e enquanto não tivermos esse problema resolvido não poderemos ir além do 6,5ha de vinha que temos, dos quais 4,5ha de uva branca. Um problema sério aqui são os insectos, como traça, cicadela e ácaros e mais sério
ainda porque a indústria deixou de produzir um insecticida em virtude da cidadela não ser problema geral europeu nem mesmo em todo o território nacional e agora isso obriga-nos a mais tratamentos e maior pegada de carbono.
A opção pelo tinto foi, como nos dizem, “uma resposta à pressão do mercado, estavam sempre a perguntar quando é que saía o tinto” e foi assim que optaram pelo plantio de Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Merlot. A origem duriense de Manuela Macedo falou mais alto e não descansou enquanto não viu uma encosta transformada em vinha com socalcos, à moda do “seu” Douro; é uma área pequena (menos de um hectare) e ainda não está a produzir mas funciona muito bem na paisagem onde além dos pinheiros, que se vêem a crescer, encontramos medronheiros e algumas oliveiras que aqui foram plantadas e já deram três colheitas de azeite. Alguns focos de esteva foram propositadamente deixados para que pássaros e outros insectos pudessem medrar. Problema sério são os javalis porque não têm predadores mas um rádio “comprado nos chineses” e a tocar pendurado numa árvore faz muito efeito que eles não se aproximam!
A produção deverá atingir em 2019 os 11 000 litros de tinto e 25 000 de branco, com os vinhos a serem feitos na Herdade da Monteira em Alcácer do Sal onde, diz Filipe Sevinate Pinto, “temos todas as condições técnicas para se fazer um bom vinho e temos mesmo a adega por nossa conta, uma vez que o proprietário deixou de produzir vinho”.
Aqui, onde acaba Setúbal e começa a região vinícola do Alentejo, está a nascer um projecto original. Com todas as dificuldades que os novos projectos acarretam mas também com toda a energia de quem vê nascer vinho onde antes tal desiderato não imaginava.
Na prova que fizemos ainda abordámos a primeira edição do branco (de 2014) que cumpriu o que na altura se dizia na nota de prova: pode evoluir bem em cave. Foi mesmo isso que aconteceu, a mostrar que a Encruzado é casta que precisa de tempo para se revelar. Se tudo correr bem, em 2020 teremos um Reserva tinto ou mesmo um Grande Reserva. Provavelmente depende da duração das pilhas do rádio…
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Edição n.º32, Dezembro 2019
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