Barbeito: Uma ilha cabe nestas sete garrafas

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Numa visita de dois dias à Madeira tive acesso a alguns dos segredos que estão na base das últimas sete criações de Ricardo Diogo Freitas. Além de potentes e atlânticos generosos o carismático produtor oferece-nos agora o mais salino dos brancos secos.

TEXTO João Afonso
FOTOS Vinhos Barbeito

Ricardo Freitas, responsável pelos Vinhos Barbeito.

A história do ex-professor de história Ricardo Freitas já gastou muita tinta. Acrescento mais um pouco. Não é habitual um professor tornar-se numa espécie de “enólogo”, ou o responsável de uma importante casa de vinho Madeira de um momento para o outro, sem sequer estar previsto tal sorte na dinâmica dessa empresa. Mas assim foi. E o mais surpreendente é que o seu nome nem sequer fazia parte do contrato de associação que a família Barbeito Vasconcelos ia assinar em 1991 com os novos sócios (distribuidores) a família Japonesa Kinoshita. Depois de ler o contrato de princípio ao fim, o novo sócio/patrão da Barbeito, Yasuhiro Kinoshita, constatou que o nome de Ricardo não figurava no mesmo e exigiu que fosse de novo redigido e o nome do Ricardo nele incluído como sócio-gerente. Também obrigou a que os planos da família (que tinham reservado para o jovem Ricardo a profissão de professor de história no ensino local) mudassem ao pretender que este ficasse no leme enológico da empresa (juntamente com sua mãe e irmão mais velho). E assim foi. Deixou a escola e foi para a adega sem qualquer formação no assunto. Em 1992 já comandava (muito hesitantemente) a vindima. Entretanto tinha estancado a hemorragia da venda a granel (principal razão da agonia da empresa) e revolucionou a estufagem. Com o tempo baniu a caramelização, assunto mais complexo pois o método era defendido por sua mãe.
A partir da viragem do século, os resultados do trabalho do entusiasta e atento Ricardo começaram a chegar ao mercado – vinhos Madeira de se tirar ou chapéu. Sem esquecer os contra-rótulos de muitos destes vinhos especiais onde o seu autor descreve como ninguém o sentido e razão de existir de cada peça. Será que Yasuhiro Kinoshita terá previsto esta revelação? Provavelmente, sim.
A Barbeito não tem vinhas próprias mas a visita de dois dias ocupou-se principalmente das vinhas que estão na base das novas criações. Algumas delas de cortar a respiração tal era a inclinação e altura da falésia onde estavam alcandoradas.
Uma das características principais desta ilha é a fertilidade do seu solo (recente) de origem vulcânica. Qualquer semente que caia na terra germina. Não há um palmo de terra que não esteja revestido. A promiscuidade florística é enorme e reúne espécies europeias e africanas de várias latitudes, longitudes e altitudes. A ilha é um festival de vida e natureza. E é precisamente esta prodigalidade (ou produtividade) que retira às uvas e vinhos concentração e sabor. Por isso o vinho da Madeira é um vinho de pipa, e é a pipa que vai domar, conduzir, concentrar e dar o sabor e por vezes uma compleição indestrutível a vinhos que muitas das vezes vêm de uvas longe da maturação completa, ácidas e quase sempre nascidas de copiosas produções. Aliás quando um viticultor ou enólogo se refere à vindima feita fá-lo sempre numa perspectiva de quantidade e sanidade e raramente de “qualidade enológica”. Como confirmou Ricardo, uma colheita de vinho da Madeira só pode ser classificada sete anos depois de ser vindimada. Só passado todo este tempo é que os vinhos se mostram.
Foram também sete os vinhos que aqui vim conhecer. Estavam alinhados na sala de provas da Barbeito: um branco seco e seis generosos.

O branco seco

Ricardo apostou-se a fazer um branco DOP Madeirense de que pudesse ter orgulho (penso que na sua maneira de ser só assim faz sentido) e começou exatamente por domar a produção das cepas que produzem a uva deste Barbeito Reserva branco 2017. Com uma poda correcta baixou-se a produção para metade. As vinhas de Verdelho da costa Sul são alugadas (cerca de 3 000 m2), na zona da Raposeira, lá bem no alto (grande vista), quase junto ao extremo ocidental da ilha. Daqui vieram 90% das uvas para o lote com Sercial de uma vinha na Laje/Seixal, na costa Norte, a 20 metros do mar e a uma cota baixa de fajã. Esta última num registo mais salino mais exposto ao forte vento atlântico da costa norte. Talvez por isso, no lote final, os 10% de Sercial roubem ao Verdelho parte da sua personalidade.
O vinho teve maceração a frio de 48 horas, foi prensado e fermentou entre os 10 e os 15ºC. Estágio de 1 ano em barricas de carvalho e 6 meses em cuba. Com apenas 11,3% Vol. é um vinho leve, profundamente marcante. Foram feitas 1 375 garrafas.

O Bastardo

O vinho seguinte foi o Bastardo Duas Pipas, a grande novidade da apresentação. Penso que em 25 anos de provas de vinho não terei provado mais de meia dúzia de Bastardos na versão Madeira. Sempre foi um vinho raro e por meados do século passado terá desparecido das vinhas ou pelo menos dos vinhos Madeira.
Ricardo convenceu Teófilo Cunha a plantar duas pequenas vinhas em 2004, em São Jorge, na costa Norte (este projecto é agora também Alojamento Local num local de vistas largas com o mar vizinho abaixo).
Ricardo não tinha qualquer noção de como vinificar esta casta. Não há herança escrita sobre o assunto. E assim embarcou na “aventura que começou e que agora não vai acabar”. Palavras do próprio que nos prometem mais e melhores Bastardo para o futuro.
Uma das primeiras constatações foi que a película do Bastardo é muito fina e se a uva vem madura (na Madeira significa 10,5% Vol. de álcool provável) no lagar o mosto parece uma “papa”. Houve que corrigir e começar a vindimar com a uva meio verde, ou seja, 9,5%, muito cacho ainda nem sequer está completamente pintado quando é colhido. Outra descoberta foi a fragilidade da cor e da oxidação: aguenta 6 meses em pipa enquanto a Tinta Negra, à vontade, 2 anos. Por fim o Bastardo mostra muito a acidez volátil. Enquanto noutras castas a volátil em valores baixos não é detectável, no Bastardo é. Resumindo, desde 2007, ano da primeira vindima, Ricardo já colheu 17.000 litros de Bastardo e só usou 7 000. Este vem de um lote de duas pipas uma de curtimenta de 2010 (pipa de 400 litros) e outra de bica aberta de 2012 (pipa de 700 litros). Saiu um Meio Seco fantástico (1 700 garrafas) e a legislação permite para o Bastardo e Terrantez todas as versões – Seco, Meio Seco, Meio Doce e Doce.

Vinha de Bastardo.

O Tinta Negra

É desde há algum tempo a casta que mais vinho da Madeira faz. Em finais do século passada era vista com maus olhos por todos aqueles que reclamavam o regresso das castas originais da Madeira (que eram apenas 14% do vinho de V. vinifera produzido em toda a ilha), depois de um século XX dominado por híbridos e produtores directos americanos de onde sobressaia a uva Jacquet (Vitis aestivalis x Vitis vinifera) que dominava muitos dos vinhos tradicionais da macaronésia (onde a Madeira se inclui).
A Tinta Negra pertence à memória que Ricardo tem de seu avô que só servia aos convidados os melhores vinhos de Tinta Negra, também talvez por isso sempre gostou dela. “Envelhece bem”, justifica-se, “mas é uma casta que tem pouca acidez por isso prefiro vindimá-la cedo”. A zona principal da Tinta Negra da Barbeito está em São Vicente, na Costa norte, de onde há a destacar a Achada dos Judeus, uma encosta voltada a norte, toda em vinha de latada, e rodeada por altas e abruptas montanhas – num cenário tão ou mais grandioso quantos os vinhos que aquelas uvas conseguem produzir.
Mas este Tinta Negra Single Harvest vem desde 1997 de uma vinha única no Estreito de Câmara de Lobos conduzida em latada e com exposição solar perfeita. Vindima antecipada uma semana para agarrar acidez, reforçando-se esta com prensagem em prensa contínua para conseguir mais amargos e notas verdes. Depois veio o envelhecimento em canteiro, a temperatura moderada até Março de 2019 quando entrou em 2 986 garrafa.

O Malvasia

Sendo de São Jorge é de aceitar que este vinho seja da Malvasia Branca de São Jorge, um cruzamento criado por Leão Ferreira de Almeida nos anos 60 (desconhecem-se os progenitores) e introduzida na Madeira nos anos 70. A casta produz elevados nível de açúcar e acidez o que encaixa perfeitamente no registo “Malvasia” da ilha. Existem no momento cerca de 35 hectares desta uva, a maioria cultivada em latada.
Este vinho representa um casco único (83 b+c) de 450 litros (capacidade inferior aquela normalmente usada) que esteve até ao 4º ano no armazém (b) onde as temperaturas são mais frescas e constantes e depois passou para o armazém (c) que permite um acabamento mais suave, com menos acidez e menos cor.
Sem ter a força dos Frasqueira, possui um equilíbrio e uma subtileza admiráveis.

Vinha de Malvasia.

Os Frasqueiras

Um Sercial de 1993 e um Verdelho de 1995 são as novidades. Nestes vinhos está subjacente um dos aspectos fundamentais da dinâmica produtiva do Vinho da Madeira: a associação geracional das empresas com partidistas (ajuntadores) de vinho na Ilha. Desde a fundação da empresa em 1946 que a família de Manuel Eugénio fornece uvas e vinho das castas Sercial e Verdelho à Barbeito. Ricardo recorda-se de presenciar por várias vezes a visita semanal que este fornecedor do Seixal (Costa Norte) fazia aos escritórios de sua mãe Manuela. Para melhor entendimento desta estreita relação comercial fomos almoçar ao Seixal a casa do Sr. Eugénio (já falecido) com 3 dos seus 11 filhos (aos quais deu a todos formação superior) e uma neta que cozinhou divinalmente um atum que casou magistralmente com o Barbeito Seco de que já falámos. As estórias de vida e de vinho que se ouviram durante o almoço aguçaram ainda mais o apetite. Como o vinho era transportado para o Funchal, como se ia a pé até ao Funchal quando o mar não permitia ir de barco, como se fazia o vinho, como se geria uma família de 11 filhos a partir de um pequeno negócio de venda a retalho e fabrico de vinho, como se conseguiu tanto com tão pouco. O almoço foi uma lição de vida… e de vinho também, claro está!
Os vinhos são uma homenagem a esta relação comercial e de amizade, e imagino o Sercial a representar a “Força” e o Verdelho a “Harmonia” nesta relação empresa/fornecedor.

O Japonês

Este lote é dedicado a Yasuhiro Kinoshita, o japonês que, ao fim e ao cabo, possibilitou que o mundo se tornasse um pouco melhor com os vinhos que saíram desta associação de esforços e interesses. Este lote é constituído por um Malvasia de 2009 primorosamente casado com outros dois Malvasias que provei: um incheirável e intragável de 1895 e outro cheirável e tragável dos anos 50. Pura alquimia ou perfumaria, o certo é que de 3 vinhos mais ou menos opostos se criou uma extraordinária peça de arte que encheu apenas 655 garrafas. Ricardo Diogo Freitas é, como já todos sabemos, um verdadeiro mestre a “compor” vinhos Madeira.

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Edição n.º32, Dezembro 2019

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