Casca Wines: o mar está logo ali

Não possuem vinhas nem adegas próprias, mas representam um dos mais inovadores projectos surgidos na última década. O enólogo Hélder Cunha é a face mais visível de uma pequena empresa que em 2017 irá representar um milhão de garrafas e quer ultrapassar os dois milhões em 2020.

 

TEXTO Luís Lopes FOTOS Ricardo Palma Veiga

se tornou percurso obrigatório. Todo o visitante, nacional ou estrangeiro, que agende um encontro com Hélder Cunha ou Alexandre Tirano, sócios e directores executivos da Casca Wines, tem de passar pelo ritual da visita às velhas vinhas de Colares e do passeio nos penhascos batidos pelas ondas bem perto do Cabo da Roca. Só assim entenderá (acreditam eles e eu confirmo que é verdade) a verdadeira essência da empresa e o fio condutor que atravessa todos os seus vinhos.

Falar de “atlanticidade” quando também se produzem vinhos no interior do Douro e do Alentejo parece ser (e é) algo forçado, mas percebe-se a intenção: mostrar que o carácter genuíno, o respeito pela tradição, a frescura, leveza e elegância, são conceitos, valores e perfis que procuram imprimir a toda a sua gama de produtos.

Naturalmente, uns evidenciam-no mais do que outros, mas a empresa criada em meados de 2008 oferece, num portefólio bastante diversificado em termos de regiões e segmentos de preço, uma consistência qualitativa assinalável. Aqui cabem vinhos consensuais, claramente apontados a um público global que valoriza sobretudo a relação qualidade-preço, mas também propostas mais ousadas do ponto de vista enológico (ausência de sulfuroso na fermentação, utilização de leveduras indígenas ou engaço, por exemplo) que visam acima de tudo afirmar a singularidade de um terroir, como acontece com os brancos e tintos de Colares, ou os vinhos de vinha velha no Douro, Tejo, Bairrada ou Dão.

Os Colares (incluindo o fabuloso Ramisco de 2011 provado na edição de Junho da Grandes Escolhas) que nascem na antiga adega Viúva Gomes (no âmbito de uma saudável convivência e amizade com o proprietário), são um bom exemplo de como a Casca Wines trabalha. O alvo (vinha) é identificado por Hélder Cunha e faz-se uma parceria com o proprietário, a quem se fornece todo o apoio técnico. As instalações de vinificação (mais de uma dezena, em todo o país) assentam igualmente em parcerias ou contratos de aluguer. O centro operacional da empresa, onde se realizam mais de metade dos engarrafamentos, está situado no Douro, em Sabrosa. Douro, Colares, Tejo e Alentejo foram aliás os primeiros vinhos/regiões a levarem o rótulo Monte Cascas (o nome vem de Cascais, zona de onde Hélder é originário). Entretanto, foram agregadas ao portefólio as regiões e vinhos do Porto, Dão, Bairrada, Távora-Varosa, Vinho Verde/Regional Minho, Bucelas, Lisboa e Península de Setúbal.

Entre 2008 e 2017, a Casca Wines passou de 100 mil para 1 milhão de garrafas (70% vendidas no mercado externo) integrando hoje 15 trabalhadores. Da estrutura acionista inicial ficaram os irmãos Hélder e Fernando Cunha, tendo mais tarde entrado Alexandre Tirano, que veio dar outro impulso à área comercial e de distribuição. Em 2015, um fundo de investimento (Capital Criativo) trouxe o estofo financeiro necessário para almejar objectivos mais ambiciosos, entre 2 e 2,5 milhões de garrafas produzidas em 2020.

Apesar do constante crescimento do negócio, a vinha e o vinho continuam a ser o foco e o centro da actividade da empresa. Hélder Cunha identifica a Casca Wines como “um projecto de enólogos” e essa assinatura está subjacente a todo o processo de decisão. Não possuir vinha não é, para ele, uma desvantagem: “Em vez de investir em propriedades, investe-se na seleção das melhores uvas, onde quer que elas se encontrem.”

A linha de produtos assenta em quatro marcas: Monte Cascas (a mais emblemática, desdobrando-se em várias categorias e segmentos« de preço), Cabo da Roca, Cascas e Bote. Com o tempo, algumas regiões destacaram-se na empresa, pelo volume produzido/vendido e pelo retorno financeiro, como são os casos do Douro, Alentejo e Lisboa. Mas Colares continua a ser a região que mais “gozo” oferece a Hélder, enquanto enólogo. “Colares é um desafio constante, é uma região que desconstruiu o meu conhecimento em enologia”, afirma, para logo acrescentar, diplomaticamente, que todas as regiões vinícolas têm algo de único e desafiante, “seja domar o Arinto em Bucelas, o Fernão Pires do Tejo com mais de 100 anos, ou a Baga das Cardosas, não se escolhe… goza-se!”

Os vinhos de uma só vinha encontram-se entre os mais acarinhados por Hélder Cunha e ele explica porquê: “São vinhos importantes para transmitir os tesouros que temos neste país. Estivemos muitos anos de costas viradas para a mina de ouro que está no nosso jardim. Os ‘vinhos de vinha’ permitem a Portugal fazer a diferença em qualquer parte do mundo.”

A terminar, a pergunta que se impõe. No meio de tantas vinhas, regiões, adegas e vinhos, que desafios restam à Casca Wines? Um vinho em produção biológica, a surgir já em 2018, e uma nova região a acrescentar às doze já representadas no portefólio. Que região? Essa ficou sem resposta mas, conhecendo Hélder, provavelmente o mar está logo ali (mesmo que esteja longe…).

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