Cristal by Roederer

Um champanhe que virou mito, um vinho de outra galáxia. E muito por causa de um czar russo com manias.

 

TEXTO João Paulo Martins FOTOS DR

TODAS as grandes casas que operam em Champagne têm a sua Cuvée de prestígio. São sempre vinhos de edições ocasionais, muito dependentes da qualidade do ano, ou seja, das vicissitudes do clima. A região é fria, está sujeita a variações significativas, que podem ir desde geadas até chuva nas vindimas e isso determina a qualidade dos vinhos que se podem obter. Ainda assim, e porque a região se estende por uma área muito grande, é possível encontrar vinhos que podem integrar uma cuvée que se pretende de luxo.

Sem ser norma, podemos dizer que três a quatro vezes por década saem para o mercado estes vinhos, verdadeiros topos de gama, embaixadores do estilo de cada uma das casas, melhor dizendo, de cada uma das 300 casas produtoras que, entre si, representam 72% da produção e 87% da exportação da região. O resto do negócio está a cargo dos produtores/ engarrafadores e cooperativas.

Na casa Louis Roederer ganhou prestígio, ainda no séc. XIX, a cuvée Cristal, um champanhe feio com Pinot Noir e Chardonnay. A fama chegou através da Rússia e ainda estávamos na segunda metade do século. Foi a gosto do czar Alexandre II, amante dos champanhes Roederer, que em 1876 se fez a garrafa, então em cristal, algo que a casa champanhesa encomendou a um artesão flamengo. Por imposição do czar, que gostaria de ter algo de facto original, a garrafa deveria ser transparente para ele se certificar de que nenhum objecto explosivo poderia ser colocado dentro da botelha, o que poderia acontecer caso esta fosse de cor. Medos de ricos…

Como se imagina a festa durou até durarem os Romanov, que foram executados aquando da revolução de Outubro de 1917. A marca ficou então em suspenso, regressou em 1924 mas, de facto, foi só a partir de 1945 que passou a ter uma edição comercializável. Continuou com vidro branco (agora já não em cristal), com fundo plano e passou a ser envolta em papel celofane amarelo para proteger o líquido do efeito dos raios UV. Chegou assim até aos nossos dias e o nome Cristal ficou sempre associado a um champanhe de prestígio. Dele se fazem entre 300.000 e 400.000 garrafas e, desde 1974, também em rosé, algo ainda mais exclusivo e muito mais caro.

O perfil do vinho é que mudou tremendamente, uma vez que os czares gostavam dele doce e a dosagem excedia sempre os 100gr de açúcar por litro. Agora não ultrapassará os 8 gramas/litro.

Superiormente delicado, é sempre um champanhe que brilha nas alturas, onde encontramos tudo o que de bom as frutas brancas, as notas de brioche, os toques calcários e minerais e as flores brancas têm para oferecer. Os 6 a 8 anos de cave antes do dégorgement contribuem para a finura da bolha e para o requinte da prova. Subscrevo aqui o que o jornalista David Lopes Ramos um dia disse: se fosse rico, bebia uma garrafa destas por dia! Sábias palavras. Assino por baixo, sabendo que teria de ter €179 por dia para dar pela cuvée 2009, actualmente no mercado.

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