Editorial da edição nrº 96 (Abril de 2025)
Vinhos brancos de uvas tintas não é coisa nova. Os franceses fazem-no há séculos para espumantes e, nomeadamente, para os Champanhe, onde a designação blanc de noirs é sinónimo de espumante branco feito exclusivamente de Pinot Noir e Pinor Meunier. Também em Portugal os espumantes brancos elaborados a partir de uvas tintas obtiveram assinalável sucesso, desde logo com a casta Pinot Noir a demonstrar uma capacidade surpreendente para, num clima quente como o nosso, originar grandes bases de espumante (já quando aqui vinificada em tinto, o resultado é muitas vezes inconsistente ou decepcionante). Mas também em casas como Murganheira ou Vértice, variedades nacionais como Touriga Nacional, Tinta Roriz ou Touriga Franca, a solo ou em blend com uvas brancas, são desde há muito usadas para elaborar excelentes espumantes.
O maior sucesso nesta área será certamente o da variedade Baga, que na Bairrada começou a ser ensaiada como base de espumante ainda nos anos 90 e a partir de 2015 deu origem a uma categoria regulamentada e certificada – Baga@Bairrada – que conquistou o mercado. Hoje são cerca de 31 as empresas da região a produzir Baga@Bairrada e mais se juntam a cada ano que passa. A Baga vinificada em branco constituiu uma espécie de 5 em 1: criou um negócio que não existia anteriormente, contribuindo para o crescimento do espumante Bairrada; lançou uma marca institucional que associou uma casta a uma região; aumentou a rentabilidade do produtor – uma vinha de Baga para espumante pode produzir o dobro sem afectar a qualidade; desviou da vinificação em tinto as uvas Baga menos capazes, elevando a qualidade média dos tintos Bairrada; e veio suprir a carência de uvas brancas, permitindo que estas fossem melhor aproveitadas e valorizadas.
O trajecto dos brancos de tintas em vinhos tranquilos é bem mais recente. Entre nós, o caso de estudo (diria que a nível mundial) é o Invisível, um branco de Aragonez produzido no Alentejo pela Ervideira. O vinho imaginado pelo produtor Duarte Leal da Costa foi criado na colheita de 2009, tendo-se enchido 9 mil garrafas. Da colheita de 2024, agora lançada, fizeram-se 135 mil garrafas, vendidas ao preço médio de €14. A próxima colheita será de 150 mil garrafas. O sucesso do Invisível deve-se, sobretudo, a dois aspectos: a consistência qualitativa e o factor diferenciador, sendo distinto na cor, aroma e sabor de qualquer vinho branco. Na senda do Invisível, ainda que em volumes muito inferiores, temos hoje quase duas dezenas de brancos de tintas tranquilos oriundos de todo o país. Confesso que não sou grande fã de brancos de tintas, sinto sempre que lhes falta a componente citrina que aprecio nas uvas brancas, mas reconheço a qualidade e, até, como já comprovei no Invisível, a versatilidade à mesa e longevidade.
O que me leva à grande questão: o que buscamos quando fazemos um branco de tintas? Se a ideia é marcar pela originalidade, então deverá ser o mais diferente possível de um branco “normal”. Mas existe um outro caminho, que pode e deve funcionar em paralelo com este, e que é imposto pela necessidade. Hoje, em regiões como Alentejo, Douro ou Dão, temos uvas tintas a mais e brancas a menos, um desequilíbrio que as tendências de consumo vão continuar a acentuar. Não deveríamos, sobretudo para os brancos mais simples, procurar que as uvas tintas, misturadas ou não com brancas, viessem suprir essa carência, como algumas casas já estão a fazer, discretamente, no Dão? Isso implica uma abordagem totalmente distinta: tentar fazer de um branco de tintas um vinho em tudo semelhante a um branco de brancas. Um enorme desafio, sem dúvida, para quem orienta a vinha e a adega. L.L.