Escolha do Mestre – Sauvignon Blanc, a casta que o mundo quer adorar

O exotismo da Sauvignon Blanc tem originado um enorme sucesso junto de produtores e consumidores um pouco por todo o mundo. Portugal não é excepção, com resultados muito interessantes, mas há ainda trabalho a fazer no conhecimento da casta no terreno (atenção ao excesso de calor!), de forma a intervir menos na adega e deixar a uva exprimir o local onde está plantada.

Texto: Dirceu Vianna Junior MW

São poucas as pessoas capazes de distinguir entre um Sancerre e um Pouilly-Fumé ou discernir entre as sub-regiões neozelandesas de Awatere e Wairau numa prova à cega. Enquanto a uva Riesling é capaz de expressar o terroir com facilidade, a Sauvignon Blanc é uma casta maleável, onde as decisões tomadas pelo enólogo durante a vinificação são muitas vezes o factor dominante no estilo do vinho. Entre os melhores atributos da casta Sauvignon Blanc estão as suas impressionantes qualidades aromáticas juntamente com seu frescor penetrante. O sucesso global pode ser atribuído, pelo menos parcialmente, à reação dos consumidores entediados com estilos tradicionais de Chardonnay pesados, demasiadamente amadeirados e que actualmente buscam um perfil mais leve. É impossível ignorar na Sauvignon Blanc a incrível capacidade de expressar aromas e sabores exóticos que saltam do copo, dançam no paladar e deixam um final de boca persistente e refrescante. Esta é a razão pela qual a área total de vinhedos plantados no mundo em 2000 representava 65.000 hectares (ha), atingiu 110.000 ha uma década mais tarde e as plantações desta antiga casta continuam crescendo. A primeira menção ocorreu em 1534 sob um de seus sinónimos “Fiers” no Vale do Loire. Como Sauvignon, há uma menção específica no início do século XVIII em relação à pequena vila de Margaux, em Bordéus. A casta é conhecida por vários sinónimos, incluindo Blanc Fumé e Sauvignon Fumé no Loire. Na Áustria e na Alemanha é referida como Muskat-Silvaner e na Califórnia como Fumé Blanc, um termo inventado por David Stare de Dry Creek Vineyard em Sonoma.
Evidências históricas juntamente com análises de DNA sugerem o Vale do Loire como o berço da casta que nasceu devido ao cruzamento entre um pai desconhecido e Savagnin, portanto Sauvignon Blanc é meio irmão da casta Verdelho e genéticamente próximo à Sémillon. Além de ter alcançado fama por conta própria, Sauvignon Blanc, juntamente com Cabernet Franc, são os pais da Cabernet Sauvignon. É provável que esse cruzamento tenha ocorrido na região de Bordéus no século XVIII.
Sauvignon Blanc possui pele esverdeada, bagos pequenos e cachos compactos. É altamente vigorosa, mas relativamente fácil de cultivar. Brota tarde e amadurece cedo. Porta-se bem em climas ensolarados, mas não gosta de calor excessivo. Responde melhor quando plantada em porta-enxertos de baixo vigor e solos não muito férteis. A Sauvignon possui uma variedade de clones com personalidades distintas. Existem mais de 20 clones registados na Universidade de Davis na Califórnia, no entanto estima-se que a maioria das plantações na Califórnia e no mundo assentam no clone Wente FPS 01, originário do Chateaux d’Yquem.

Zambujeira Velha, Cortes de Cima

Os estilos clássicos de França e Nova Zelândia

A região do Vale do Loire, em França continua sendo a grande referência com exemplos puros, elegantes e expressivos oriundos das famosas vilas de Sancerre e Pouilly-Fumé. Entre os produtores de Sancerre destacam-se Alphonse Mellot, Domaine Lucien Crochet e Domaine Vacheron. Bons exemplos de Pouilly Fumé incluem Chateau de Tracy e Domaine Didier Dagueneau. Os vinhos destas denominações tornam-se cada vez mais caros e consumidores astutos buscam alternativas nas denominações vizinhas de Menetou Salon, Reuilly, Quincy e Coteaux du Giennois, bem como Sauvignon de Touraine, onde é possível encontrar vinhos leves e elegantes por uma fracção do preço, como Domaine Joël Delaunay. Sauvignon Blanc é cultivado no clima marítimo de Bordéus onde é possível encontrar vinhos leves, elegantes e bem feitos na sub-região de Entre-Deux-Mers, mas os melhores exemplos estão em Graves e Pessac-Léognan. Esses vinhos podem conter proporções de Semillon e Muscadelle e frequentemente são fermentados e envelhecidos em carvalho produzindo um estilo mais exuberante que além de envelhecer bem, se porta bem com comida. Domaine de Chevalier, Smith-Haut-Lafitte e Haut Brion Blanc são exemplos clássicos. Sauvignon é plantada perto da vila de Chablis sob a denominação de St Bris, onde produz vinhos notoriamente secos, magros com alta acidez e persistentes notas minerais. Um facto surpreendente é que a maioria dos 29.000 ha de Sauvignon Blanc plantados em França se encontram em Languedoc-Roussillon, região mais conhecida pelos seus tintos.
Semelhante ao Alicante Bouschet que teve origem em França e foi adoptado por Portugal, onde produz excelentes vinhos, a casta Sauvignon Blanc encontrou a sua segunda casa na Nova Zelândia, onde foi plantada pela primeira vez na década de 1970. O estilo pungente foi bem recebido pelo consumidor internacional e o país tem sido extremamente bem-sucedido, o que resultou num aumento significativo nas plantações, que hoje atingem 21.400 ha. O solo e as condições climáticas são perfeitos. O clima é ensolarado e seco, mas não excessivamente quente. Os solos pesados produzem vinhos herbáceos a partir de uvas que amadurecem mais tarde. As vinhas plantadas em solos mais pobres e rochosos amadurecem mais cedo, transmitindo notas tropicais exuberantes com nuances minerais. Marlborough, no extremo norte da Ilha Sul, é tida como referência para esse estilo, mas as plantações estão espalhadas por todo país, particularmente Martinborough, Gisborne, Hawkes Bay e Waipara Valley. De forma geral, os Sauvignon da ilha do Norte são mais maduros, com notas de frutas de caroço e melão em comparação aos vinhos do sul que tendem a ser mais leves com notas herbáceas. Entre os bons produtores destacam-se Clos Henri, Craggy Range, Dog Point, Greywacke, Huia, St. Clair, Seresin Estate, Vavasour, Villa Maria e novo projeto de Steve Smith MW chamado Smith & Sheth.

Adega Mãe

Sauvignon Blanc nas Américas…

Nos Estados Unidos, as primeiras plantações de Sauvignon Blanc foram introduzidas na adega Cresta Blanca em Livermore Valley, na Califórnia. Devido à aversão dos consumidores americanos pelo caráter herbáceo e alta acidez, os produtores desenvolveram um estilo chamado Fumé Blanc. Os vinhos são mais maduros, encorpados, enriquecidos por estágio em carvalho e muitas vezes contêm açúcar residual. Segundo a Universidade de Adelaide, existem cerca de 6.600 ha de Sauvignon nos EUA, principalmente em Sonoma, Napa e Vale Central. O Estado de Washington faz bons exemplos, mas é no Vale de Santa Ynez que o efeito do nevoeiro ajuda refrescar o clima e criar Sauvignon Blanc com mais delicadeza, tensão e frescor. Entre os melhores exemplos encontram-se Araujo Eisele, Chalk Hill, Duckhorn e Robert Mondavi To Kalon, um dos melhores exemplos de Sauvignon Blanc do mundo. Logo ao norte, no Canadá, bons exemplos de Sauvignon podem ser encontrados na Península de Niágara e na Colúmbia Britânica, como Clos du Soleil e Burrowing Owl Estate Winery.
O Sauvignon Blanc é uma das castas brancas mais importantes do Chile com 15.200 ha plantados, embora historicamente a varietal tenha sido confundida com Sauvignon Vert (Muscadelle) e com Sauvignonasse (Friulano na Itália). Essas castas ainda representam uma proporção significativa das plantações em Curicó e Maule e estão sendo gradualmente substituídos pelo verdadeiro Sauvignon Blanc. Em termos de estilo, os vinhos tendem a mostrar notas tropicais e sabores herbáceos geralmente com mais corpo do que os exemplos da Nova Zelândia. Os melhores vêm do Vale de Leyda e Vale de San Antonio, a poucos quilómetros do Oceano Pacífico. Entre os melhores produtores do Chile estão Casa Marin, Amayna, Montes, Matetic, Errázuriz, De Martino e Laberinto. Apesar de ser uma varietal menos difundida na Argentina, produtores como Zorzal, Pulenta Estate, Doña Paula e Finca Sophenia merecem reconhecimento. No Brasil, a casta mostra potencial na região de altitude de Santa Catarina com a Vinicola Thera a produzir um exemplo convincente.

Niagara, EUA

…e no resto do Mundo

A África do Sul tem uma longa história com Sauvignon Blanc. O estilo combina a exuberância de frutas dos vinhos do novo mundo com a elegância do velho mundo. As plantações estão distribuidas por várias regiões, especialmente Stellenbosch, Walker Bay e Elgin, totalizando cerca de 9.500 ha. Alguns dos melhores produtores são Mulderbosch, Klein Constancia, Neil Ellis, Strandveld, De Grendel, Diemersdal, Steenberg e Graham Beck. Na Austrália, o Sauvignon Blanc tem-se tornado popular devido ao sucesso da Nova Zelândia. Apesar da maioria das regiões serem demasiadamente quentes, existem cerca de 7.000 ha plantados. Um dos melhores é feito por Shaw e Smith em Adelaide Hills. Outros bons exemplos podem ser encontrados na Tasmânia e partes mais frias de Victoria e New South Wales. A parte oeste do país é responsável por um estilo distinto, onde a Semillon frequentemente faz parte do lote ajudando produzir vinhos mais encorpados como Cape Mentelle. A Itália possui cerca de 4.000 ha de Sauvignon Blanc, principalmente espalhados no nordeste do país, Alto Adige e Friuli. A Espanha tem uma área de plantação semelhante à Itália, apesar de que as condições climáticas sejam demasiadamente quentes para essa varietal. Existem plantações principalmente em em Castilla-La Mancha e Rueda. Outras regiões da Europa onde Sauvignon é encontrado inclui Roménia, Moldávia, Suíça, Eslovênia, República Checa, Rússia e Alemanha, especialmente em Württemberg, Franken e Pfalz. A região de Styria na Áustria é responsável por vinhos subtis e cremosos e a Hungria é fonte de Sauvignon Blanc de boa qualidade e preços acessíveis.

Nova Zelândia

A Sauvignon Blanc e o estilo português

Dados do Instituto da Vinha e do Vinho mostram que a parcela mais antiga de Sauvignon Blanc em Portugal foi estabelecida pela Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima em 1977. Actualmente existem 1.305 ha espalhados pelo país, predominantemente no Alentejo (383 ha), Tejo (328 ha) e Lisboa (222 ha). O desejo de explorar o potencial da casta dentro das características climáticas portuguesas foi um dos motivos que levaram produtores a plantar Sauvignon Blanc. Francisco Baptista, enólogo e sócio da empresa Saven, explica que a Sauvignon Blanc em Barcelos, região dos Vinhos Verdes, apresenta características similares às da baía de Arcachon, em Bordéus. Devido à sua proximidade ao oceano atlântico e solos mais profundos origina vinhos frescos. Outro motivo do interesse pela casta foi tentar capitalizar na oportunidade comercial. Paula Fernandes, enóloga residente da Quinta da Boa Esperança, explica que no início do projeto, pensando na internacionalização da marca, optaram em plantar a casta pelo facto de ser reconhecida internacionalmente acreditando que poderia ser uma vantagem comercial.
Vasco Rosa Santos, enólogo responsável pelos vinhos do Monte da Ravasqueira refere que o estilo do Sauvignon da casa é fruto da experiência adquirida em adegas Neo-Zelandesas. O objectivo é simplesmente reflectir as características da casta e buscar um perfil fresco com notas herbáceas, caracter cítrico e mineral. Paula Fernandes cita a região de Sancerre no Vale de Loire como inspiração e adianta que em Lisboa os solos argilo-calcáreos e o clima moderado com influência atlântica imprimem aos vinhos estrutura, acentuada acidez e mineralidade. Pedro Lufinha, Director Geral da Quinta da Alorna, diz que não procura estilo específico, mas gosta dos componente exóticos, tropicais e, ao mesmo tempo, aprecia o lado vegetal e mineral da casta. O importante é que o vinho seja harmonioso. Para isso, o controlo da maturação e o momento da colheita da Sauvignon Blanc, mais do que em muitas outras castas, é crucial, explica Pedro. Após a vindima manual as uvas são desengaçadas e vão directamente à prensa sem qualquer maceração pelicular. A fermentação é mantida numa temperatura de cerca de 17 a 18ºC e feita com leveduras selecionadas que possuem melhor capacidade de revelar os tióis. O vinho permanece em inox até a data do enchimento.
Na adega do Monte da Ravasqueira, o enólogo Vasco Rosa Santos prefere inibir as enzimas responsáveis pela oxidação dos compostos aromáticos, usando baixa temperatura desde a hora do esmagamento. A temperatura de fermentação é cerca de 4 ou 5 graus mais baixa em comparação ao Sauvignon Blanc da Quinta da Alorna. Subsequentemente as borras finas são colocadas em suspensão para dar melhor textura e corpo ao vinho.

Sancerre, França

Um sucesso no mercado

No que respeita ao desempenho comercial dos Sauvignon Blanc portugueses, Francisco Baptista mostra-se positivo e explica que no mercado nacional o vinho é vendido maioritariamente em locais turísticos principalmente Algarve e Lisboa, mas 88% da produção é comercializada no mercado externo. O mesmo acontece com o Monte da Ravasqueira Sauvignon Blanc onde 60% da produção é vendida no mercado externo, especialmente Irlanda, Polónia e Rússia. Ao invés, tanto as vendas da Quinta da Boa Esperança como da Quinta da Alorna são dominadas pelo mercado nacional, 80% e 75% respectivamente. Devido ao seu potencial gastronómico e à facilidade do consumidor estrangeiro em identificar a casta, o vinho é comercializado principalmente no canal HORECA. Comparando a qualidade do Sauvignon Blanc português com de outros países, Vasco Rosa Santos considera a qualidade muito boa e realça o perfil diferente do dos famosos vinhos do Loire e Marlborough. Na sua opinião, o Sauvignon Blanc nacional raramente é influenciado por madeira, portanto é mais acessivel. Paula Fernandes está convencida que Portugal tem capacidade de produzir excelentes Sauvignon Blanc. Apesar de ser um país de pequena dimensão, mostra condições distintas e cada uma dessas regiões possui microclimas onde podem ser produzidos Sauvignon Blanc de estilo “Novo Mundo”, com aromas tropicais, untuosos e com acidez menos marcada, até vinhos com perfil mais clássico, como os do Vale de Loire, com mineralidade, acidez vincada e aromas elegantes e cítricos. Sendo assim é capaz de agradar qualquer tipo de consumidor, o que se torna uma vantagem competitiva.

Loire, França

O futuro

Levando em consideração tendências comerciais e ameaças trazidas pelas mudanças climáticas, Pedro Lufinha faz uma análise sensata, declarando que a casta não deixará de existir, mas também não será auspiciosa tendo em conta o vasto património vitícola e a preferência do consumidor português pelas castas autóctones que o país oferece. Paula Fernandes considera o Sauvignon como uma casta de clima fresco e acredita no seu poder de adaptabilidade. Sendo assim a tendência será sua transição para latitudes mais elevadas e locais mais próximos do mar, onde as amplitudes térmicas são menores e o índice de humidade mais elevado, como é o caso da região de Lisboa.
Apesar dos Sauvignon Blanc portugueses ainda não apresentarem uma personalidade definida, ao contrário dos clássicos franceses ou neo-zelandeses, a qualidade dos Sauvignon Blanc nacionais, de forma geral, é solida. Além de satisfazer a demanda do mercado interno é capaz de aventurar-se no comércio internacional. Mas embora sejam elaborados com competência, ainda não estão no patamar de qualidade dos grandes clássicos mundiais. De forma geral, os estilos ainda são muito heterogéneos e manifestam sobretudo a filosofia do enólogo. Até vinhos da mesma região reflectem mais as decisões tomadas na adega do que o terroir que lhes deu origem. Produtores que apostaram na casta precisam continuar valorizando a qualidade acima de tudo, para evitar competir com Sauvignon Blanc de países onde os custos de produção permitem atingir faixas de preço inferiores, como é o caso do Chile. Para assegurar sucesso ao longo prazo, é preciso ir em busca de uma personalidade própria. E para isso é necessária paciência e muito trabalho. Trabalho que vai gerar conhecimento e confiança. Confiança para interferir menos e fazer o máximo para que a casta consiga expressar da melhor forma o terroir português.

Edição Nº26, Junho 2019

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