TEXTO Ricardo Dias Felner FOTO Ricardo Palma Veiga
Há uns anos, um amigo meu decidiu plantar espargos num terreno que acabara de comprar. Fê-lo por impulso e paixão, sem se precaver do escoamento para o mercado. Sucede que as grandes superfícies preferiam os do Perú e de Espanha, mais baratos e com fornecimento o ano todo, e os chefs preferiam os certificados, mais seguros. Pelo que, na altura da primeira colheita, o meu amigo ficou sem saber o que fazer a umas centenas de quilos. Uma das poucas pessoas que lucrou com o desaire fui eu. Durante várias semanas, por esta altura do ano, tive fornecimento regular dos rebentos e pude experimentar todo o tipo de receitas. Das sopas aos ovos, das saladas aos purés, fiz de tudo.
É preciso dizer, todavia, que nenhuma fórmula bateu a preparação clássica dos italianos: um minuto em água a ferver, de pé; depois cortá-los em troços e saltear em azeite; com o lume desligado acrescentar manteiga, limão, pimenta preta, flor de sal e lascas de parmesão. Se cozinhados no tempo certo, ficavam crocantes, o interior tenro e sumarento, notas verdes e doces — uma das grandes maravilhas vegetarianas de sempre.
Quando os comprar no comércio, a primeira coisa que deve ter em atenção são as pontas. Nunca compre espargos com as pontas pisadas. É sempre por aí que eles apodrecem. De resto, escolha os que têm a pele mais uniforme.
Os meus preferidos, com mais sabor, mais doces, são os espargos verdes. Mas há quem aprecie os brancos, uma variedade privada de clorofila pela ausência de contacto com o sol, popular em Itália, na Holanda e na Alemanha. Os verdes de cultivo devem ser cortados pela base, muito rija, mas não a descarte: pode sempre fazer um caldo de legumes para entrar num arroz ou numa sopa. Se pelar a metade inferior, mais fibrosa e dura, com um descascador de vegetais, não terá qualquer problema. No caso dos espargos selvagens, que se encontram à venda na beira das estradas, sobretudo no Alentejo, o truque é dobrá-los com uma mão em cada ponta. O sítio por onde partirem separa a parte tenra da parte fibrosa.
Para terminar, uma nota escatológica: se notar um cheiro estranho na urina depois de comer espargos, não estranhe. Resulta da metabolização de um composto e só é detectado em algumas pessoas. No limite, significa que anda a comer bem.