Entre pai e filhos
Redondo. Uma sub-região do Alentejo com enorme potencial. Redondo. O ciclo da vida, a passagem de conhecimento de pai para filhos, e vice-versa. Redondo, agora no rótulo de um vinho da Casa Relvas, o primeiro DOC Alentejo Redondo deste produtor.
TEXTO Mariana Lopes
FOTOS Casa Relvas
A Casa Relvas é uma referência no Alentejo. A produzir já 7 milhões de garrafas por ano, consegue focar-se, em diferentes perfis de cada segmento de preço, em oferecer sempre mais do que aquilo que se paga por um vinho. Mas, acima de tudo, consegue fazê-lo sem beliscar o estatuto da marca mãe, fazendo com que esta seja sempre salvaguardada. Pelo meio, vai ainda fazendo vinhos assumidamente diferentes, produtos bem originais. E tudo isto é construído — além da equipa da Casa Relvas — por um pai, Alexandre Relvas, e por dois dos seus filhos, Alexandre e António. Agora, um novo vinho, o primeiro DOC Alentejo da empresa — sub-região Redondo — e também o primeiro unicamente apresentado sob a marca “umbrella” Casa Relvas.
“Sinto-me em casa no Redondo, e isso, para mim, tem um valor enorme”, confessou o pai Alexandre Relvas, em conversa informal com a Grandes Escolhas. “Gostamos muito do facto de a nossa origem, a Herdade de São Miguel, ser precisamente nesta sub-região”, continuou o empresário, que adquiriu esta herdade localizada em São Miguel de Machede, ainda nos anos 90. Na verdade, o Redondo é a zona onde têm menos vinha, apenas 25 hectares de um total de 250 de vinha própria, espalhados por diferentes regiões do Alentejo. No entanto, a ligação emocional a essa terra é muito grande e, por isso, fazia todo o sentido para esta família lançar um vinho que o espelhasse. “Redondo é uma região com muita tradição e cultura vitivinícola, bem marcada pelos seus solos argilo-xistosos e pela presença da Serra d’Ossa. Quando decidimos fazer este vinho, fomos atrás disso e do que era o verdadeiro vinho do Redondo, pensando nas três principais castas que antigamente o compunham: Aragonez, Trincadeira e Castelão. Mas também fizemos questão que fosse um vinho para ser bebido, no verdadeiro sentido da palavra, e não apenas provado. Um vinho para estar à volta de uma mesa a comer, beber, cantar e contar estórias, como se faz no Alentejo”, explicou Alexandre Relvas Jr., que já há algum tempo tinha vontade de lançar um vinho com Denominação de Origem Controlada. Disse, e com razão, que o DOC Alentejo não é valorizado, sobretudo face à indicação Regional Alentejano.
“Pensando friamente e dizendo o que me vai na alma, uma empresa como a Casa Relvas — que tem vindo a crescer no segmento de preço médio e médio-alto — nunca ter feito um vinho DOC, é algo de errado. É pena que, sendo as DOC tão importantes noutros países, sobretudo da Europa, não o sejam no nosso em algumas regiões”, desabafou.
O Casa Relvas DOC Alentejo Redondo 2019 fermentou em inox com os bagos inteiros e
20% de engaço. Depois, fez maceração durante 30 dias e maloláctica em tonel de 5000 litros de carvalho francês, onde estagiou por 12 meses.
Coisas de família…
A dinâmica entre Alexandre e os filhos é de uma cumplicidade e confiança a 100%, mas até se chegar à actual velocidade de cruzeiro, muita água correu “por baixo da ponte”.
Alexandre Relvas Jr. era o mais rebelde da família. Quando chegou o momento de estudar, escolheu Gestão, mas a sua vida estava longe de ser bem gerida… “Sempre soube que queria fazer alguma coisa ligada à agricultura e ao campo, mas não era bom estudante. Era preguiçoso, no entanto, o que fazia, fazia bem. Desisti do curso de Gestão passado um ano, e ainda hoje me lembro da cara do meu pai, no dia em que lhe disse”, contou Alexandre, que acabou por, mais tarde, tirar um bacharelato por alternância em Bordéus, em Viticultura. “Quando fui para lá, confesso que gostava de vinho — em excesso, sobretudo — mas não tinha grande ligação a esse mundo. Tive a sorte de viver dois anos em Saint-Emilion, porque lá, ou se fica apaixonado por vinho, ou se foge dali para fora, não se fala de mais nada. Eu fiquei apaixonado…”. Em 2006, entrou como adegueiro na Herdade de São Miguel. Nessa altura, ainda havia muito para fazer na empresa, que produzia 150 mil garrafas. Actualmente, Alexandre Relvas Jr. é responsável pela parte comercial, marketing e adega.
Já António Relvas, mais novo do que o irmão, está na empresa há apenas cinco anos. Também ingressou na licenciatura e mestrado em Gestão mas, ao contrário de Alexandre, concluiu, embora não tivesse ideia do que queria fazer. “Ainda trabalhei quatro anos em várias áreas, indeciso, mas o meu pai dizia sempre que o caminho se faz caminhando, e foi um pouco isso que aconteceu”, avançou António. Foi para a empresa do pai e do irmão quase “por acaso”, sem planear, e à data a Casa Relvas estava à procura de desenvolver a parte agrícola. Assim, a “coisa” proporcionou-se e, neste momento, António é o responsável por esse departamento, que inclui vinha, olival e, em breve, amendoal.
Alexandre Relvas ri-se ao relembrar estes momentos pela boca dos filhos, mas assume um ar sério, de empenho pessoal, quando diz: “Tenho cinco filhos, e o Alexandre foi o que me deu mais ‘trabalho’ ao longo dos anos. Foi um dos investimentos que eu fiz que mais valeu a pena. A preocupação de um pai é que vocês tenham a melhor formação, para que sejam livres, para que realizem o vosso potencial. Tenho um enorme prazer em que os meus filhos trabalhem comigo, mas quis criá-los de forma a que pudessem existir autonomamente e fora do universo familiar, se assim fosse necessário. O convite ao António foi diferente da situação do Alexandre. Já vendíamos milhões de garrafas e sabíamos que queríamos diversificar a actividade agrícola, que havia oportunidades, e precisávamos de alguém que viesse ser responsável por isso”.
Curiosamente, o instinto paternal de Alexandre Relvas também se reflecte na sua relação com as outras pessoas, sobretudo com as gentes da Casa Relvas. “Queremos ser uma boa empresa de vinhos, uma referência no Alentejo. Não temos ambição de ser mais do que isso. Continuamos a criar emprego e a minha preocupação é que as pessoas da Casa Relvas tenham sentido de futuro connosco e que também se desenvolvam a nível pessoal. Queremos fazer produtos de alegria, de celebração para os nossos consumidores, continuar a dar resposta às necessidades do mercado, mas muito focados num enorme sentido de responsabilidade pelos que trabalham aqui. E não tenho dúvidas que todas essas pessoas estão muito orgulhosas por lançarem este novo vinho DOC Redondo”, rematou o patriarca, sorridente.