Excelência garantida

Quando se pensaria que as “receitas” para fazer grandes vinhos tinham passado à história, eis que elas regressam, vestidas agora com novas roupagens e utilizando ingredientes mais apelativos para o consumidor.

 

MICHEL ROLLAND, sendo o grande enólogo que é, viu a sua imagem beliscada junto do consumidor quando se constatou que, para acudir às inúmeras adegas a que prestava consultoria no mundo inteiro, utilizava um “protocolo” enológico que era aplicado de forma demasiado generalizada. Provavelmente não poderia fazer de outra forma, dado o gigantesco volume de vinhos que trabalhava em diferentes continentes, mas crítica era justificada e a aversão às receitas ficou.

Na verdade, sobretudo quando se procura a qualidade máxima, trabalhar com receitas é inútil, pois o vinho é feito de diversidade e imprevisto. Não existe um igual a outro porque as condições que os originaram, na vinha e na adega, são também elas diferentes e se alteram em cada vindima. Pretender que, reunindo determinados factores e utilizando determinadas técnicas, se obtém automaticamente um vinho de excelência, é enganar-se a si mesmo e enganar os outros.

Nos últimos anos, porém, tenho vindo a assistir ao regresso das receitas, centradas agora mais na vinha do que na adega (o que não deixa de ser curioso, pois a uva é precisamente aquilo que menos se pode controlar e replicar de um ano para o outro). Vinha velha, viticultura orgânica, leveduras indígenas, barrica usada, vindima precoce, intervenção mínima (seja lá o que isso for), eis a nova receita para o sucesso. A “fórmula” está a ser promovida como sendo a única capaz de assegurar vinhos com grandiosidade e personalidade. E vem com a arrogância de uma certa superioridade moral vitícola e enológica.

A fórmula da grandeza não existe

A receita mudou, mas o erro é o mesmo e pode ser exposto ponto por ponto. Para não me alongar, vou centrar-me apenas num dos seus ingredientes, a vinha velha. O próprio conceito de vinha velha é pouco claro, mas vamos assumir que será uma vinha com muitas castas, todas misturadas e plantada há mais de 70 anos. Ora, dizer que uma vinha origina grandes vinhos por ser velha, é completamente absurdo. Como se a sua localização ou a conjugação de castas que lá existe não tivesse qualquer importância. Uma vinha velha não é igual a outra vinha velha, mesmo quando plantadas a 500 metros uma da outra, como qualquer produtor com várias vinhas deste tipo pode testemunhar. E se uma oferece consistentemente vinhos de enorme categoria, outra pode não originar mais do que vinhos banais.

Já bebi muitíssimos vinhos de grande nível oriundos de vinhas velhas. Mas também já me deliciei muitas vezes com belos vinhos de vinhas jovens, até do primeiro ou segundo ano de produção. Excelência e banalidade já provei de vinhas orgânicas ou de proteção integrada, filtrados ou não filtrados, com leveduras indígenas ou selecionadas, com barrica nova ou usada, de lagar ou de inox.

Não existe uma fórmula que assegure a grandeza. E ainda bem. A paixão do vinho (pelo menos a minha) alimenta-se precisamente do imprevisto, da surpresa, da noção de que nada podemos dar como garantido e de que existe sempre margem para descobrir e aprender. Após 28 anos de escrita de vinhos, a única coisa de que estou certo é de que não há certezas. Quem não percebe isto, não percebe nada.

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