Grande Prova – Brancos do Dão

No solar do Encruzado

Imaculados a nível de qualidade e frescura, cada vez mais os brancos do Dão apresentam matizes diferenciadoras entre si. Fruto da neutralidade que a casta Encruzado apresenta nos primeiros anos em garrafa e da personalidade que ganha com o tempo, surgem estilos e perfis que vão desde a mineralidade pura até fruta branca e mesmo algum exotismo. Em comum têm o elevado nível geral e preços tendencialmente cordatos.

 

Texto: Nuno de Oliveira Garcia

Notas de prova:  João Paulo Martins e Nuno de Oliveira Garcia

Nos últimos dez anos, os brancos portugueses desmistificaram quaisquer preconceitos sobre a sua enorme qualidade. Naturalmente, os vinhos à disposição dos consumidores hoje são fruto de um trabalho anterior, seja pela replantação de vinhas, ou recuperação de castas esquecidas, seja na afinação de estilos menos óbvios, como por exemplo com menos recurso a madeira nova durante o estágio. Ora, uma das regiões com melhores condições para brancos nacionais de excepção é, sem dúvida, o Dão.

Por um lado, existem razões relativamente óbvias para isso, sendo disso bom exemplo os invernos frios e uma significativa altitude das vinhas (frequentemente acima dos 350m ou mais do nível do mar), bem como solos genericamente compostos por areias graníticas, tudo condições que aportam frescura aos vinhos. Mas, por outro lado, e olhando mais em pormenor, no caso do Dão outra razão existe e chama-se… Encruzado. Com efeito, nos últimos 20 anos, a fama da uva Encruzado confunde-se com a notoriedade crescente do vinho branco do Dão. Não o dizemos pela presença da casta no encepamento que, sendo crescente, está muito longe de ser dominante, mas essencialmente pela qualidade e consistência dos vinhos finais que proporciona. Efectivamente, o Encruzado, em pouco mais de década e meia, passou de singelamente admirado pela crítica especializada para gozar de uma justa fama junto dos consumidores. Arriscamo-nos a dizer que essa associação de casta a um território aumentou o valor da região do Dão junto dos apreciadores de vinhos brancos. Prova disso é que nunca ouvimos um consumidor a dizer que não gosta de Encruzado; e convenhamos que é difícil não gostar…

A referida associação entre o Encruzado e a região do Dão não é, todavia, isenta de nuances. A primeira delas respeita, como referimos, à sua limitada presença no encepamento. Existe uma significativa mancha de vinha velha branca no Dão, mas curiosamente surge a casta Malvasia Fina como muitas vezes dominante, a par de muitas outras uvas, como seja o Cerceal-Branco, Fernão Pires, Bical, Verdelho, Barcelo, Terrantez e outras com os habituais nomes curiosos de Uva-Cão, Cachorrinho, ou Douradinha…. Com efeito, o Encruzado é minoritário nessas vinhas velhas, tendo sido trazido para o palco principal na sequência das provas organizadas por Alberto Vilhena nos anos 50 do século passado no seio do Centro de Estudos Vitivinícola do Dão, em Nelas. Para se ter uma noção, actualmente, na região, o Encruzado está longe de ultrapassar 300 hectares de mancha total, ou seja, praticamente 3 vezes menos do que a Malvasia Fina e 2 vezes menos do que a omnipresente Fernão Pires…

Ainda a respeito da casta Encruzado, mas o mesmo sucedendo com as variedades Barcelo e Uva-Cão (ambas com cada vez maior aceitação junto de produtores e enólogos), e por esta poder ser relativamente neutra (de aroma e sabor) nos primeiros meses após o engarrafamento, tem cabido às opções de vinificação e de enologia trabalhar e exaltar algumas matizes. Por isso, no painel de vinhos provados encontrámos desde registos mais minerais (pedra molhada, minerais quebrados e até notas de giz, por vezes sinal de alguns tipos de redução) que se aproximam melhor da pureza da casta, passando por frutados (um ou outro quase tropical até), e finalmente outros mais florais (quase sempre decorrente de estágio em barrica). Em todos os vinhos, contudo, encontrámos excelentes acidezes totais e uma positiva percepção de óptima longevidade. Aliás, mesmo nos vários casos em que a casta Encruzado não aparece a solo, o pendor mineral e fresco foi uma constante nos vinhos provados.

A dupla Encruzado-Malvasia Fina (esta última de carácter mais frutado e floral) continua a aparecer em vários lotes, mas cada vez mais encontramos, sobretudo nos topos de gama, a utilização apenas de Encruzado, quando muito com recurso à companhia de pequena percentagem de Bical. A ligação funciona muito bem, pois enquanto o Encruzado proporciona nervo e agradece a utilização de barrica, a casta Bical aporta maior riqueza aromática e finura em boca. No geral, os brancos do Dão melhoram muito com 5 ou mais anos em garrafa, essencialmente por desenvolverem maior complexidade aromática e comprimento de boca, sem oxidações precoces ou perda de frescura. Talvez por isso, poucos foram os vinhos de 2020 que entraram no painel em prova, sendo que um dos primeiros classificados é, inclusivamente, um blend formado com vinhos de vários anos.

Mas se o Encruzado não é uma das castas há mais tempo reconhecida, o mesmo não se pode dizer da região do Dão. Demarcada em 1908 tem o nome do rio que percorre parte da região, cruza alguns dos seus melhores terroirs (como seja Penalva do Castelo e Santa Comba Dão) e desagua no Mondego. Com solos generalizadamente graníticos, divide-se por 7 sub-regiões, desde a solarenga Silgueiros até à invernosa Serra da Estrela. Entre os dois rios encontramos Nelas e Mangualde com as respetivas manchas vínicas, a este Seia e Gouveia e na fronteira sul a região de Arganil. Trata-se de uma região na qual a vinha tem forte implementação no dia-a-dia (incluindo para produção e consumo próprio das populações), mas a mesma está, todavia, dispersa por floresta (tantas vezes de eucaliptos), por pequenas e grandes aldeias, e até por alguma indústria.

Prova branco DãoPor vezes conhecida como a ‘Borgonha de Portugal’, pela fineza de brancos e tintos, é curioso notar uma aproximação entre as castas Chardonnay e o Encruzado na medida em que ambas enriquecem com a fermentação e estágio em barrica… A região tem como inequívoco predicado a paternidade de duas das melhores variedades nacionais: o Encruzado nos brancos e a Touriga Nacional nos tintos. Aliás, a par de expressões muito residuais de Sémillon, Sauvignon Blanc, Pinot-Blanc e Pinot Noir, a região é plantada quase exclusivamente de castas nacionais, muitas delas locais. Na última década e meia tem beneficiado do surgimento de novos produtores, simultaneamente ambiciosos e conservadores das melhores práticas. Exemplos do que vimos escrevendo são os investimentos recentes na histórica Quinta da Passarella (destaque para a enorme recuperação das vinhas e do património edificado), mas também da Niepoort, e mais recentemente MOB e Taboadella (com a adega mais bonita da região, e não só…). Com esses investimentos vieram enólogos de outros pontos do país para a região, que se juntariam a uma nova fornada local. Tanto assim é que, hoje em dia no Dão, nomes como Paulo Nunes, Nuno Mira do Ó, Jorge Alves, Jorge Moreira, Jorge Serôdio Borges e Xito Olazabal, Luis Lopes, ou Mafalda Perdigão juntam-se a quem há mais tempo oficia por estas terras, caso de Nuno Cancella de Abreu, Carlos Lucas, João Paulo Gouveia, Osvaldo Amado, Paulo Narciso, Carlos Silva ou Anselmo Mendes, entre outros. Pois bem, pedimos a alguns destes profissionais que elencassem o que os surpreende positivamente nos brancos da região, e as respostas foram maioritariamente no sentido de enaltecer a gordura natural dos vinhos na prova de boca (sobretudo do Encruzado) que dispensa, por vezes, a operação de battonage. Outro feedback que obtivemos foi a capacidade de resistência à oxidação, mesmo em mostos e vinhos com menos utilização de sulfuroso. Alguns dos melhores vinhos em prova tiveram efetivamente longos estágios em barrica, sem ou com pouquíssimo sulfuroso, em borras finas, mas muitas vezes sem necessidade de battonage. Aliás, a este respeito, julgo não existir melhor forma de fechar este texto do que elogiar a capacidade única do Dão em proporcionar brancos naturalmente com perfis de vinhos de guarda, salinos e minerais, quase sempre centrados em aromas secundários e, se mantidos alguns anos em cave, deliciosas componentes terciárias. Há lá melhor coisa?

(Artigo publicado na edição de Fevereiro de 2022)

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