Ir à Terceira e voltar

Fomos aos Açores “mergulhar” na colecção de um terceirense amante dos vinhos. Não “limpámos” a garrafeira (são demasiadas garrafas), mas provámos algumas dezenas que já ninguém sabia exactamente em que condição poderiam estar. E tivemos boas surpresas.

 

TEXTO João Paulo Martins FOTOS DR

CONHECI António Maio há alguns anos num evento de vinho e desde logo se criou um clima de cumplicidade vínica que tem durado até hoje. Desde então já orientei várias provas na ilha Terceira para consumidores locais e descobri mesmo que alguns deles eram meus velhos conhecidos cujo paradeiro desconhecia. À sua volta António foi juntando um conjunto de amigos que, de simples apreciadores, ganharam coragem para ir mais longe, saber mais e ter um prazer extra na prova dos vinhos. O gosto de António, esse, não é tão antigo assim, já que durante anos e anos a enofilia não lhe dizia muito, apesar de vir de uma tradição familiar onde o vinho estava presente. O pai tinha uma pequena vinha onde cultivava vinho de cheiro (o chamado “americano”), que depois vendia para o Pico, mas aquele vinho não lhe agradava e por isso não bebia. O facto de o vinho avinagrar ao fim de poucos meses também não ajudava. As caixas das prendas natalícias iam-se acumulando e… nada, até aos 35 anos pode dizer-se que era abstémio.

Foi com a viragem do século e o surgimento das grandes marcas que hoje povoam o nosso imaginário que António começou a beber e a gostar. Nasceu então o gosto do coleccionismo, a vontade de ter todas as edições dos grandes vinhos, do Barca Velha ao Vale Meão, do Vinha Maria Teresa ao Chryseia. O gosto pelas colecções e a cave foram aumentando, bem mais do que o consumo aconselhava. Mas esse tempo já passou e hoje já não é por aí que António quer seguir; parou de comprar em quantidades, embora mantenha o gosto de ter as colecções completas. A disponibilidade de espaço que tinha ajudou ao vício e as caixas de vinho multiplicam-se em todos os cantos da casa.

E agora? Que fazer?
António não nasceu para negociante de vinhos e por isso não compra com o intuito de vender. Mas não esconde o desejo de um dia poder abrir com os filhos um wine bar em Angra onde possa escoar muito do vinho que tem em cave, que estima poder rondar as 9.000 garrafas. Mas como isso é ideia associada à reforma, o assunto vai ter de esperar mais uns anos. O vinho, esse, pelo que vimos, vai aguentar bem a prova do tempo porque está quase todo guardado em ambiente frio e o próprio clima ameno da ilha ajuda a que a evolução seja lenta mesmo para as caixas que não estão na cave fria. Foi aqui que andámos, por sugestão do próprio, a juntar um conjunto de vinhos para a prova que decorreu no mês de Agosto em sua casa. Todos de férias, tempo agradável e clima a pedir a reunião de amigos para a prova.

Sabia que…
Se não tiver boas condições de guarda, não vale a pena armazenar os seus vinhos durante muito tempo

António começou por apreciar sobretudo tintos, mas considera-se agora cada vez mais brancófilo e é com orgulho que diz que foi grande contribuinte pelo gosto do Vinho do Porto que agora existe por aquelas paragens insulares. Ele próprio não perde uma grande prova aqui em Lisboa, tirando partido das muitas viagens que por razões profissionais tem de fazer ao continente. O gosto também foi mudando e agora é o equilíbrio que mais o seduz num vinho; ganhou, entretanto, o apreço pelos vinhos velhos e alguns deles foram também provados nesta ocasião. Quanto aos vinhos pelos quais tem mais carinho e que considera mais valiosos não hesita em referir a colecção completa dos Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa (também em jeito de homenagem à sua mulher, Teresa). Nos vinhos do Porto ficaram-lhe dois na memória: o Constantino Colheita 1910 e o Ramos Pinto 1924. Madeiras? Aqui António não hesita: o Blandy’s Bual 1920. De caras! Responde de imediato.

E quanto aos néctares da Terceira não tem dúvidas: a vinda de Anselmo Mendes para os Biscoitos orientar a produção é uma oportunidade para que os vinhos ganhem outra dimensão.

Uma prova e tanto
De Lisboa fomos três: Luís Lopes, Nuno Oliveira Garcia e eu próprio. Da lista inicial proposta acabámos por seleccionar alguns que mais raramente temos provado no âmbito das nossas provas temáticas. Não fomos felizardos com alguns vinhos por apresentarem problemas de rolha, uma percentagem muito mais elevada do que o habitual, atribuível, creio, a um mero acaso. Ainda assim, foram 36 vinhos que se mostraram bem, ainda que em patamares de qualidade muito diversa. Dos anos 70 sobrou apenas um Colares Viúva Gomes 1974, mas já muito débil. Outros que tinham sido re-rolhados estavam cheios de problemas de gosto a rolha (TCA). Nos anos 80 tivemos um pouco mais de sorte com um Quinta do Carmo Garrafeira 87 em grande, grande forma, um Aliança Garrafeira 1985 ainda vivo e um Reserva 85 João de Santarém da Adega Cooperativa de Torres Vedras, magro e muito débil, uma mera curiosidade. Bem melhor a prestação dos anos 90 com três vinhos do Douro com classificação idêntica (16): Torna Grande 1999, Cabeça de Burro 1997 e Lello Garrafeira 1995; com 16,5 o Cartuxa 1998. Ainda desta década, mas em patamar bem mais acima, o Duas Quintas Reserva 1991, Tapada do Chaves 1992, D’Avillez Garrafeira 1998 e Fojo 1996 (todos com 17,5); excepcionais o Crasto Reserva 1999 e o Ferreirinha Reserva Especial 1997 (com 18 pontos).

Da primeira década deste século chegaram à prova muitos e bons vinhos. Destacamos dois pela excepcional prova que deram, o VT 2004 e o Batuta 2001 (ambos 18,5). Depois seguiu-se daí para baixo um conjunto alargado de vinhos: Anselmo Mendes Alvarinho branco 2007, Filipa Pato Cercial branco 2005, Quinta de Pancas Premium 2000, Quinta da Leda 2000, ME e JBC Selections 2001 (todos com 17,5); Esmero 2003, Muros Antigos Alvarinho branco 2007, Conde Vimioso Reserva 2000 (com 17); PL/LR branco 2008, Esporão branco 2006, Esporão Alicante Bouschet 2002, Quinta do Zambujeiro 2002 e Campo Ardosa RRR 2000 mereceram 16,5. E com 16, os Redoma branco 2006, Quinta dos Carvalhais Encruzado 2007, Campolargo 2002 e Quanta Terra 2001.

Para terminar, e em jeito de alerta para quem tem vinhos mais antigos em casa, refiro que nos deparámos com 10 vinhos contaminados por problemas de rolha e mais 4 já passados ou com defeito de prova grave. Em resumo, guardar vinhos tem muitas vezes a sua recompensa, e um branco ou tinto velhos podem originar momentos de excepção. Mas é preciso estar atento.

Um coleccionador recomenda
Nos anos que leva de coleccionador de vinhos, António Maio percebeu que há erros que se podem pagar caro e por isso deixa aqui algumas recomendações. Em primeiro lugar qualquer coleccionador nos Açores tem de estar preparado para a eventualidade dos tremores de terra. Assim, se os vinhos estiverem em prateleiras e já fora das caixas originais, é bom ter uma rede metálica à frente da prateleira que evite que as garrafas caiam para o chão quando a terra tremer. Em segundo lugar a temperatura da cave: se não tem possibilidade de ter uma cave fria não guarde vinhos por muitos anos; procure ter de vários segmentos — vinhos do quotidiano, de gama média e alta, sempre num equilíbrio entre a compra e o consumo. Ter em atenção onde se compram os vinhos, para termos a certeza que não há fraudes (elas são mais frequentes do que imaginamos nas grandes marcas). Por fim, o complemento de uma boa colecção são os bons acessórios: decantadores, bons copos e boa companhia. E para que não se deite tudo a perder, muito cuidado com a temperatura de serviço.

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