[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]A mais antiga empresa de vinho do Porto em actividade é a Kopke, que foi fundada em 1638. Leram bem, 1638. Foi no século XVII, bem antes de a região ser demarcada, são quase 400 anos. Integrada no grupo Sogevinus, que vem há algum tempo ajustando o posicionamento das suas marcas, a Kopke afirma-se agora como uma pedra de toque na estratégia do grupo para chegar aos lugares cimeiros dos vinhos não fortificados do Douro.
Texto: Luís Antunes
Crédito nas fotos: Sogevinus
Vejamos em primeiro lugar o significado profundo da data 1638. A região do Douro só seria demarcada em 1756, mais de 100 anos depois. Os grandes vinhos de Bordeaux, que têm o seu epítome nos Premiers Crus do Médoc, só tiveram essa classificação em 1855, 200 anos mais tarde. Aliás, é conhecida a história do Barão Philippe de Rothschild, proprietário do Château Mouton-Rotschild, que após uma classificação original de Deuxième Cru, conseguiu em 1973 ser promovido a Premier. Quando perguntaram ao Barão sobre as razões deste sucesso único (até hoje), ele respondeu: “o que custa são os primeiros 100 anos.”
Ora, e os primeiros 400? Faltam apenas duas décadas para lá chegar, mas fazendo um fast-forward sobre os primeiros 350 anos, chegamos ao Douro moderno. O grupo Sogevinus define-se por volta da viragem do milénio em torno das suas marcas: Kopke, Barros, Cálem e Burmester. Marcas históricas no Vinho do Porto, marcas onde se dão os primeiros passos nos vinhos de mesa Douro DOC. Após um enredo de bancos, fusões, intervenções etc., a propriedade é hoje do banco espanhol Abanca, parte do grupo Banesco, do venezuelano de origem espanhola Juan Carlos Escotet. A direcção-geral está desde Abril de 2018 entregue a Sérgio Marly Caminal, espanhol com importante trajecto profissional na área das bebidas. Os investimentos dos últimos 20 anos mostram o fascínio que o Vinho do Porto exerce, o respeito que inspira, e a aposta no futuro que a liderança do grupo afirma. O grupo, que é líder de mercado em Portugal em volume e em valor, exporta mais de metade da sua produção anual de cerca de 8 milhões de garrafas (7 milhões são de Porto). A aposta incluiu investimentos significativos no sector do turismo, com as caves de Gaia a serem renovadas, e a compra ou modernização das suas quintas no vale do Douro. A área total de vinha própria é hoje de cerca de 250 hectares.
Todo este processo foi pacato e seguro, mas subitamente foram feitas jogadas decisivas que afirmam um reposicionamento mais ambicioso. Entre elas, a compra da Quinta da Boavista ao grupo Lima-Smith. Uma quinta histórica do Douro, que chegou a pertencer ao Barão de Forrester, e de onde saem hoje vinhos tintos de classe mundial. A consultoria do enólogo francês Jean-Claude Berrouet vai manter-se, em colaboração com a equipa de enologia DOC Douro da Sogevinus, liderada por Ricardo Macedo.
Esta equipa de enologia trabalha em estreita colaboração com a de viticultura, sob a responsabilidade de Márcio Nóbrega. Juntos, exploram a potencialidade das castas e dos locais onde elas mais brilham. A experimentação em pequenas vinificações deu origem a uma série de vinhos a que chamaram Winemaker’s Collection. Este ensaio de descoberta dos terroirs de origem dos vinhos vai assim sendo conhecido e divulgado, aproveitando as experiências mais bem sucedidas para incorporar o portefólio dos vinhos do grupo.
Winemaker’s Collection, confinamento e desconfinamento
Estávamos em pleno período de Covid-confinamento quando à equipa de comunicação e marketing, chefiadas respectivamente por Ana Pereira e Gabriela Coutinho, foi pedido um feito quase hercúleo: construir um evento digital de lançamento do Winemaker’s Collection Douro Tinto Cão rosé 2018. Quase 80 provadores receberam em suas casas o vinho, e entraram simultaneamente em linha para provarem e partilharem as suas impressões. Um pesadelo logístico, um sucesso de organização. Mas as saudades não se matam assim, por isso para o vinho seguinte, da Collection, o plano era de começar nas vinhas.
Máscaras e autocarros, mesas separadas, copos em profusão, críticos de vinhos transportados até São João de Lobrigos, para no anfiteatro voltado a Nascente da Quinta do Bairro se provarem já amostras de cuba dos vinhos de 2020. Esta quinta foi comprada em 2011, e 90% do encepamento era tinto. Os brancos da região eram já conhecidos, pela compra de uvas a agricultores nesta zona do Baixo Corgo, perto de Santa Marta de Penaguião, onde a altitude ajuda à frescura das noites. Aliás, o primeiro Winemaker’s Collection foi de Arinto e Rabigato comprado aqui. Assim, como a qualidade dos tintos não era a desejada e a promessa dos brancos iluminava a ilusão, mudou-se quase todo o encepamento para brancos. Foram usadas várias técnicas, como a re-enxertia de cepas velhas de Touriga Franca, que passados 3 anos forneciam um excelente Viosinho. Nos 300m de altitude plantaram Rabigato e Gouveio. Plantaram ainda Arinto, Esgana Cão (Sercial), Folgazão (Terrantez) e Códega do Larinho. Dos 25 hectares ficaram apenas em tinto 2ha de Sousão.
Provados os novos vinhos, com a fermentação acabada de terminar e o aspecto leitoso de vinhos novos ainda por filtrar, o Rabigato mostrou citrino maduro, minerais como giz, flores secas. Gordo na boca, muito volumoso, com notas amargas discretas, muita acidez, final muito longo e com carácter. Já o Gouveio estava um pouco mais reservado, com notas vegetais e flores secas, citrinos como toranja, pêssego. Na boca, equilibrado, com corpo médio, ligeiros amargos, acidez viva, alguma rugosidade no final de bom comprimento. Estes são vinhos que vão alimentar as marcas do grupo, sem destino ainda escolhido. A ideia principal é ter mais uvas próprias, para não depender tanto de uvas compradas.
Em princípio, cada quinta está ligada a uma marca do grupo. A Boavista permanecerá um projecto separado com identidade própria, a Quinta do Arnozelo (Douro Superior) fornece a Burmester, a Quinta de S. Luiz fornece a Kopke. A Quinta do Bairro servirá de apoio.
Mudanças em S. Luiz
Máscaras e autocarros, vamos para a Quinta de S. Luiz, perto de Adorigo. Esta quinta pertencia à Kopke quando esta companhia foi comprada pela Barros. São 125 hectares, que resultaram de agrupar cinco quintas. 93 hectares são de vinha. É evidente a remodelação recente que se focou no acolhimento de visitantes. Mas na adega também há várias novidades. A recepção de uvas foi melhorada, e inclui agora uma câmara de frio onde as uvas são arrefecidas antes de serem processadas, um método que incrementa a intensidade aromática dos mostos. Um desengaçador suave não esmaga o engaço, para eliminar sabores vegetais desagradáveis. Depois, uma selectora óptica elimina as uvas indesejáveis bago a bago: rejeita folhas, engaço, uvas de cor desadequada, passas, etc. Para isso usa uma fotografia como exemplo das uvas a eliminar. A equipa de enologia faz vinificações cada vez mais pequenas, para perceber melhor o potencial de cada casta em cada talhão de vinha. Entre as várias soluções de vinificação, desenvolveram uma cuba de aço inoxidável em forma de diamante, como um duplo cone. Este formato tem várias vantagens, por exemplo ao fazer a delestage há uma prensagem natural, o que aumenta a extracção de uma forma cremosa e suave. O formato favorece que a maior parte das massas esteja mergulhada no líquido. Permite ainda remontagens muito curtas, pela primeira vez conseguiram fazer apenas 30 segundos. Outra solução é a fermentação em cascos de madeira, que têm um sistema rotativo, permitindo “removimentos” sem bombas, sem mosquitos, uma pequena quantidade que se pode manusear com rapidez.
Passeamos pela adega, sempre com todas as precauções anti-contágio, e provamos os vinhos de 2020. O branco de Folgazão mostra pêssego e flores, num tom mineral muito equilibrado. Rico e complexo na boca, com corpo e carácter, muito ligeiros amargos abaunilhados, final longo e excitante. O tinto de vinhas velhas da Quinta de S. Luiz está a começar a fermentação maloláctica e mostra-se denso e complexo, já muito feito. Cremoso, tem muito equilíbrio e comprimento. A Tinta Roriz da Quinta do Arnozelo revela tanino firme, corpo médio, acidez boa. Outra vinha velha de S. Luiz, a Vinha da Rumilá exibe fruta negra densa, grafite, está ainda muito cru. Cremoso na boca, suave e denso, boa acidez, muita profundidade, promete bastante.
Agora à mesa
Foi já na longa mesa de almoço que chegámos então à razão principal desta viagem. O novo Kopke Winemaker’s Collection é um branco de 2016. Ora, lançar um branco de 2016 em 2020 é já algo especial, e tinha de ser grande a confiança da equipa de enologia no vinho a apresentar. Tinha de ser, era, e com boas razões para isso. São apenas 2202 garrafas deste vinho de 70% de Folgazão e 30% de Rabigato, uvas compradas a viticultores junto à Quinta do Bairro. O vinho fermentou em cuba de aço inoxidável, e estagiou depois durante 4 anos em barricas usadas de carvalho francês. É espantosa a juventude deste vinho, a sua riqueza aromática e ao mesmo tempo a sua contenção e equilíbrio. Ao ser lançado com esta idade, o vinho mostra que tem um carácter que aguenta a passagem do tempo. Aliás, já aguentou, ganhando em complexidade e crescendo no prazer que proporciona a quem o beber. Mostra ainda que será uma pena não guardar algumas garrafas para acompanhar a sua evolução daqui a mais alguns anos. Os brancos velhos de grande nobreza são raros, mas oferecem aos provadores um requinte que os vinhos novos dificilmente atingem.
Com a refeição cozinhada pelo duriense Rui Paula (em grande forma e a mostrar talento e confiança), provou-se ainda um Kopke Vinhas Velhas tinto de 2016, um vinho de vinhas da Quinta de S. Luiz anteriores a 1932, com belíssima concentração e profundidade, um enorme prazer à mesa. São apenas 2362 garrafas, que vale a pena procurar.
Finalmente, com a requintada sobremesa baseada em chocolate, vieram dois Vinhos do Porto extraordinários. Um Kopke Branco 40 anos, uma categoria relativamente nova que pouco a pouco tem trazido o Porto branco para a ribalta, e um Colheita de 1981, portanto um vinho com quase 40 anos, que desta vez obliterou o 40 anos branco. Extraordinário em todos os sentidos, um vinho de enorme prazer e sedução, um monumento ao Vinho do Porto e à sua história, um vinho de volúpia, cheio de requinte e bom-gosto. O preço macio faz deste um Porto obrigatório para os devotados aos tawny de luxo.
Reflectindo e sumariando. A Kopke honra os seus antigos pergaminhos e é neste momento uma decidida aposta do grupo Sogevinus, que catapultou esta marca e os seus vinhos para a linha da frente, subindo a parada em todos os capítulos onde opera. Douro de todas as cores, Porto de qualidade excelsa, esta é uma marca que sendo velha traz de novo uma ambição que depois corresponde no copo e à mesa. Tenho de dizer parabéns, Kopke é hoje um nome a ter em conta, um trunfo bem jogado.
(Artigo publicado na edição de Novembro 2020)
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