Lua Cheia: Bronze que vale ouro

Fomos encontrar o centro de vinificação da Lua Cheia-Saven, em Alijó, em plena azáfama de vindimas. Esta, que é uma das duas adegas da empresa (a outra situa-se em Monção, na região dos Vinhos Verdes), está capacitada para vinificar mais de 2,5 milhões de litros. A sua localização é das mais privilegiadas para obter os resultados desejados atualmente, a frescura e a marca da região duriense. No topo do Planalto de Alijó, situando-se próxima dos 800 metros de altitude e beneficiando de noites muito frias e dias de brisas constantes, alcançam-se vinificações mais lentas, aportando aos vinhos maior personalidade e uma mais fidedigna interpretação do Vale Mendiz, ali próximo.

É nestas cotas mais altas do Douro que nascem, além dos mais exclusivos Quinta do Bronze, os Andreza das gamas “Altitude”, vinhos de expressão mais fresca, elaborados com uvas próprias e provenientes de viticultores que trabalham com a Lua Cheia há vários anos, garantindo, à empresa, a qualidade da matéria-prima para criar os vinhos que espelham o caráter do Planalto.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios.

 

Nos altos de Vale Mendiz
Podíamos começar pelo início da Sociedade Abastecedora de Navios Aveirense (Saven) e de como o dinamismo do seu fundador, o já desaparecido Manuel Dias, criou um império de distribuição de bens alimentares e vinhos, hoje liderado por sua filha Lara Dias, onde se enquadra a Lua Cheia-Saven, nascida de um desafio ao enólogo bairradino Francisco Baptista em 2009. Porém, importa-nos traçar desta feita o retrato da Quinta do Bronze, a propriedade com 14 hectares e vista sobranceira para o mágico Vale Mendiz, com uma vizinhança ilustre nas cercanias.

Com uma história cuja origem remonta a 1823, a propriedade foi adquirida em 2012 ao dono de uma farmácia de Favaios. Durante várias gerações, a Quinta estave quase inteiramente dedicada à produção de uva para vinho do Porto, caracterizando-se pela heterogeneidade de altitudes, exposição e composição de solos. A dimensão inicial era menor, tendo sido adquiridas diversas parcelas contíguas até atingir a dimensão atual. Do fundo da estrada que vai de Alijó ao Pinhão, até ao topo das íngremes vinhas, sobe-se dos 200 até uma cota de 550 metros de altitude. Com forma de um semicírculo, os vinhedos beneficiam de diversas exposições (a Norte, Poente e Sul) que, por sua vez, trazem diversos estados de maturação, permitindo trabalhar as uvas de distintas formas na sua vinificação. Os solos encontram-se numa zona de transição dos xistos para os granitos. Solos muito pobres, que estimulam a capacidade de resiliência das videiras a produções rigorosas.

Os primeiros anos após a aquisição foram de estudo de cada uma das diferentes parcelas da vinha. A pretensão era criar foco no vinho de mesa, identificando as uvas com maior potencial e apetência para tal, reservando a parte sobrante para vinho do Porto. O encepamento ali existente, e as plantações de novas parcelas que foram sendo adquiridas, entretanto, pouco foi alterado. Era o tradicional para elaboração de vinhos do Porto: Touriga Nacional, Touriga Francesa, Sousão e Tinta Roriz. O Tinto Cão surge mais tardiamente, numa perspetiva de dispor de castas mais frescas, entre outras plantadas, sobretudo as mais resistentes à baixa pluviosidade e mudanças climatéricas. Atualmente, é a base consensual para a elaboração do Andreza Altitude Rosé, exclusivamente com esta casta, para marcar o modo como são feitos bons rosados durienses. É um vinho que tem conquistado a preferência dos consumidores,

 

A Vinha do Plagão
A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de um hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo, nome que, durante séculos, os agricultores do Dão davam à Touriga Nacional. É nesta vinha, cuja interpretação e conhecimento têm tomado mais tempo ao responsável de enologia, Francisco Baptista, que nasce o vinho de parcela Quinta do Bronze Vinha do Plagão 2016. As imensas incertezas sobre aquele clone antigo da, hoje, conhecida e reconhecida, Touriga Nacional, tornaram a obtenção de um vinho que cumprisse os parâmetros de qualidade exigidos tarefa mais complexa, pois as características naturais do próprio Tourigo, e a sua raridade no encepamento duriense, não facilitaram em nada a tarefa.

Desde a aquisição da propriedade em 2012, apenas em 2016 se conseguiu alcançar a desejada excelência. Francisco Baptista reconhece-lhe a irregularidade, não se conseguindo ali obter colheitas de qualidade a toda a prova ano após ano. Em 2017, não foi possível engarrafar a colheita e, se o estágio evoluir favoravelmente, o próximo lançamento será da vindima de 2018.
Relevante para os objetivos da empresa é, no que toca àquela parcela em particular, respeitar as suas características e identidade, com a perfeita consciência de que só nos anos excecionais dali serão engarrafados os Vinha do Plagão. Manuel Dias, cedo reconheceu a singularidade daquela vinha, dando carta branca ao enólogo para dali fazer os futuros vinhos ícone da Lua Cheia, demorasse o tempo que demorasse. A experienciação teve de nascer de vinificações separadas, de modo a perceber as características diferenciadoras do clone presente nestas vinhas.

A maior curiosidade desta Quinta é uma parcela de 1 hectare de vinha com quase 50 anos – a Vinha do Plagão – onde se encontra o Tourigão, ou Tourigo

 

O Tourigo antigo
O Tourigo aparece profusamente referido por António Augusto de Aguiar em 1867, identificando-o e relevando-lhe a presença massiva no encepamento da região do Dão. Daí os beirões reivindicarem para si o berço da, hoje, renomada Touriga Nacional. As suas virtudes enológicas eram já valorizadas no período pré-filoxérico, designadamente a cor profunda dos seus vinhos e o aroma singular que assumia. Contra si tinha a muito pouca produtividade e tendência ao desavinho. Cardoso Vilhena, no Centro de Estudos do Dão, em Nelas, decifrou-lhe algumas fragilidades, explorando as suas potencialidades, ganhando a casta novo fôlego. Certo é que, nas vinhas da Quinta do Bronze, o Tourigo surge ainda numa versão primordial, de cacho de bago pequeno e com uma produtividade que não ultrapassa os 2500 quilos por hectare. Razão para ter sido, pouco a pouco, abandonada pelos agricultores durienses.

Ignorando a parte da rentabilidade, Francisco Baptista, preferiu olhar para esta parcela de um modo diferenciado, procurando sobretudo a mais legítima expressão do território e das características tão especiais daquela casta, que entra em larga maioria no Vinha do Plagão, surgindo também o Sousão em proporções residuais, numa perspetiva de conferir maior firmeza e tensão ao vinho. Certo é que o resultado é uma absoluta surpresa, pelo modo como evoluiu oito anos após a colheita e pelo potencial de longevidade que mostra, antevendo-lhe o enólogo décadas de resistência sem perda de vigor e frescura. Haja essa coragem de resistir à tentação de os colocar nas prateleiras antes do seu tempo ideal.

Do mesmo modo, procura, nas restantes parcelas daqueles 14 hectares, sublimar a altitude, buscando menor concentração, menor teor alcoólico, acidez mais veemente e uma complexidade que diferencie os vinhos da Quinta do Bronze, tornando-os a joia da coroa de todo o universo Saven.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)

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