O nome Nicolau de Almeida carrega uma grande história, como sabemos. A associação com o criador do Barca Velha é óbvia, mas o nome é bem mais antigo e remonta ao séc. XIX, quando havia uma empresa de Vinho do Porto, criada em 1870 e inscrita como exportadora em 1907, com o nome de A. Nicolau de Almeida e Co.. A empresa foi posteriormente vendida à Real Companhia Velha e oficialmente extinta em 1973.
Na sede actual da empresa familiar que João criou com os filhos – Mafalda, Mateus e João -, em Gaia, estão expostos alguns rótulos dessa empresa de Porto, imagens deliciosas de uma estética que fez época no sector e teve, nos materiais de promoção da Ramos Pinto, um excelente exemplo.
Peso da história
Mas a família não carrega só o peso da história. Também carrega o peso das jóias, só que estas não estavam em exposição nas instalações que visitámos. Expliquemo-nos.
Duas famílias de vinho cruzaram-se quando Maria José Ramos Pinto Rosas casou com Fernando Moreira Pais Nicolau de Almeida, pais de João Nicolau de Almeida. O ramo Rosas vinha de uma tradição de ourives e sobressai o nome de José Rosas (pai de Maria José, avô de João) que, após estudos em Londres, regressou a Portugal em 1903 e interessou-se pela tradição da filigrana portuguesa aplicadas em esmaltes. Foi-lhe confiada a recuperação das jóias da Coroa em 1942. Em 1919 comprou e recuperou a Casa de Ronfe, em Lousada, onde nasceu o Verde que hoje provámos. A quinta de Ronfe está no ramo Rosas, primos, mas são os Nicolau de Almeida que fazem e comercializam o vinho.
Estamos então perante uma família desprendida, pouco apegada às pedras preciosas, mais preocupada com as preciosidades que da quinta do Monte Xisto, em Foz Côa, poderiam fazer nascer. O projecto começou do zero. A quinta era “virgem”, sem vinha e sem prévia utilização. Ali se decidiu plantar vinha e o projecto começou, e bem, tacteando, com quantidades moderadas que era preciso mostrar e o crescimento só foi ditado pela aceitação da marca no mercado. Deveria ser sempre assim, mas sabemos todos que há quem tenha outra visão, chamar-lhe-íamos a “mania das grandezas”, e se abalance num voo sem rede que, por norma, acaba mal. Aqui começaram com 3000 garrafas de Monte Xisto, depois subiram para as 5000 e estabilizaram a produção, dependendo da colheita, entre as 8 e 10 000 garrafas. No plantio não se procurou fazer diferente, antes mostrar que, também aqui, algumas castas clássicas poderiam dar bons resultados, como a Touriga Nacional e a Touriga Francesa, acrescidas de Sousão. A espinha dorsal do vinho assenta, desde o início na Touriga Nacional, sempre com uma percentagem entre os 50 e 60% do lote.
Qualidade consistente
O facto de a vinha estar no Douro Superior tem vantagens. Desde logo o ambiente seco é inibidor das doenças da vinhas, como oídio e também o míldio, e o clima tende a gerar uvas de qualidade praticamente todos os anos. Cicadela sempre houve, e vão-na tratando preventivamente com infusões e, para já, estão a ter bons resultados. É, assim, em virtude das condições climáticas, que a marca não teve qualquer interrupção desde que nasceu, em 2011. A prova mostrou que há, de facto, uma constância de qualidade, o perfil tende a ser muito semelhante, ainda que se possa notar aqui dois momentos importantes. Por um lado, a primeira colheita (2011) revelou um estilo mais evoluído, com os licorados a começarem a marcar terreno. Nada que impeça uma boa prova agora, mas a dizer-nos que a guarda prolongada em cave pode ser desaconselhada. Por outro, a mudança do estágio, das barricas para os foudres, marca claramente uma pequena nuance no estilo, com a madeira a perceber-se mais bem integrada no vinho desde que os depósitos maiores começaram a ser usados, a partir da colheita de 2019. O vinho ganhou um ar mais sério e misterioso, mas com um perfeito equilíbrio na boca.
Mais recentemente plantaram cepas de branco, com a aposta na Rabigato, de há muito uma casta apadrinhada por Mateus desde os tempos em que esteve ligado ao projecto Xistos Altos. As uvas destinam-se ao futuro Órbita branco. Plantaram também mais Tinta Francisca e Tinto Cão para a marca Oriente. A Tinto Cão era muito acarinhada pelo pai João quando, ainda na Ramos Pinto, se aventurou a fazer um Douro tinto apenas com a Tinto Cão, corria o ano de 1981. Nunca foi comercializado mas, como se vê, o “bichinho” ficou lá.
Grande harmonia
A grande conclusão da vertical que fizemos não deixa dúvidas: enorme consistência de estilo e qualidade, um modelo encontrado que agora urge preservar. Diria que, à parte o 2011, todos os vinhos estão a dar excelente prova, com uma grande harmonia de aromas e sabores. Um prazer que não depende da idade.
Aproveitámos o momento para provar um Verde que tem origem numa quinta do ramo Rosas da família, em Lousada, e que tem como objectivo chegar um dia às 20.000 garrafas. Tem a originalidade de ser um varietal de Trajadura, casta pouco vista a solo, mas João sempre lhe apreciou o equilíbrio e a acidez mais moderada, até porque, como nos disse, “nunca gostei daquela acidez cortante dos Vinhos Verdes”. Por isso este branco faz maloláctica, uma prática muito pouco habitual na região. O rótulo reproduz o de 1935, em exposição nas instalações de Gaia.
Para completar a prova, ainda tivemos direito a um Porto branco seco que a empresa produz, com baixa graduação. Estava bem mais interessante do que da primeira vez que o tínhamos provado.
Um projecto de família, com os pés assentes no Douro e sala de visitas em Gaia porque, como se sabe, produzir bem é preciso, mas ainda mais necessário é vender e tornar a qualidade percebida pelo consumidor. Parece simples, mas é bem complicado.
(Artigo publicado na edição de Dezembro de 2024)