O grupo do Tágide pegou num clássico de Lisboa e transformou-o num restaurante luminoso, com comida de chef para partilhar.
TEXTO Ricardo Dias Felner
FOTOS Ricardo Palma Veiga
Era um dos restaurantes icónicos da cidade, sobretudo nos anos 80, com empregados à antiga e comida à antiga, mas há algum tempo que definhava. Nos últimos anos, já só alguns clientes com ligações emocionais à casa ou outros que procuravam a discrição imposta pelas suas janelas tapadas continuavam a lá ir em busca do bife à Saraiva’s ou dos clássicos ovos à professor.
Os proprietários do Tágide perceberam nesta circunstância uma oportunidade de alargar o seu portefólio de restaurantes, tendo eles próprios já uma afinidade com a cozinha clássica, de influência francesa e lisboeta, que era praticada pelo Saraiva’s nos anos 80. “Eu gosto dessa ideia de recuperar alguns clássicos. Estamos a trabalhar, precisamente, no sentido de os voltar a pôr na mesa, juntamente com o [gastrónomo] Vírgilio Gomes, que fez pesquisa nessa área”, diz Gonçalo Costa, o chef ao leme do Tágide, que é também responsável pela cozinha do Saraiva’s.
As diferenças são notórias mal se transpõe a porta. O antigo bar escuro, logo à entrada, a lembrar uma boîte, tornou-se mais leve e luminoso. Só o painel de cerâmica que era a peça central ainda se mantém. De resto, os veludos, os bancos em azul petróleo e as alcatifas desapareceram, dando lugar a madeiras claras e a motivos tropicais.
O chef Gonçalo Costa (fotografia) passou pelo Eleven e pelo Ritz Four Seasons de Lisboa, antes de partir para São Paulo, no Brasil. De regresso a Portugal, entrou directamente para o Tágide, o restaurante bandeira do grupo, que também conta com o Tágide Wine & Tapas Bar, um espaço no Largo das Belas Artes, ao Chiado.
Ribatejano, Gonçalo Costa quer que o Saraiva’s tenha um pouco de todas as suas experiências. O Brasil está, por exemplo, no camarão salteado com couve kale crocante, abacaxi e côco (6,80€). A cozinha afrancesada de Lisboa, tão típica dos anos 70 e 80, aparece por sua vez numa versão dos crepes Suzette (6,50€) ou na sopa de cebola com queijo chèvre (3,50€), aqui feita comme il faut. “Usei cebola nova assada no forno, natas, manteiga e caldo de frango. Não fazemos nada com água”, explica, rindo-se. Quanto a outro clássico, os ovos à professor, o chef preferiu, para já, não os incluir na carta — por chateá-lo repetir uma receita que um colega, José Avillez, já está a fazer, no caso no Cantinho do Avillez.
Suzana Barros, proprietária do Tágide, lembra contudo que o prato é original do Saraiva’s. O restaurante hoje na posse de José Avillez era do mesmo dono do Saraiva’s, mas a história destes ovos terá acontecido ali. O professor era Cid dos Santos, da Faculdade de Medicina de Lisboa, cliente habitual da casa. Um dia este cirurgião quis demonstrar as suas habilidades culinárias e preparou, na cozinha do restaurante, uns ovos com pão frito e presunto. O prato foi um sucesso e acabou por ficar na carta.
Em vez dos ovos à professor, Gonçalo Costa propõe uns ovos rotos (5€), de tradição ribatejana — “como os que a minha mãe fazia” —, com uma tomatada e ovo estrelado. No menu, há ainda outras criações mais modernas, como uma óptima pasta de alho francês, incluída no couvert de flat bread e focaccia (1,80€), um tataki de atum (6,50€) ou o T-bone grelhado em carvão cubano (28€).
Alguns clientes habituais voltaram para experimentar estes e outros pratos. A remodelação poderá não agradar a todos, mas uma coisa parece evidente: o Saraiva’s renasceu.
Edição nº15, Julho 2018