Os vintages de Jorge Borges

Edição nº11, Março 2018

Vinho do Porto

TEXTO João Paulo Martins
FOTOS Cortesia Wine & Soul

Começou na Niepoort a fazer vinhos do Porto. Quando saiu resolveu fazer o seu próprio vinho e criou a empresa Wine & Soul. Continuou também a ser o responsável técnico na Quinta do Passadouro. E por aí ficou. Hoje os seus Portos, ainda que em pequena quantidade, são vendidos a alto preço. Aqui nos deixou a sua visão do Douro, do futuro do licoroso e dos projectos da sua empresa familiar.

O final dos anos 90 conheceu uma grande renovação de rostos na enologia do Douro. Foi então que surgiram os novos enólogos que sucederam à geração de João Nicolau de Almeida e José Maria Soares Franco, entre vários outros. Jovens formados sobretudo em Vila Real, alguns com ligações ao Douro, outros que chegaram à enologia por gosto e interesse profissional. O panorama mudou e aos poucos começou-se a falar deste e daquele, dos encontros que faziam, dos vinhos que provavam, das tertúlias onde jorravam grandes vinhos do mundo, bebidos em belos copos. Era uma outra forma de estar na enologia que acabou por mudar a face da região.
Jorge Borges, com tradições familiares ligadas ao Douro e Vinho do Porto, estava nesse grupo e o seu nome começou por aparecer associado à Niepoort, para onde entrou em 1999. Por via dessa ligação tomou também contacto com a Quinta do Passadouro, situada no vale do rio Pinhão, um projecto que tinha como sócios Dirk Niepoort e um belga apaixonado pela região, Dieter Bohrmann. Jorge esteve assim desde o início da actividade profissional ligado à produção de Vinho do Porto, à técnica dos lagares e ao envelhecimento dos vinhos. Após a saída da Niepoort, Jorge agarrou a oportunidade de trabalhar na Quinta da Maritávora, onde ainda se mantém, mas por lá não se fazem vinhos do Porto. Após o falecimento do belga do Passadouro, Jorge Borges ficou responsável pelos vinhos, em associação com as herdeiras de Dieter.

Manoella e não só

Com a mulher, a também enóloga Sandra Tavares da Silva, Jorge criou a Wine & Soul, empresa produtora dos tintos Pintas e Pintas Character, do branco Guru e do Porto vintage também com o nome Pintas. Na Quinta da Manoella, que lhe chegou por herança, Jorge optou por aí produzir apenas vinhos DOC Douro e não Porto. Para o Porto, além da vinha de onde sai o vintage Pintas, foi adquirida uma pequena vinha ao lado da Quinta dos Malvedos e essas uvas são apenas usadas para fazer Vinho do Porto. Estão assim claramente definidas as vinhas que dão uvas para Porto e as que originam DOC Douro. E nunca há misturas. Também a empresa da Quinta do Passadouro adquiriu uma vinha no vale do Roncão, chamada Síbio e que fica ao lado da quinta do mesmo nome, propriedade da Real Companhia Velha.
Jorge gosta de se manter fiel a algumas tradições – como a pisa em lagar – mas defende a nova maneira de se fazer Porto: “Antigamente o Vinho do Porto fazia-se para ser consumido 20 anos depois; dizia-se que o melhor vintage era o que não cheirava a nada em novo, o mais fechado possível, onde só a concentração contava; hoje preocupamo-nos mais com o equilíbrio do vinho mesmo em novo e não me parece que se esteja a hipotecar o futuro. Alguns desses vinhos feitos à maneira antiga estão hoje muito fracos e nada nos diz que o método era bom. Antes era tudo força, força, força, uvas muito maduras, muita cor e tanino e não se pensava no equilíbrio do vinho. Acho que hoje estamos a trabalhar correctamente e dos anos 90 para trás não são tantos assim os vinhos que merecem referência.”
As diferenças em relação ao passado são notórias, com muito maior presença na vinha para seleccionar o que deve ou não ir para vintage, sempre à procura de um bom equilíbrio entre maturação e acidez e, claro, utilizando aguardente de grande qualidade, o que Jorge assume abertamente: “Hoje compramos aguardente caríssima para o Vinho do Porto, mas estamos muito satisfeitos porque a diferença é enorme.”
Neste negócio misto de DOC Douro e Porto há que separar bem as duas vertentes. Assim, na Quinta da Manoella está todo o stock de Vinho do Porto e, em virtude do crescimento deste, será a adega climatizada ainda este ano para ter melhor controlo da temperatura; os DOC Douro estão na adega Wine & Soul, em Vale Mendiz, entretanto aumentada em espaço. A opção do generoso está para já centrada em duas categorias, um vintage e um tawny 10 anos. Deste tawny estão a produzir 3000 garrafas/ano; para o futuro irão procurar fazer um 30 Anos e um Colheita, mas nenhum deles tem data de saída.
No caso do vintage Pintas (e como não produzem L.B.V.) sempre que não há declaração o vinho vai todo para envelhecer em tonéis; têm declarado quatro vezes por década e, segundo Jorge, “foi uma pena não se ter declarado o 2015” – “Acho-o belíssimo, fino e elegante, até mais do que o 2011. Nós declarámos e agora só iremos declarar (em princípio) o 17.” Na Quinta do Passadouro, sempre que não se declara vintage há um L.B.V. exactamente com o mesmo vinho, só que com mais dois anos de casco.
Na prova vertical que agora fizemos, os vinhos do Passadouro mostraram estar mais assentes na fruta, mais redondos e menos austeros mas com grande harmonia, muito autênticos e francos. Os vintage Pintas são de um recorte bem mais vegetal e mineral, mais tensos e balsâmicos e com uma consistência de estilo que apraz registar, resultado de terem origem sempre da mesma parcela de vinha velha, sentindo-se por isso menos variação de ano em ano. Isto sem prejuízo de os vinhos que resultam de anos extraordinários também se mostrarem melhor.

Futuro com Porto, mas…

Ao fazer um balanço sobre a produção, Jorge Borges entende que o futuro do Douro passa obrigatoriamente pelo Porto, complementado pelo DOC Douro, mas falta muito trabalho e muito diálogo. Não há associações de produtores, “e disso somos todos culpados, temos um IVDP que deveria ser bem mais activo e mais promotor de soluções e consensos”. Mas há também que redefinir melhor as categorias de Vinho do Porto: “Há categorias a mais e por vezes com fronteiras demasiado ténues, como é o caso dos Ruby Reserva e L.B.V.”
E há que valorizar mais as vinhas e as pequenas zonas do Douro. Sobre isto foi peremptório: o vale do rio Pinhão, por exemplo, tem especificidades que o diferenciam por exemplo do vale do rio Torto e isso deveria acrescentar valor ao vinho. “As grandes empresas que sempre defenderam o lote de vinhos de zonas diferentes estão agora a fazer vintages de parcelas e esses são os mais cotados em termos de preço. Por alguma razão será.”
A aposta nos vinhos do Porto vai continuar e será sempre muito forte. A Wine & Soul assume-se com pequeno produtor, mas, exactamente por isso, irá sempre apostar em vinhos de gama alta, muito cuidados no perfil e para consumidores exigentes. E Jorge, com um pé no Passadouro e outro na vinha do Pintas, não quer dar passos maiores do que a perna…

 

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