Até agora, a produção de vinho com baixo teor alcoólico implicava quase sempre a remoção de álcool já depois de o vinho estar feito. Conseguia-se assim, por exemplo, baixar um vinho de 13 graus para os 9, ou mesmo mais. Ora, é relativamente consensual na indústria que todos os sistemas conhecidos para remoção de álcool (podemos chamar-lhe desalcoolização) acabam por retirar outras coisas ao vinho, degradando a sua qualidade. Será talvez por isso que todos os casos conhecidos – ou quase – de vinhos ‘desalcoolizados’ são de baixo preço. Contudo, os números da indústria não mentem: existe um bom mercado desejoso de vinhos com menos álcool, mas é necessário que tenham boa qualidade (se tal for mesmo possível, diremos nós).
A solução poderá ter chegado através das investigações da cientista portuguesa Alda Sousa Rodrigues, a fazer o seu doutoramento na Universidade da Rioja, em Espanha. Integrada no Grupo de Investigação MicroWine do Instituto de Ciencias de la Vid y del Vino, Alda descobriu leveduras alternativas (às Saccharomyces cerevisiae) para conseguir realizar a fermentação em condições aeróbicas com redução do álcool presente no vinho. A notícia vem do site tecnovino.com, que informa que a investigadora “conseguiu encontrar a combinação do uso de leveduras seleccionadas, do arejamento do mosto nas primeiras etapas de fermentação e do controlo de factores ambientais (temperatura, a contribuição de azoto, etc.)”; com estas técnicas, a investigadora conseguiu reduzir em 3 ou 4 graus o álcool no vinho (em laboratório) e entre 1 e 2 graus em vinificações piloto). Ora, essa fermentação é realizada sem que diminuam as características sensoriais do vinho.
O estudo foi dirigido pelas investigadoras do grupo MicroWine, María Pilar Morales Calvo e Ramón González García. Este último disse à Tecnovino.com que o trabalho realizado por Alda Sousa Rodrigues é uma “etapa numa linha de investigação que tem a sua rota e vamos continuar a segui-la. Interessa-nos o problema do grau alcoólico porque é uma grande preocupação do sector nos últimos anos. Os departamentos de marketing dos produtores de vinho têm pedido aos técnicos que reduzam o grau, mas, por outro lado, que mantenham a qualidade aromática e o corpo dos vinhos, o que é incompatível sem conseguirmos que exista menos açúcar na uva ou que esse açúcar se transforme em menos álcool”. E continua o técnico:
“Que estamos nós a fazer? Estamos a trabalhar com as condições de fermentação e as leveduras que a realizam, tentando que tomem outras direcções metabólicas e em concreto apostámos pela respiração. Quando as leveduras respiram, fazem como nós e vão converter o açúcar em dióxido de carbono e água; ou seja, não produzem etanol. Todo o açúcar que consumam por esta outra via permitirá reduzir nessa mesma percentagem o álcool que vamos encontrar depois no vinho”.
O trabalho de Alda, especialista em técnicas de biologia computacional, focou ainda em outra componente importante: conseguiu também que as novas leveduras (geneticamente modificadas por ela) consigam reduzir significativamente a produção de ácido acético em presença de oxigénio, algo que seria um problema grave com as novas metodologias de fermentação.
Ramón González García disse que a tecnologia não está já pronta para amanhã, mas promete que na vindima de 2020 vão fazer ensaios em maiores escalas e “ir identificando os problemas que forem surgindo”. Toda a equipa está confiante que o processo vai ter pernas para andar. E se assim for, poderá ser uma pequena revolução no futuro próximo de algumas zonas de produção de vinho, ameaçado por ondas de calor que acabam por produzir uvas desequilibradas, com maior grau alcoólico, mas dando vinhos com menos cor e mais adstringentes, porque as maturações (alcoólica e fenólica) estão desfasadas. Até agora, em muitas zonas quentes, para terem maturações fenólicas completas, os viticultores tinham que deixar as maturações alcoólicas avançar até limites muito altos (15, 16 ou mais graus de álcool).
Pode ver aqui um vídeo (em espanhol), da própria Universidade da Rioja sobre este assunto.
(texto de António Falcão; foto cortesia da Universidade da Rioja)