Situada na pequena vila da Camacha, famosa pelas suas tradições e folclore, esta quinta do século XIX recebe o seu nome actual em 2019, a partir do licor de ervas Moscadinha, receita familiar com origem no lado Norte da Ilha. Nos tempos antigos, este licor era muito utilizado pelas gentes da terra, pois acreditava-se ter propriedades medicinais por ser feito com mel de cana, sacarina, infusão de várias plantas locais e especiarias em rum agrícola.
Cinco séculos de sidra
A história da Sidra da Madeira remonta há cinco séculos, com as primeiras maçãs a serem introduzidas pelos colonizadores no século XV. A partir de então, as maçãs, pêros e pêras começaram a ser cultivados na ilha para alimentar a população e abastecer a indústria conserveira da época e, no século seguinte, decorreu a expansão de pomares por diversos pontos geográficos da ilha. A sidra era conhecida como a “bebida dos pobres”, que se fazia para consumir em casa, já que a produção das uvas era destinada, na sua totalidade, para as empresas produtoras e exportadoras do afamado Vinho Madeira.
A Universidade da Madeira está a fazer a classificação e identificação rigorosa das variedades locais de maçãs/pêros, mas o saber empírico de quem trabalha o campo diariamente aponta para mais de 100 tipos diferentes, dos quais mais de 30 já fazem parte do catálogo nacional de variedades. As diferenças morfológicas e/ou químicas devem-se aos diferentes tipos de solo encontrados na ilha, conferindo às maçãs/pêros locais duas características excepcionais para a produção de sidra: a acidez (que confere estrutura e longevidade) e a doçura (que contribui para um teor alcoólico mais elevado).
Na Quinta da Moscadinha produz-se sidra de forma artesanal e diferenciada da maioria das que existem no mercado, através de um processo muito semelhante ao do vinho. Em vez da uva existem maçãs/pêros, mas existe a fermentação e o envelhecimento em barricas de vinho Madeira. Original, no mínimo, certo?!
A história da Sidra da Madeira começa há cinco séculos, quando as primeiras maçãs foram introduzidas pelos colonizadores no século XV.
Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil.
Vinho, só de uvas
No entanto a história das sidras em Portugal nem sempre foi tranquila. Fora de Portugal, a sidra é um vinho de maçã, ou um “vinho de pêros”, mas, no nosso País, o vinho só se pode fazer de uva. A razão remonta ao Estado Novo. Entre 1950 e 1960 foi proibido fazer sidra entre nós. É que alguns agricultores começaram a usar maçãs para juntar ao vinho e dar volume ou a deitar as vinhas abaixo para a plantação de pomares. Para proteger o sector do vinho e o próprio vinho em si, António Salazar promove uma lei que proíbe a produção de sidra e começa a pagar aos agricultores para abater as árvores e plantar novas vinhas. Por Decreto, a bem da Nação, “Vinho só se pode fazer a partir de uvas Vitis vinifera”.
E assim se inicia o período de expansão do vinhedo português e o declínio da sidra. No entanto, a sidra sobreviveu e, mais recentemente, em virtude das suas especificidades tão únicas, a Sidra da Madeira foi qualificada como IG (Indicação Geográfica) pela Comunidade Europeia. Em breve prevê-se a sua evolução para outros patamares. É, de resto, a primeira Sidra IG Nacional, com características muito diversas e próprias.
Tranquilas ou fortificadas, as sidras possuem uma variedade de cores que podem ir do amarelo pálido ao caramelo brilhante, com laivos laranja. Têm aromas de maçãs verdes a maduras, marmelo e até citrinos, e baixas concentrações de açúcar residual devido a fermentações quase completas, que realçam a sua acidez e as características mais ou menos taninosas e adstringentes das múltiplas variedades de maçãs e pêros que as podem compor.
Reconhecimento internacional
Nos últimos dois anos, a Moscadinha de Márcio Nóbrega passou de uma produção de duas mil garrafas para 35 mil, e foi reconhecida internacionalmente com 14 medalhas e, inclusivamente, premiada no Cider World Awards 2024, o maior concurso mundial de Sidras, que decorreu na Alemanha, entre 180 produtores de 17 países. E é por tudo isto, juntamente com a história secular desta bebida, que remonta às civilizações do Antigo Egipto e da Grécia Clássica, que a Sidra da Madeira é, certamente, uma das mais entusiasmantes (re)descobertas dos próximos anos! Parabéns, Márcio! Brindemos!
(Artigo publicado na edição de Maio de 2025)