Martim Guedes, Francisca Van Zeller, António Guedes e Cristiano Van Zeller
Edição nº12, Abril 2018
Douro
20 anos intensos
TEXTO Luís Lopes
São duas décadas de história de um dos nomes mais representativos do “novo Douro”. Com a integração na Aveleda, realizada há menos de um ano, a Quinta Vale D. Maria ganhou impulso para ir ainda mais longe nos seus ambiciosos objectivos.
Relembrar o passado, através de vinte colheitas de Quinta Vale D. Maria, e mostrar as novidades das últimas vindimas, foi o propósito do encontro promovido no Douro pelas famílias Van Zeller e Guedes (Aveleda). Um evento em que ficou bem patente a cumplicidade familiar (afinal de contas, são primos…) e o empenho em tornar esta quinta, suas marcas e vinhos, em sólidas referências internacionais.
Cristiano van Zeller sabe muito de Douro, dos seus vinhos e de como os comunicar. Afinal de contas, para além de membro da família proprietária da Noval, ajudou a conceber e implementar, entre outros, dois grandes projectos vínicos durienses, a Quinta do Crasto e a Quinta do Vallado. A estas duas empresas, Cristiano juntaria mais tarde a sua Quinta Vale D. Maria para, em conjunto com a Niepoort e a Quinta do Vale Meão, fundarem a associação Douro Boys, que tanto contribuiu para a afirmação mundial da região.
A Quinta Vale D. Maria, no entanto, foi sempre o “seu” projecto. Seu e da sua mulher Joana, a cuja família adquiriram em 1996 esta propriedade com 45 hectares de vinha, localizada no vale do rio Torto. Com origens que remontam ao século XVIII, a quinta tem uma grande diversidade de vinhas, algumas plantadas há pouco mais de uma dúzia de anos, outras praticamente centenárias. A diversidade é imensa, contribuindo para ela sobretudo as vinhas antigas, com dezenas de castas misturadas, e as diferentes exposições solares a que cada parcela está submetida. Não surpreende, por isso, que os vinhos de vinha e os vinhos de parcela assumam um papel de relevo nos topos de gama da casa.
As vinhas que dão nome aos vinhos
Em propriedades como a Quinta Vale D. Maria, cada parcela tem a sua própria identidade, que transmite naturalmente aos vinhos que origina. Nem todas essas identidades são positivas, como é óbvio, e por isso as vinhas/parcelas de excelência foram sendo identificadas logo a partir da primeira colheita de 1996, e vindima após vindima esse conhecimento foi sendo aprofundado e confirmado. Com o tempo, Cristiano van Zeller, com o apoio da enóloga Joana Pinhão (que ali fez o primeiro estágio em 2007) e da sua filha Joana van Zeller, decidiu engarrafar separadamente as uvas de duas vinhas muito distintas na idade e composição de castas: a Vinha do Rio e a Vinha da Francisca.
A Vinha do Rio é a vinha mais antiga da propriedade, e também, como o nome indica, a mais próxima do rio Torto, a cerca de 160 metros de altitude. Foi a primeira a ver os seus vinhos engarrafados à parte, na vindima de 2009. São quase 30 as castas ali misturadas, predominando, no entanto, a Tinta Barroca, com cerca de 48% do total.
Já a Vinha da Francisca, com 4,5 hectares, exposta a sul, foi plantada em 2004, para assinalar o 18º aniversário de Francisca van Zeller. Vinha mais jovem, portanto, plantada com cerca de 50% de Sousão, mais Touriga Nacional, Touriga Franca e ainda algumas castas antigas menos “comuns”, como Tinta Francisca e Rufete.
Nem todos os vinhos de topo produzidos na Quinta Vale D. Maria são oriundos de vinhas da propriedade. O conhecimento que Cristiano e a sua equipa possuem da região leva-os a descobrir noutras zonas do Douro autênticos tesouros. É o caso das uvas que deram origem ao Vale D. Maria Vinha de Martim e que vêm de uma vinha situada em Martim, Murça. É uma vinha muito especial que a empresa explora desde a colheita de 2015. Virada a norte, plantada a 450 metros de altitude, esta vinha com mais de 80 anos tem muitas castas brancas misturadas, predominando Rabigato, Viosinho, Gouveio e Códega do Larinho.
Outra marca assente em uvas durienses de diferentes terroirs e que passou a integrar desde 2014 o portefólio da empresa é o Vale D. Maria VVV Valleys, branco e tinto. Os três “V” simbolizam três vales, os vales dos rios Pinhão, Torto e Douro, onde 15 gerações da família Van Zeller trabalharam ao longo de séculos. No caso do VVV Valleys tinto de 2015, por exemplo, juntam-se uvas de vinhas velhas da Quinta Vale D. Maria e mais duas parcelas maioritariamente plantadas com Touriga Franca.
Para além destas, a empresa tem no mercado outras marcas em diferentes segmentos de preço, desde o entrada de gama Rufus (com excelente relação qualidade-preço) ao raro (e caro!) CV, no patamar superior da excelência, passando pela linha Van Zellers e VZ.
A história que o vinho conta
A história de uma marca conta-se através dos vinhos. Infelizmente, nem sempre os vinhos resistem ao tempo ou, mais frequentemente ainda, nem sempre os produtores conservam em sua posse os vinhos de cada colheita. Não foi o caso da família Van Zeller, que manteve esse património vivo que são os vinhos, ao longo de 20 vindimas.
Todos os Quinta Vale D. Maria foram e são pisados a pé nos lagares de granito da propriedade, indo depois o vinho para barricas de carvalho francês. Com o tempo, as barricas 100% novas foram partilhando o espaço com barricas de segundo ano, até chegar ao actual modelo de 60% nova, 40% usada. A complexidade das vinhas velhas e das dezenas de castas que as compõem estão bem patentes nestes vinhos, bem como o perfil próprio de cada ano de colheita:
1996– Foi ano de grande produção e pouca concentração (o vinho tem 12% de álcool), corpo médio, mas revela-se ainda hoje muito leve, muito fresco, bonito e elegante. 17
1997– Complexo de aroma, alguns fumados, frutos secos, especiarias, envolvente e fresco no longo final. 17,5
1998– Sente-se um ano de baixa produção, com volume, complexidade, taninos sólidos, sempre com frescura e equilíbrio. O tanino presente revela que o vinho ainda tem muito para dar. Está super equilibrado, com muito sabor e final fantástico. 18
1999– Tem concentração e profundidade aromática, mas alguma “brett” e as suas notas menos limpas de couro molhado prejudicam-no. Na boca está sólido e cheio, ainda que com taninos um pouco secos. 16,5
2000– Maduro, profundo, sumarento, nota de ameixa e muitas especiarias num estilo vibrante, longo, profundo. Excelente equilíbrio entre álcool e acidez. 17,5
2001– Sente-se a partir daqui um salto enológico face às colheitas anteriores. Os vinhos são mais polidos e afinados, sem perderem autenticidade. Tem grande presença aromática, muito profundo, muito complexo, cacau, especiaria. Sabor rico, ainda jovem, com taninos perfeitos, pleno de brilho e presença. Excelente evolução. 18
2002– Nota-se uma evolução evidente no aroma, mas ainda com fruto bonito. Cremoso na boca, com corpo médio (sente-se a vindima chuvosa) mas muito boa acidez, um tom vegetal no final apimentado. 16,5
2003– Ano de calor evidente, patente no fruto bem maduro, uva passa, ameixa. No entanto, as vinhas velhas aguentaram a acidez, e mantiveram o vinho fresco e vivo, graças também aos taninos poderosos. Final longo e fumado. 17
2004– Sério, austero, firme, com muito boa presença, apontamentos de esteva e ervas do campo, tabaco, balsâmicos. Taninos muito sólidos, sabor cheio mas sempre com um fino traço de frescura. Impositivo. 18
2005– Encorpado, envolvente, com taninos firmes mas sedosos, um estilo potente e harmonioso ao mesmo tempo. Sério e maduro, mas fresco. 17,5
2006– Apontamentos fumados no primeiro impacto aromático, balsâmicos, especiarias. Bastante frescura assente numa acidez vincada, conjunto muito equilibrado e harmonioso. 17,5
2007– Espantoso nariz, com uma frescura de fruta surpreendente para a idade. Enorme equilíbrio de boca, com corpo, sólida estrutura de taninos, cheio de sabor e complexidade, muita vibração, final interminável. Grande vinho. 18,5
2008– O aroma assenta no fruto bem maduro e nas especiarias. Perfeita harmonia na boca, com taninos sedosos, num conjunto muito cremoso, muito bonito, em excelente forma. 18
2009– Morno e maduro, ameixa e compotas de bagas silvestres. Profundo, encorpado, sólido, envolvente, sensação de fruta madura e doce no final longo. 17
2010– Muito bonito e elegante, de aroma fino, com fruto expressivo e puro. A boca de corpo médio deixa os taninos um pouco a descoberto, mas o conjunto é elegante, perfumado, muito apelativo. 17,5
2011– O ano de 2011 está bem patente. O vinho tem tudo, concentração mas frescura, profundidade mas austeridade. Está ainda super jovem, fechado, com enorme estrutura de taninos, solidez de cimento, tudo ainda a precisar de tempo. Um monumento. 18,5
2012– Grande nariz, excelente fruto, enorme equilíbrio, leves amargos, bastante frescura, muita firmeza, muita elegância, equilíbrio total, um belíssimo vinho. 18
2013– Sério, ainda bastante jovem, com taninos ainda muito evidentes, fruto bem fresco no aroma. Encorpado, vigoroso mas elegante, potente mas domado. 17,5
2014 – Mostra o carácter do ano no estilo mais leve, com fruto muito bonito e delicado. Corpo médio, mas mais do que suficiente para envolver bem os taninos, a fruta é muito expressiva, um tom de frescura e elegância atravessa todo o vinho. 17,5
Apesar de a empresa produzir várias marcas, o tinto Quinta Vale D. Maria é a grande bandeira da casa, o vinho mais significativo, quer no impacto no mercado quer, acredito, no espaço que ocupa no coração da família Van Zeller e, agora, no da família Guedes. A prova de 20 colheitas desta marca revela um percurso de grande consistência qualitativa, assente no respeito pelo carácter de cada parcela de vinha e no conhecimento do seu contributo para o lote final. São vinhos sentidos, vinhos de terroir, cada um deles contando uma estória e contribuindo individualmente para fazer a história de uma grande marca duriense.