Aparentemente e ao longe, a região do Douro é marcada por uma forte unidade geográfica, social, económica e cultural, na qual a vinha e o vinho são os elementos comuns e agregadores. No entanto, à medida que nos aproximamos dos seus meandros, socalcos e patamares, descobrimos que o território é bastante heterogéneo. As realidades sub-regionais mostram-se bastante díspares relativamente ao clima, relevo, paisagem, povoamento, modos de produção e, acima de tudo, nas dimensões dos vinhedos.
No ano de 2023, segundo as estatísticas do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP), a região demarcada era composta por 95851 parcelas de vinha, de geometria muito variável, perfazendo um total de 43813 hectares que, por sua vez, foram explorados por 18655 entidades registadas. Numa primeira aproximação estatística, cada parcela seria composta por uma média que rondaria cerca de meio hectare. Do mesmo modo percebemos que cada entidade explorou aproximadamente cinco parcelas perfazendo um pouco mais de dois hectares. O que corresponde a dois campos de futebol com as medidas oficiais, aproximadamente.
Numa análise mais fina e articulada percebemos claramente uma realidade muito mais complexa e variável. Os números publicados na página on-line do IVDP, referentes ao ano de 2023, revelam que as parcelas entre meio e um décimo de hectare perfazem cerca de 20,5% do total da área da região.
No entanto, a maioria das parcelas, 37412, que correspondem a 39% do total, apresentam uma área inferior ou igual a um décimo de hectare, ou seja, uma grande parte das frações de vinha apresentam uma área menor ou igual, e em alguns casos muito menor, a uma grande área de um campo de futebol. Ainda assim, estas parcelas apenas representam cerca de 4% do total geral de hectares de vinha. Do outro lado do espectro da análise encontramos apenas 26 parcelas com uma área igual ou superior a 20 hectares, o que corresponde a 0,02% das parcelas e a 1,6% do total de hectares.
Nos antípodas do Douro
Nos antípodas da fragmentação do território e bem no coração do Cima Corgo encontramos a Quinta da Romaneira, uma das maiores propriedades da região, com um total de 412 hectares dispondo de três quilómetros de frente no rio Douro.
As vinhas, totalizando 86 hectares, estão plantadas em socalcos nas escarpadas encostas da propriedade. Tal como referiu Carlos Agrellos, o enólogo consultor, “esta imensa vastidão de vinhedo, pelos parâmetros durienses, encontra-se dispersa por muitos vales e promontórios, o que origina diversos microclimas em função das inúmeras variações de altitude e exposições solares”.
No entanto, a Quinta da Romaneira nem sempre teve estas dimensões, lembra Carlos Agrellos: “na altura das demarcações Pombalinas, já existiam parcelas de vinhas, bem como algumas das Quintas que passariam a fazer parte da Romaneira. No entanto, foi apenas na década de 40 do século passado que ocorreu a grande aquisição de várias quintas vizinhas, o que fez da Romaneira uma propriedade extremamente grande e rara pelos padrões do Douro”. Curiosamente, muitas das parcelas de vinha continuam a ostentar o nome das anteriores propriedades, adquiridas para criar o projeto tal como ele existe hoje: Liceiras, Carrapata, Malhadal, Barca, Bairral e Pulga, são alguns dos exemplos.
Desde 2004, data em que Christian Seely reuniu um grupo de investidores para concretizar a aquisição da Quinta da Romaneira, tem beneficiado de uma renovação, reconstrução e replantação muito extensa. Ainda assim, como referiu Carlos Agrellos, “só oito anos mais tarde, após André Esteves se ter tornado o acionista principal, é que a Quinta consolidou a sua posição entre os produtores de elite de vinhos e revelou todo o potencial de grandeza do seu terroir histórico”.
Os novos vinhos do Douro e Porto
Os diversos vinhos da Quinta da Romaneira são muito específicos e provêm de pequenas parcelas individuais ou de várias localizações particulares da Quinta. Esta opção, “reflete a complexidade e diversidade de toda a vinha. Todos os nossos vinhos são feitos exclusivamente de uvas das nossas vinhas, uma característica distintiva dos vinhos da Quinta da Romaneira”, disse Carlos Agrellos.
Um dos pontos de interesse desta apresentação também esteve ligado à reformulação gráfica levada a cabo. Assim, diversas gamas de vinhos foram repensadas e redesenhados os rótulos, refletindo a precisão quanto às origens individuais de cada vinho. Nas palavras de Carlos Agrellos, “cada vinho produzido na Romaneira tem agora um rótulo com uma imagem gravada que reflete a identidade do vinho e o local de proveniência das uvas que o fazem”.
A apresentação dos novos vinhos brancos e do rosé decorreu sob a batuta do ano 2023 que, nas palavras de Carlos Agrellos “ficou marcado por uma mudança significativa em relação aos quatro anos anteriores caracterizados por temperaturas elevadas e escassas produções, estes fatores garantiram que as vinhas cresceram sem as limitações da carência de água e por isso obtivemos uvas de alta qualidade, permitindo a criação de vinhos excecionais”.
Estes vinhos, para além de apresentarem uma nova roupagem, revelam os distintos microclimas da Quinta e as técnicas enológicas utilizadas nas diferentes castas brancas (Gouveio, Viosinho, Boal e Rabigato) e tintas (Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz e Tinto Cão).
Por fim, foram apresentadas as novidades relacionadas com o vinho do Porto, a primeira um Tawny 20 anos envelhecido durante duas décadas em pequenas barricas de carvalho com 640 litros de capacidade. Este, nas palavras de Carlos Agrellos, “incorpora todas as características de um clássico Tawny premium”. A segunda novidade foi um vinho do Porto Vintage vinificado em lagares de inox, que “além de todas as vantagens tradicionais da pisa a pé para o vinho do Porto, também beneficia da capacidade técnica de os aquecer e arrefecer”, referiu ainda Carlos Agrellos.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.
(Artigo publicado na edição de Outubro de 2024)