Roteiro: Algarve – A discreta revolução

 

Uma História com 2500 anos

Os vinhos estarão no Algarve há muito, muito tempo. Segundo o livro “A Vinha e o Vinho no Algarve – O renascer de uma velha tradição”, coordenado por João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira, do Centro de Estudos do Património da Universidade do Algarve, “foram (…) os Fenícios ou os Gregos que, a partir do século VIII a.C., permitiram os primeiros contactos da região com o vinho, uma bebida cara e de consumo muito restrito”. O vinho chegava de barco em ânforas, cujos restos, descobertos em abundância, continham vestígios de vinho. Não tardou que os autóctones começassem a plantar a videira, mais a jeito de experiência. A chegada dos romanos, alguns séculos depois, veio expandir o cultivo, a par da oliveira. Mas, aparentemente, ainda em pouca quantidade, destinando-se o pouco vinho resultante a ocasiões especiais e/ou elites sociais. Nos séculos seguintes, a produção local não inviabilizou a importação, que passava pela actual Itália para, calcula-se, a espanhola Andaluzia e a Gália, actual França. Por essa altura, o vasilhame de transporte vai passando do barro (as famosas ânforas vinárias), para a madeira, com os barris e tonéis a assegurarem também a função de armazenamento.
Terá sido já na nossa era que se fomentou o cultivo da vinha no Algarve, através de explorações
agrícolas fundadas por colonos romanos ou sob a sua influência. Estes colonos trouxeram ainda as suas técnicas de vinificação. Com a queda do Império Romano, estas explorações entram em colapso, por volta do século V. Dos séculos seguintes pouco ou nada se sabe, mas não custa perceber que alguma vinha se tenha mantido na paisagem algarvia, incluindo na presença islâmica no sul de Portugal, que durou até ao século XIII. Os árabes, curiosamente, já detinham bons conhecimentos sobre a vinha e o vinho, patentes, por exemplo, em tratados agronómicos da altura. E tanto assim era que o rei Afonso III responsabilizou os mouros que por aqui ficaram pelo cultivo das suas vinhas na região.
E os anos foram passando. Existem bons registos do século XV e posteriores que mostram que o cultivo da vinha e o fabrico do vinho tinha, entretanto, crescido significativamente. Juntamente com frutas (especialmente o figo), o vinho começou a ser exportado, por mar, para a região de Lisboa e também para o Norte da Europa (muitas vezes de Lisboa). Isto pressupunha áreas de vinha já consideráveis. Diz “A Vinha e o Vinho no Algarve” que a vinha “ocupava uma mancha que se estendia por toda a faixa litoral, subindo inclusive o barrocal, para se deter apenas nas imediações da serra algarvia”. E estava sobretudo junto às povoações.
Os séculos posteriores não trouxeram grandes novidades a este panorama. Mesmo os procedimentos de viticultura e enologia, pouco se alteraram ao longo dos anos. Práticas poucas vezes sãs davam, muitas vezes, origem a vinhos defeituosos ou alterados com ingredientes. A introdução de conhecimentos mais modernos nem sempre era bem-vinda: muitos produtores achavam que o vinho feito “à moda antiga” era o preferido dos consumidores. Noutras paragens, não era assim. De tal maneira que surge em Lisboa uma proibição de entrada de “vinhos inferiores e avinagrados do Algarve”.
A obra de João Pedro Bernardes e Luís Filipe Oliveira refere-o explicitamente, apontando razões para isso: por um lado, o acervo das castas tradicionais, “que privilegiavam a quantidade e não a qualidade”. E por outro, a influência das condições climáticas do Algarve, com calor na Primavera e Verão e temperaturas moderadas no resto do ano; estas condições proporcionavam vinhos alcoólicos, com poucos taninos e acidez, comprometendo a sua evolução. Mas, se pensarmos bem, o panorama não seria tão diferente noutras regiões do país.

 

Roteiro Algarve

 

 

Sara Silva, Presidente da Comissão Vitivinícola do Algarve, entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas.

 

 

O vinho algarvio no século XX

E chegamos rapidamente ao século XX, já depois de resolvida a hecatombe da Filoxera e os estragos causados pela chegada das doenças fúngicas chamadas de Oídio e Míldio. Refira-se que a Filoxera não atacou tão severamente os vinhedos algarvios como nas outras regiões, por duas grandes razões: os solos de areia e a consociação da vinha com outras culturas, como a figueira, oliveira, alfarrobeira e amendoeira. Ou seja, as vinhas eram na sua maioria pequenas e afastadas, o que dificultava a propagação da praga. De tal maneira que, já nos anos 80, cerca de 17% da área de vinha algarvia ainda estava em pé franco, sem recorrer ao enxerto com bacelo americano, imune à Filoxera. Em Lagoa, essa percentagem era 37%!
Nas primeiras décadas do século, o comércio local de vinho era pouco desenvolvido e o vinho era comercializado a granel, em garrafões ou barris e o seu destino era sobretudo as tabernas. Em 1945, começam a surgir as primeiras adegas cooperativas, com Lagoa e Lagos a assumir a dianteira. Em 1951 já existiam 15 cooperativas no Algarve. Numa região de pequenas vinhas e pequenas explorações agrícolas, as adegas algarvias chegaram a vinificar a grande maioria da produção da região. E foram também responsáveis por um aumento de qualidade do vinho e da sua uniformização. Mas o destino de quase todas estava traçado: com a chegada da laranja, e depois do turismo e do betão, muitas vinhas desapareceram, recebendo os agricultores os respectivos (e generosos) subsídios para as arrancar, ou a venda dos direitos de plantação para outras regiões.
As cooperativas, já de si pequenas, não conseguiram resistir. A única sobrevivente foi a de Lagoa (que, entretanto, se fundiu com Lagos). Chegou a vinificar 80% do vinho algarvio, já nos anos 90, mas foi definhando. Hoje continua a laborar, mas recebe uma pequena parte das uvas que em tempos lá entraram, junto à famosa Nacional 125. Chegou a fazer 4 milhões de litros, hoje produz apenas 200 mil litros próprios. Mas aqui faz-se mais: conhecida agora como “Única”, esta cooperativa acaba por tomar um papel importante na região, prestando serviços de adega a vários produtores.
No entanto, não foram apenas as cooperativas a sofrer. Muitos produtores de uva e vinho desapareceram ou viram as suas produções diminuir. No início da década de 2000, o Algarve tinha perdido 90% (!) da sua área de vinha.

Rumo à discreta revolução

A região vitivinícola do Algarve foi, entretanto, demarcada em 1980, tendo como sub-regiões Lagos, Portimão, Lagoa e Tavira. A Comissão Vitivinícola Algarvia (CVA), contudo, só inicia a sua actividade em 1994. A partir de 1998, a CVA conseguiu dinamizar um pouco o Algarve vitícola, incentivando a renovação das vinhas algarvias. Em 2005 já tinham sido reestruturadas cerca de 400 hectares de vinhas. No entanto, eram ainda poucos os produtores. A chegada do cantor inglês Cliff Richard, que plantou vinhas na sua propriedade de Albufeira em 1998, ajudou à notoriedade do vinho da região.
O panorama só se alterou significativamente na última década. Segundo Sara Silva, “em 2010, a região tinha apenas 16 produtores de vinho, hoje são 50”. A presidente da CVA entrou na casa em 2010, mas só gere os seus destinos desde 2019, à frente de uma equipa de cinco pessoas. A explosão deveu-se à entrada de novos produtores locais e outros vindos de fora. Mas já veremos o porquê desta pequena revolução.
Dois produtores são de referir em particular: estamos a falar da Casa Santos Lima, um dos maiores exportadores de vinho de Portugal (com vinhas sobretudo na região de Lisboa), e da Aveleda, o maior potentado nos Vinhos Verdes, mas com vinhas no Douro e Bairrada. Ambas com investimentos pesados. A Casa Santos Lima, por exemplo, chegou em 2013 à zona de Tavira, e é já, de longe, o maior certificador da região. Já agora, os três players seguintes são a Aveleda, a Quinta do Barranco Longo e a Quinta dos Vales. Mais ainda: corre na região o rumor de que outras grandes empresas têm “o olho posto” neste território com um terroir muito próprio.

 

Um território junto ao mar

A vinha algarvia cresce num clima de Invernos amenos e Verões quentes e secos. Ou seja, um clima mediterrânico bem vincado, com fraca amplitude térmica e pouco vento. Lembremo-nos que todo o Algarve está protegido dos ventos frios do norte por várias cordilheiras montanhosas, que se estendem de leste a oeste. A sul, a proximidade ao mar, contudo, costuma dar uma boa ajuda a manter os teores de acidez nas uvas, algo tão importante para dar frescura aos vinhos. As temperaturas amenas no Inverno e o número de horas de sol (cerca de 3 mil!) fazem com que, aqui, as vinhas comecem a trabalhar mais cedo que no resto do país. E, claro, as vindimas seguem esta precocidade.
Com pouca chuva durante os meses mais quentes, todos os produtores que visitámos durante esta reportagem tinham rega instalada, quase todos indo buscar a água ao subsolo. No litoral, predominam os solos arenosos e argilo-arenosos, com alguma fertilidade. No barrocal, a faixa mais para o interior, os solos são maioritariamente calcários de vertentes pedregosas, também com pouca fertilidade. Existem alguns aluviões, de alta fertilidade, quase sempre junto a rios e linhas de água. Mais para o interior, na serra algarvia, os solos são cada vez mais pobres e secos, predominando o xisto e outras rochas.

Roteiro Algarve
Mariana Canelas, directora comercial e o enólogo Bernardo Cabral, dão a cara pela Arvad.

 

Uma (muito) pequena região vitivinícola

Actualmente existem no Algarve cerca de 600 hectares de vinha apta a produzir uvas para fazer vinhos certificados (DOC e Regional). Para se ter uma ideia da reduzida dimensão, podemos dizer que vários produtores individuais portugueses possuem mais do que isto. Ainda por comparação, a vizinha região do Alentejo tem perto de 24 mil hectares de vinha para DO/IG, cerca de 40 vezes mais do que todo o Algarve. O anuário do Instituto da Vinha e do Vinho indica que, em 2021, o Algarve era a mais pequena região de Portugal continental em área de vinha.
Outrora depósito de muita vinha, o litoral algarvio tem hoje poucas cepas. Ao longo dos anos, foi cedendo o lugar ao barrocal, onde está agora a maioria da vinha. Um “restinho” vai para a serra algarvia, onde existe um exemplo extremo: o anterior presidente da CVA, Carlos Garcias, está a explorar uma pequena vinha na serra da Fóia, a mais alta do Algarve. A vinha foi plantada em terraços que se aproximam de uma altitude de 700 metros. É impressionante a diferença de temperatura daqui para o litoral. Em Agosto, na viagem de Portimão à Quinta de São Francisco (como se chama a exploração), durante uns meros 35 minutos de carro, vemos o termómetro descer cerca de oito graus.

 

 

A ascensão da casta Negra Mole

Em termos de castas, o Algarve moderno tem de tudo um pouco. Mas uma se destaca de todas as outras: a clássica algarvia Negra Mole, que tinha vindo a ser progressivamente abandonada por vários viticultores à procura de vinhos mais modernos, começa agora a ser a estrela da região. Dos 50 produtores, cerca de 20 têm-na no encepamento e as suas uvas são actualmente muito cobiçadas e valorizadas: ouvimos falar de preços a rondar €1,50, ou mais, este ano, o que torna esta uva uma das mais caras do país. Outros viticultores que visitámos pensam plantá-la e/ou aumentar a área existente. Mas, verdade seja dita, também existem os que não querem Negra Mole, que continua a ser a casta mais plantada do Algarve. Na vinha, a Negra Mole é única. A primeira vez que viu a casta na vinha, o enólogo Bernardo Cabral (que oficia na Arvad, produtor de Estômbar) ficou estupefacto: “isto tem tudo para dar errado: no mesmo cacho existem uvas brancas, rosadas e tintas”. Já foi há muitos anos, mas ainda hoje se ri da experiência. A Negra Mole é uma variedade que dá vinhos com pouca cor, e por isso é fácil fazer rosés (e mesmo brancos). Considerada tinta, tem, contudo, taninos muitos suaves (alguns enólogos usam engaços, grainhas e macerações prolongadas para extrair mais cor e taninos nos tintos) e se for bem tratada na vinha e adega, dá vinhos que, apesar de discretos, possuem uma excelente frescura e leveza. Exactamente o que cliente moderno está a pedir… De resto, os vinhos tintos certificados no Algarve usam uma multitude de castas que podemos encontrar noutras regiões: desde as nacionais Alicante Bouschet, Aragonez, Syrah, Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira (Crato Preto), etc.
Nas castas brancas, destacava-se o Crato Branco, mais conhecida como Síria ou Roupeiro noutras regiões. Nos produtores mais virados para a qualidade, está a ser ultrapassada por uvas com melhores teores de acidez, como o Arinto, Verdelho ou Encruzado e as mais conhecidas internacionalmente (Sauvignon Blanc, Chardonnay, etc). Patrick Agostini, da Quinta do Francês, ainda vinificou Crato Branco durante alguns anos, mas diz que oxida muito facilmente e não se vendia bem no enoturismo: “o nosso cliente é estrangeiro e compra o que conhece”, disse-nos ele.

Algarve precisa de mais adegas

A região produz cerca de 1,6 milhões de litros de vinho e introduz no mercado mais de um milhão de garrafas de vinho certificado, quase todo Regional Algarve (mais de 90%). A CVA tem tentado que o DOC Algarve tenha mais aderentes, mas os produtores, pelo que ouvimos, não vêem grande necessidade de mudar. Curiosamente, isto parece derrotar a existência das quatro sub-regiões algarvias. O tema está agora a ser debatido no Conselho Geral da CVA e alguma decisão irá surgir nos próximos tempos.
Como muitos produtores não têm adega, as três existentes que prestam serviços começam a atingir os seus limites. Com o crescimento na área de vinha e no número de produtores (quatro ou cinco por ano), Sara Silva acredita que mais adegas terão de surgir, e, de facto, várias estão apenas à espera dos demorados licenciamentos.

O antigo e o moderno

Quando bem vinificados, os vinhos tintos algarvios sempre tiveram um perfil muito suave, com pouco tanino, pouca cor, pouco aroma e muito álcool. E o algarvio sempre gostou deste tipo de vinho. Os melhores chegaram mesmo a ter prémios em concursos.
Hoje, o panorama é muito diferente. O encepamento mudou muito, as áreas de vinha também, assim como as produções, mais baixas, mas com melhor qualidade e concentração. A mudança ocorreu tanto nos tintos como nos brancos e rosés. Na verdade, o Algarve é hoje terra de brancos e rosés. É isso que a maioria dos enófilos procura nas superfícies comerciais, nos restaurantes, hotéis e wine bars. Não espanta, por isso, que a maioria dos novos projectos leve isto em consideração. Ou seja, o encepamento passou a estar mais virado para estes tipos de vinho. Uma parte das uvas tintas vai, por isso, para os rosés.
Em tempos, os vinhos generosos tiveram alguma fama e houve quem defendesse que o terroir algarvio será propício a estes. Apesar de muito poucos o fazerem actualmente, detectámos vontade de alguns produtores em levar a cabo algumas tentativas.
A modernidade vínica não foi exclusivamente endógena. A entrada de técnicos e produtores de fora também trouxe experiência e novas abordagens. Nomes como Joana Maçanita e Pedro Mendes (responsáveis por vários produtores), Bernardo Cabral (Arvad), António Narciso (Artemis), e Jorge Páscoa (Quinta do Canhoto), são apenas alguns exemplos, mas existem mais.

Vinhos para todos os gostos

A maioria dos produtores está em sintonia com o consumidor local (especialmente o turista enófilo), tentando produzir vinhos cada vez mais frescos e elegantes e menos alcoólicos, especialmente brancos e rosés. O grande segredo é apanhar as uvas mais cedo e de facto, no início de Agosto, já muita gente estava a vindimar nas quintas que visitámos.
Um dos produtores com mais sucesso, Rui Virgínia (Quinta do Barranco Longo), tem vários brancos que não passam dos 11,5 graus de álcool. E, dos que provámos, nem um indício de desequilíbrio ou acidez descasada.
Nos tintos, alguns produtores mais atrevidos, como Patrick Agostini (Quinta do Francês), produzem vinhos poderosos, alcoólicos e com taninos algo aguerridos. Mas, verdade seja dita, o seu terroir, de serra com solo xistosos, assim o proporciona. São vinhos caros, mas o médico francês vende tudo, a maior parte no Algarve.

Um mercado muito apetecível

Empresas muito profissionais como a Casa Santos Lima e Aveleda, com milhões de litros produzidos em várias regiões do país e anos de experiência na comercialização e promoção, não investem à toa. Especialmente quando os investimentos são pesados, como aqui já aconteceu e vai continuar a acontecer. Porquê então o Algarve? Porque, desde logo, o preço do vinho algarvio é o mais elevado do país (sem contar com Madeira e Açores, claro). A julgar pelos números da Nielsen, a mais conhecida empresa de estudos de mercado neste sector, há sete anos consecutivos que o Algarve lidera, destacado no preço médio por litro pago pela distribuição e restauração. Só por comparação, um litro de vinho algarvio valia €13,50 em 2022, contra €6,20 no Alentejo e €9,70 no Douro.
Como é isto possível, numa região com pouca notoriedade vínica? Na verdade, é fácil de perceber. Até agora o mercado local tem absorvido quase todo o vinho, Sara Silva estima entre 70 a 80%. Essa é, aliás, a principal razão por que é difícil encontrar, no resto do país, vinho algarvio nos restaurantes e grandes superfícies: “Para quê enviar para Lisboa e enfrentar uma concorrência aguerrida quando consigo escoar aqui toda a produção e a bom preço?” parecem perguntar os produtores algarvios. Ora, o turista e/ou residente estrangeiro é o maior consumidor. Não sendo tão sensíveis a marcas e regiões vínicas, estes enófilos têm tendência a escolher vinhos locais e, pelos vistos, têm gostado, porque têm continuado a comprar. Por outro lado, não custa perceber que a melhoria substancial na qualidade média tem levado muitos enófilos algarvios a escolher também vinhos locais. A enorme profusão de garrafeiras, lojas gourmet e wine bars é sinal claro desta realidade. Felizmente existe capacidade de compra: o Algarve é a segunda região com maior PIB per capita de Portugal, a seguir à Área Metropolitana de Lisboa (dados de 2021). Este é, sem dúvida, um mercado à parte do resto do país.

O poderoso Enoturismo

A par do generoso mercado local, o enoturismo é a outra faceta do vinho algarvio. De facto, é uma belíssima fonte de receitas para muitos produtores de vinho que visitamos. A maioria dos visitantes é estrangeira e não se importa de pagar para calcorrear as vinhas em visita guiada e depois provar os vinhos da casa, em prova conduzida. Um petisco a acompanhar e são duas ou três horas bem passadas, que, para o turista estrangeiro, vale bem 10, 20 ou 30 euros por cabeça. Ou muito mais, para experiências personalizadas como, por exemplo, um workshop de fazer lotes de vinhos (€285 na Quinta dos Vales). Melhor ainda, alguns turistas levam vinho para casa ou pagam ao produtor para os enviar para qualquer destino além-fronteiras. Patrick Agostini, da Quinta do Francês, confidenciou-nos: “seria difícil sobreviver sem o enoturismo”. É também por isso que diversos produtores, como a Quinta da Malaca (entre Portimão e Vilamoura) estão a ultimar obras para receber turistas. Outros, como a Aveleda (Alvor) e Artemis (Tavira), esperavam com impaciência pelas licenças de construção, que, pelos vistos, estão a levar entre dois e três anos.
Há dois anos, nasceu a rota de vinhos do Algarve, chamada de Algarve Wine Tourism. Contando com cerca de 25 produtores aderentes, já tem site próprio (algarvewinetourism.pt) e uma app (Algarve Wines), contendo toda a informação de que o enoturista precisa. “É um potencial que já cá estava”, diz Sara Silva, que lamenta não ter acesso a maiores fundos para promoção.

 

Do Algarve, com muito orgulho

Depois do sol, da praia e do golfe, o Algarve arrisca-se a ter no vinho mais um forte motivo de atracção turística. À parte a notoriedade, o Algarve não perde para qualquer outra região vitivinícola portuguesa. Avista-se facilmente um futuro risonho e um exemplo de enoturismo para o mundo. Os vinhos são muito bons, só falta que o resto do país (e o mundo) os descubra, de preferência saboreando-os com a magnífica gastronomia algarvia.

Os produtores

Para fazer esta reportagem, visitámos oito produtores, escolhidos com a ajuda da CVA. Procurou-se visitar várias realidades, com vinhas junto ao litoral, no barrocal e na serra. Produtores grandes, médios e um pequeno. Mas existem muitos mais e a trabalhar muito bem. Ao mesmo tempo, falámos com vários enólogos e técnicos de viticultura. Aqui fica um apanhado breve de cada um.

Artemis
Do Dão para o Algarve, perto de Tavira. Este é o percurso que António Narciso passou a fazer desde que assumiu a responsabilidade produtiva por esta exploração, propriedade do advogado Vicente Marques. No Dão, a marca é Dom Vicente, aqui é Monte da Ria e Solar da Ria. A vinha está mesmo no litoral e as uvas são, por enquanto, vinificadas numa adega improvisada, na zona industrial de Tavira. A adega própria (e enoturismo) será construída junto às vinhas, nos próximos tempos.
domvicente.shop/pt

Arvad
O nome deriva do que se pensa ter sido o nome do rio Arade em fenício, que significava refúgio. Projecto recente, propriedade de um empresário que comprou terras ao pé de Estômbar. Começou a plantar em 2016 e em 2019 saíram os primeiros vinhos, com a assinatura do enólogo Bernardo Cabral. Possui enoturismo com muita classe e vista esplendorosa sobre o vale do rio Arade. Um hotel de charme está em construção, a estrear em 2025.
arvad.pt

Aveleda
Um dos maiores projectos do Algarve, com 24 hectares de vinha, junto ao Alvor. Resultou da aquisição, em 2019, por parte da Aveleda, da quinta do Morgado da Torre, que já aqui produzia vinho há muitos anos e em boa quantidade. A vinha própria tem mudado e crescido, assim como a produção, actualmente a rondar os 100 mil litros, da marca Villa Alvor. Outra parte da vinha é arrendada. Tudo é colhido à máquina. A casa possui adega e enoturismo com loja, mas ambas vão ser substituídas: o novo e generoso edifício está apenas à espera da aprovação para começar a construção.
villaalvor.pt

Quinta da Malaca
À frente deste projecto está a família Cabrita. A história tem décadas de idade, com o avô Francisco, mas apenas em 2010 se iniciou no engarrafamento com marca própria. Luís Cabrita é a cara da casa e o mais ligado à gestão. As vinhas (cerca de 30 hectares, algumas com 70 anos) estão em Pêra, junto ao litoral e a escassos 2 quilómetros do mar, nos típicos solos arenosos. Os vinhos — Malaca, monocasta, e Vale de Parra, vinhos de lote — são vinificados em adega próxima, com a responsabilidade de Joana Maçanita. A empresa está a terminar as instalações de enoturismo, mas já tem clientes desde há anos.
facebook.com/vinho.malaca

Quinta do Canhoto
Propriedade dos irmãos Josefina e Edgar Fernandes, esta quinta ao pé de Albufeira conta com uma vinha a rondar os dez hectares, totalmente reconvertida em 2009 (existiam cepas com mais de 100 anos). As uvas são vinificadas na adega própria, projectada pela jovem arquitecta Joana Fernandes, da nova geração. Inaugurada em 2019, a adega já ganhou um prémio de design e ainda bem, porque aqui o enoturismo é explorado intensamente, acompanhado pelos vinhos da casa, da marca Esquerdino. A enologia está a cargo de Jorge Páscoa, mais conhecido pela sua actividade na região de Lisboa.
quintadocanhoto.com

Quinta do Francês
Desde cedo que o médico francês Patrick Agostini sonhava em produzir o seu vinho. Em Bordéus tirou o curso de viticultura e enologia, mas foi em plena serra algarvia, a oeste de Silves, que realizou o seu sonho. A partir de 2000, do nada, criou uma vinha (hoje com 12 hectares), depois uma adega e fundou um enoturismo com muito sucesso, gerido pela mulher, Fátima Santos. Um dos projectos mais originais com mais pergaminhos do Algarve.
quintadofrances.com

Quinta dos Capinhas
Mais um projecto familiar, explorado pela família Capinha, em Porches. Neste barrocal algarvio estão plantados, desde 2015, 8 hectares de vinha, que dão origem aos vinhos com a marca da quinta. A casa não possui adega, vinificando na Única, a cooperativa de Lagoa. Alguns brancos na Adega do Pateiro, na Quinta da Penina, com Pedro Mendes. O enoturismo é aqui muito explorado e costuma estar cheio, tal como as três villas que a quinta possui para alojamento de turistas, situadas em plena vinha.
quintadoscapinhas.com

Sul Composto
A empresa pertence a Carlos Garcias, anterior presidente da CVA. É agora um pequeno produtor, usando uvas de uma propriedade familiar em Burgau e comprando outras para vinificar com a marca Al-Mudd. Outra marca é Terraços da Fóia, que resulta de uma vinha arrendada a uma altitude de quase 700 metros, das castas Tinta Roriz e, mais recentemente, Riesling. Implantado em terraços virados a norte, ao estilo do Douro, este terroir é único no Algarve e Carlos não esconde a sua adoração pelo sossego do local, com uma vista deslumbrante.
sulcomposto.pt

(Artigo publicado na edição de Setembro de 2023)

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