Analisando os dados referentes às exportações de vinhos oriundos da região dos Vinhos Verdes, em relação logo ao primeiro semestre do ano transato, compreendemos porque motivo esta se mostra cada vez mais atrativa para investimentos de longo prazo. O ano de 2023 havia terminado com um crescimento, em volume, na ordem dos 8%, contabilizando 35 milhões de litros, de um total de 90 milhões de litros exportados, e cerca de 11% em valor. O primeiro semestre de 2024 surpreendeu com números pouco usuais para a conjuntura atual, representando, apenas nos dois primeiros meses do ano, um acréscimo de 30% no volume de exportações, o que mostra como a região se encontra dinâmica. Aparte isso, há uma toda uma nova conjuntura de consumo mundial que traz uma evidente vantagem competitiva à região.
O interesse da Granvinhos pela expansão além da sua zona de conforto, o Douro, já viria de há uns seis ou sete anos.
Perfil mais leve
Aliada à quebra do consumo mundial, há hoje uma busca mais premente por vinhos brancos, com um perfil mais leve e de mais reduzido teor alcoólico, algo que assenta como uma luva aos Vinhos Verdes.
Contudo, para Jorge Dias, CEO da Granvinhos, as decisões nem sempre se movem pela estrita e absoluta racionalidade. A aquisição da Quinta de São Salvador da Torre possuí essa mesma premissa.
O interesse da Granvinhos pela expansão além da sua zona de conforto, o Douro, já viria de há uns seis ou sete anos atrás, buscando novos projetos para alargar a sua área de influência. Inicialmente, o Alentejo foi aventado como uma hipótese, logo colocada de parte por se entender que não acrescentaria valor e diferenciação ao negócio. Numa perspetiva que alia a racionalidade à emoção, para Jorge Dias apenas duas regiões preenchiam, para si, as virtudes e características que pretendia acrescentar ao grupo: a Bairrada e os Vinhos Verdes. Colocada, por ora, de parte a Bairrada, com um negócio que não chegou a bom porto, o foco passou a incidir sobre os Verdes e, em 2022, surge a hipótese da Quinta de S. Salvador da Torre.
Alguns meses de negociações com o Grupo Soja de Portugal, proprietário da Quinta, e o negócio fez-se, mais uma vez com uma forte carga emocional pelo meio. Jorge Dias mantém, há mais de 30 anos, uma amizade forte com Anselmo Mendes, o enólogo e produtor que, à data, era o consultor do grupo agroalimentar, tendo sido já ele quem, em 2015, planeou a plantação das vinhas na vasta propriedade de Viana do Castelo.
No modelo para o futuro risonho desta quinta, o Loureiro é peça fulcral da engrenagem idealizada pela Granvinhos.
Cinco séculos preservados
É um extenso manto verde que envolve a quinta, cuja história remonta a 1512. São cerca de 37 hectares, 30 deles de vinhedos, que compõem uma propriedade totalmente murada, situada na margem direita do rio Lima e apenas 10 km de distância do Atlântico. No centro, e no seu ponto mais alto, ergue-se uma imponente casa senhorial, cuja edificação original remonta às primeiras décadas do séc. XVI, tendo, ao longo dos séculos, sido objeto de diversas intervenções e ampliações, remontando a última a 1925.
Percebendo a singularidade do património que ali se ergue, Jorge Dias entregou a sua reabilitação ao gabinete de arquitetura de Luis Pedro Silva, o autor da conceção do arrojado Terminal de Leixões. Com ele trouxe uma equipa de especialistas de arquitetura de reabilitação e história, vincando a pretensão de seguir, com rigor, uma obra que mantenha uma forte linha de coerência com um passado de cinco séculos.
É ainda na Idade Média que surgem as primeiras referências à Quinta, inicialmente parte integrante do Mosteiro Beneditino de S. Salvador da Torre, que recebeu carta de couto de D. Afonso Henriques em 1129. Ao longo dos séculos foram vários os proprietários que promoveram modificações de monta ao edificado original, destacando-se a família Rocha Brandão, que manteve a quinta na sua posse durante cerca de 400 anos, tendo sido, da sua lavra, a construção do solar, e a capela em devoção a Santo Isidoro, no século XVII, por Bula do Papa Júlio III.
Já no século XX, a quinta é adquirida pelo banqueiro José Carreira de Sousa, que, consigo, traz o arquiteto que, em 1912, ganhou o Prémio Valmor, pela “mais bela casa de Lisboa”, Villa Sousa. Manuel Joaquim Norte Júnior era o mais brilhante arquiteto da sua geração, representando um estilo eclético, com influências do geometrismo e do modernismo inspirado na Arte Nova. Em 1925, o solar acolhe, agora, a sua mais importante e recente obra de reabilitação, mantendo intacta a beleza das suas fachadas. Durante todo o século XX é desenvolvida, de forma mais sistemática e intensiva, a viticultura na Quinta, que chegou a produzir cerca de 120 pipas de vinho branco de qualidade admirada.
Em 1980, é adquirida pela Soja de Portugal, empresa que expande a atividade agrícola à pecuária, transformando a quinta num campo de ensaios nas suas áreas de atuação, tendo-a alienado à Granvinhos em 2022.
A consagração do Loureiro
No modelo para o futuro risonho desta quinta, o Loureiro é a peça fulcral da engrenagem idealizada pela Granvinhos para a sua entrada, com pompa, na região dos Vinhos Verdes. As condições naturais são perfeitas para qualquer modelo, seja ele de maximizar produções ou, como é o objetivo do grupo proprietário, criar vinhos de quinta, de absoluta diferenciação e produções que nunca ultrapassarão os 120 mil litros anuais.
A contiguidade ao Rio Lima e a abundância de água marcaram, durante séculos, o retrato da propriedade murada, com as suas charcas e fonte de mergulho medieval, dona da identidade que acaba por dar cor ao figurativo da marca. A água tem aqui duas vertentes umbilicalmente ligadas pela religião e pelas suas propriedades curativas.
A vinha domina a paisagem, cobrindo 30 hectares contínuos, cabendo ao Loureiro a maior mancha do vinhedo, com 14 hectares, sobretudo nas cotas mais elevadas da quinta, aí se encontrando também a parcela mais exclusiva, a Vinha dos Castanheiros, de onde são oriundas as melhores uvas da casta. Os solos estratificados permitem uma melhor avaliação da aptidão das suas diversas dimensões e composições – xisto, granito e aluvião – a cada uma das castas ali plantadas. Anselmo Mendes, que já desempenhava funções de consultoria há uma dezena de anos na propriedade, e foi o responsável pela plantação das vinhas atuais em 2015, desenhou-as de modo a delas extrair a máxima qualidade e identidade.
Os resultados começaram a surgir logo em 2023, tendo sido, recentemente, lançado o primeiro vinho com a chancela Quinta de S. Salvador da Torre, um Loureiro estreme, casta que, segundo Anselmo Mendes, encontra ali as condições ótimas para uma expressão de elegância e personalidade muito vincadas. Há, em Jorge Dias, uma crença muito elevada de que a Quinta se transformará, muito em breve, num referencial na região dos Vinhos Verdes. Para tal, afastaram-se ideias de volume, estando apenas a apostar-se na singularidade qualitativa, ensaiada numa componente de sustentabilidade ambiental muito forte que, por ora, passa pela produção integrada.
“Acredito no futuro do Vinho Verde e, em particular, nas castas Alvarinho e Loureiro. É um produto muito bem-adaptado aos novos tempos e hábitos de consumo, que necessita, contudo, de ser valorizado pela ligação às respetivas zonas de produção, bem como à dieta atlântica, na qual Portugal tem uma oferta ímpar”, refere Jorge Dias, Diretor-Geral da Granvinhos.
Para um futuro próximo, está planificada a construção de uma adega para vinificação própria, uma vez que, atualmente, os vinhos são elaborados numa adega externa, crendo-se que esteja concluída em 2027. Para a casa senhorial, cuja reabilitação segue a bom ritmo, ainda não há planos específicos, sendo certo que constituirá peça fundamental para o projeto de enoturismo que o grupo almeja para a Quinta.
Projetos de médio prazo, sob uma orientação disciplinada, mas apaixonada de Jorge Dias, homem cuja dimensão para sonhar e concretizar em nome da valorização do vinho português parece não ter limites.
(Artigo publicado na edição de Março de 2025)