Tudo começou com um Rufete de 2010, e hoje são já 13 varietais. O projecto Séries, da Real Companhia Velha, tem sido um autêntico esboço do presente e do futuro dos vinhos não fortificados da empresa. Um estudo aprofundado do potencial vitícola e enológico de cada casta antiga do Douro.
Texto: Mariana Lopes
Fotos: Real Companhia Velha
No Douro, estão reconhecidas cerca de 150 castas autóctones autorizadas para produção de vinho. Só nas vinhas velhas, encontram-se várias dezenas de variedades diferentes, umas mais populares e amplamente utilizadas nos vinhos de hoje, e outras já consideradas raras, existentes em pouca quantidade, algumas com excelentes aptidões na adega. Isto é mais do que razão para se tirar partido prático desta riqueza varietal, e é mesmo isso que a Real Companhia Velha está a fazer com o projecto Séries. “A grande vantagem das vinhas velhas do Douro não é apenas a idade, é, precisamente, a diversidade de castas que lá encontramos, como as familiares Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Amarela, naturalmente a Touriga Nacional, mas também outras muito interessantes como Tinta da Barca, Cornifesto, Malvasia Preta, Donzelinho Branco, Donzelinho Tinto… castas estas que produzem, e que se mostram adaptáveis às condições austeras do Douro”, sublinhou Pedro O. Silva Reis, Fine Wine Manager da empresa com sede em Vila Nova de Gaia, na apresentação dos novos Séries. Na verdade, foi esta diversidade que inspirou o nascimento desta gama de ensaios, onde se exploram diferentes técnicas na adega, castas e abordagens: em 2002, depois de várias visitas a campos ampelográficos do Douro, a equipa técnica da Real Companhia Velha inspirou-se e iniciou a aposta na recuperação de mais de 30 variedades autóctones.
Na Quinta do Casal da Granja, em Alijó, estão as brancas Alvarelhão Branco, Alvaraça, Branco Gouvães (ou Touriga Branca), Esgana Cão, Donzelinho Branco, Moscatel Ottonel, e Samarrinho. Já as tintas Bastardo, Donzelinho Tinto, Malvasia Preta, Preto Martinho, Cornifesto, Rufete, Tinta da Barca, Tinta Francisca e Tinto Cão, são da Quinta das Carvalhas, junto ao Pinhão. Quase todas foram plantadas pela empresa em parcelas estremes com área mínima de um hectare, para serem estudadas quanto ao comportamento agronómico e avaliado o seu potencial em vinhos varietais. Como explicou Jorge Moreira, responsável de enologia da Real Companhia Velha, foram “também às vinhas velhas à procura das castas mais antigas, para as vinificar separadamente”.
Famosa pelos seus vinhos do Porto, a Real Companhia Velha arrancou com o seu projecto de vinhos não fortificados — chamado Fine Wine Division — em 1996, ano em que resolveu “apostar na produção de grandes vinhos do Douro”, referiu o enólogo. “Começámos a melhorar a forma como tratávamos da vinha para termos uvas de qualidade, e a apostar em novas técnicas de vinificação, mais cuidadas e precisas. Sentimos necessidade de perceber, entre a enorme panóplia de castas que tínhamos, o que é que cada uma representava”, desenvolveu. Assim, ainda no final dos anos 90 e já com o “bichinho” dos estudos varietais, a empresa começou a engarrafar vinhos monocasta com as marcas Porca de Murça e Quinta de Cidrô, como Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Chardonnay, ou Cabernet Sauvignon. “Poucos se mantiveram, mas foram importantíssimos para percebermos as nuances de cada uma das castas na vinha e na adega, e permitiu-nos das um grande salto qualitativo”, explicou Jorge Moreira.
Com primeiro lançamento em 2012, de um Rufete 2010, as Séries contam já com 13 referências, algumas com mais de uma edição, o que totaliza mais de 30 vinhos, incluindo brancos, tintos e espumante. No recentemente inaugurado The Editory Riverside Hotel, em Santa Apolónia, foram lançadas as mais recentes colheitas dos Donzelinho Branco, Bastardo, Rufete, Malvasia Preta e Cornifesto; e também a novidade absoluta, um Tinta Amarela, cujas uvas têm origem na Quinta dos Aciprestes. Como “teaser” do que sairá em breve, provou-se um Samarrinho de 2019 e um Branco Gouvães de 2018.
“Isto é algo que teve um grande impacto na Real Companhia Velha. Os Séries marcaram muito a nossa forma de produzir vinho, criaram-se técnicas na adega muito a pensar nas uvas que estamos a vinificar, como uso ou não de engaço, maior ou menor extracção, remontagens… no fundo, aprendemos muito com este projecto”, afirmou Pedro Silva Reis, e Jorge Moreira rematou: “O que se passa aqui são as bases do futuro da Real Companhia Velha. Estamos entusiasmados, nunca fizemos vinhos tão bons, e falo de nós e do Douro em geral. Os Séries são, hoje, as sementes para fazer mais tarde vinhos ainda melhores. São lições que aprendemos, de conhecimento e de prazer”. Para “adoçar a boca”, a dupla revelou ainda que, na calha, está um Tinta da Barca e um Moreto…
(Artigo publicado na edição de Maio 2022)
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