Sugestão: A festa efervescente

O som da rolha a saltar de uma garrafa de espumante assinala o início de uma festa e Imediatamente se cria o ambiente e o estado de espírito. Embora estejamos longe de considerar um espumante uma bebida exclusivamente festiva, para isso torna -se indispensável. Provámos 14 espumantes para todos momentos da época que se avizinha.

TEXTO Valéria Zeferino

Existem muitas formas de criar efervescência no vinho. A ideia é sempre a mesma – captar (ou introduzir no caso de vinhos gaseificados) o dióxido de carbono (CO2) no vinho. Isto pode ser feito em cubas especiais sob pressão como no método Charmat (aka Martinotti ou Autoclave na Itália, Granvas em Espanha entre outros sinónimos), ou como no método Ancestrale numa única fermentação em garrafa. Mas quando estamos a pensar num espumante de qualidade, referimo-nos ao método tradicional, desenvolvido na região de Champagne em França, com mais ou menos sofisticação na sua elaboração e paciência no estágio.
Este método implica duas fermentações. A primeira resulta no vinho base, a segunda é responsável pela criação de bolhas – “prise de mousse”, como dizem os franceses.

Criar bolhas

Há vários detalhes no processo de espumantização que influenciam a qualidade do vinho final. A vindima normalmente ocorre mais cedo, quando as uvas apresentam menos grau provável e preservam a acidez. O melhor é vindimar à mão para apanhar apenas cachos saudáveis e minimizar a possibilidade de extração fenólica das películas e oxidação. Prensam-se cuidadosamente os cachos inteiros, muitas vezes com engaço que ajuda a criar canais de drenagem, evitando desta forma maior contacto de sumo com as películas. Depois segue a primeira fermentação para obter o vinho base. Normalmente é conduzida em cubas de inox, mas em certos casos acontece em barrica, como por exemplo, fazem Bollinger e Krug. A nível nacional, por exemplo, o vinho base para a Cartuxa Reserva fermenta também em barricas.
A fermentação maloláctica é opcional. Alguns produtores preferem bloqueá-la para preservar acidez e frescura e é mais válido para regiões quentes. Outros promovem-na para amaciar a textura e evitar excesso de acidez, sobretudo em regiões frias, como a Champagne.
O estágio do vinho base em barrica também é muito raro. A Bollinger faz isto, tirando o vinho depois da fermentação maloláctica e enchendo novamente as barricas, onde este fica com borras finas durante mais alguns meses. Os exemplos em Portugal são Cartuxa, Soalheiro, Vértice, que estagiam alguns dos vinhos base em barricas; no caso da Companhia das Lezírias este estágio é parcial.
O loteamento de vinhos base é extremamente importante. Em Champagne, onde as condições climáticas adversas não permitem todos os anos uma excelente vindima, por hábito juntam-se os vinhos de várias colheitas guardadas em cave para obter o melhor resultado e manter o estilo de casa. Os Champagnes com a indicação do ano de colheita são feitos apenas nos anos de excelência e, salvo algumas excepções, representam os topos de gama. No novo mundo, sobretudo nas regiões com clima mais estável, onde a variabilidade dos anos não é crítica, a maior parte dos espumantes são datados, independentemente da qualidade. Em Portugal não existia tradição de guardar propositadamente os vinhos das colheitas anteriores para fazer um lote final de espumante. Na Bairrada, por exemplo, esta possibilidade para os espumantes aptos a designação DOC surgiu com as alterações ao Estatuto da Região pela Portaria nº212/2014.
A segunda fermentação no método clássico ocorre em garrafa através de adição de leveduras e açúcar no chamado licor de tiragem. É nesta fase que todo o dióxido de carbono criado como o subproduto da fermentação, não tendo a forma de escapar, fica diluído no vinho.
O tempo de contacto com as borras dentro da garrafa tem um papel crucial na qualidade e no perfil do espumante. As leveduras mortas entram em decomposição (autólise), libertando aminoácidos, polissacários e manoproteinas, entre outras substâncias, que contribuem com textura e complexidade aromática. Isto não acontece de forma imediata, começa passado 4-6 meses depois de segunda fermentação for finalizada, e com o pH baixo e presença de CO2 fica ainda mais lenta.
Por esta razão, quanto mais paciência tiver o produtor, mais aromas autolíticos típicos de panificação, brioche, biscoitos e tosta terá o espumante. Durante o tempo de estágio sobre borras, o vinho é protegido da oxidação pelo ambiente redutor. O Champagne non-vintage tem que ficar sobre borras em garrafa durante pelo menos 12 meses e o millésimé 3 anos. Em Portugal, os estágios exigidos pela regulamentação, são mais curtos. O espumante corrente estagia 9 meses. Com um estágio de 12 meses já é considerado Reserva, com 24, Super-Reserva ou Extra-Reserva, mais de 36 meses, Grande Reserva ou Velha Reserva. A Murganheira, por exemplo, dá-se ao luxo de manter alguns dos seus espumantes em caves de 6 a 12 anos.
Para remover o sedimento das borras, as garrafas tradicionalmente são colocadas em “pupitres” onde são rodadas gradualmente para ficarem com o gargalo para baixo, deixando o depósito deslizar e acumular-se lá. Esta operação demorada (de 4 a 6 semanas) e trabalhosa, pode ser substituída pelo uso de giropaletes, equipamento que efectua a remuage sem prejudicar a qualidade e permite reduzir tempo até uma semana, poupar espaço e mão-de-obra.

Segue-se o dégorgement – o gargalo é congelado e as leveduras são expulsas com a abertura da cápsula. O vinho perdido neste procedimento é atestado com o licor de expedição que também permite ajustar o teor de açúcar, produzindo espumantes Extra-Bruto, Bruto, Meio-Seco e até Doce. Mesmo depois do dégorgement os açúcares de licor de expedição continuam a reagir com proteínas libertas durante a autólise, formando aromas de biscoitos, mel, frutos secos e tosta.
Quando o atesto é feito apenas com o próprio vinho sem ajuste de açúcar, estamos a falar do Bruto Nature com menos de 3 g/l de açúcar. Neste caso o produtor acredita que não mascarando o vinho com açúcar, interpreta melhor a pureza da casta ou do vinho. Assim faz Mário Sérgio da Quinta das Bágeiras – tudo de forma tradicional, manual e sem adição de licor de expedição.
É uma tendência relativamente recente. Antigamente os Champagnes e espumantes queriam-se doces. Basta lembrar que até meados do século XIX o Champagne podia conter cerca de 100 g/l de açúcar (é uma doçura de um vinho licoroso!).
Actualmente também existe opção de uso de leveduras encapsuladas (adotado, por exemplo, pela Soalheiro) e membranas com leveduras colocadas dentro do gargalo de garrafa. Neste caso não é preciso rodar as garrafas e a remoção de leveduras é mais fácil e rápida. Entretanto, como tudo, esta opção tem as suas particularidades que nem todos os produtores apreciam, sobretudo os que seguem mais de perto o método clássico champanhês. Com leveduras presas dentro das cápsulas ou membranas a sua actividade é mais lenta o que torna a fermentação mais demorada, propícia à criação de compostos oxidativos. Além de que, defendem o clássicos, a tal autólise (contacto com as leveduras) durante o estágio é muito mais limitada, originando geralmente vinhos com menos complexidade.

A performance no copo

Depois do dégorgement e opcionalmente algum tempo em garrafa para integrar o licor de espedição, o espumante está pronto a consumir.
O CO2 diluído no líquido encontra-se sob uma pressão de 5-6 atm, igual à pressão de um pneu de um camião. Na abertura de uma garrafa o gás irrompe com força, empurrando a rolha com velocidade de 40-60 km/h para restabelecer o equilíbrio de pressão dentro da garrafa com o ambiente. Os estudos do físico francês Gérard Ligier-Belair mostram que, neste momento, de uma garrafa de 750 ml liberta-se 5 litros de CO2, perdendo-se cerca de 80% de gás que estava na garrafa. Mas os restantes 20% contêm cerca de 20 milhões de bolhas por copo.
Quando se enche o copo, o CO2 continua a escapar o que se pode reduzir inclinando ligeiramente o copo durante o serviço.
Mas não basta o gás estar diluído na garrafa para se observar a dança das bolhas a dirigirem-se para cima. Segundo o mesmo estudo, existem factores necessários para as bolhas se formarem no copo – chamados pontos de nucleação – que podem ser pequenas imperfeições do fundo, microparticulas de pó ou microfíbras invisíveis à vista, deixadas pela toalha com que foi limpo o copo. As casas de Champagne, por exemplo, utilizam para as provas copos fabricados com incisões a laser para garantir constante e elegante perlage. Copos perfeitamente limpos também prejudicam a performance das bolhas e os resíduos de detergente são os maiores inimigos de efervescência.
Subindo, as bolhas formadas no fundo do copo, ganham velocidade e aumentam em tamanho. Isto explica porque os copos à antiga mais largos e rasos quase não têm espaço para as bolhas se desenvolverem e os flutes finos e altos oferecem mais show, mas bolhas mais grossas no fim acabam por ser mais agressivas para a sensibilidade do nosso palato. Por isto nem um nem outro modelo são as melhores opções para apreciar um espumante de nível superior. Escolham os copos mais largos em baixo e afunilados em cima ou simplesmente copos de vinho branco.
As moléculas aromáticas agarradas às bolhas levam aromas à superfície. Paradoxalmente, quando mais intensa é a perlage, mais bonito o copo fica à vista, mas mais depressa se esvazia de aromas e sabores que vão acabar à superfície do copo. Por outro lado, quanto menos bolhas se formarem, mais aromas e sabores retidos no vinho ficam disponíveis ao provador.

Método clássico no mundo e em Portugal

Champagne é Champagne e terá sempre o estatuto especial (como o Vinho do Porto). Mas não é raro de encontrar no mundo, Velho ou Novo, uns bons espumantes feitos pelo método tradicional, a começar pela própria França com crémants de Borgonha, Alsácia e Vale de Loire, só para nomear algumas regiões. Na Itália temos o Franciacorta produzido de Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Blanc; em Espanha – Cava feito de castas autóctones Xarel-lo, Macabeu e Parellada para além de Chardonnay e Pinot Noir; e sem se esquecer o recente sucesso de espumantes ingleses.
Do Novo Mundo vem o espumante da África do Sul, onde o método clássico é conhecido como Cap Classique; Na Austrália as regiões mais promissoras são Yarra Valley e Tasmania. Na Nova Zelândia alguns produtores que apostam na qualidade estabeleceram regras de produção de espumantes a partir de castas clássicas (Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier), chamado Méthode Marlborough. Nos Estados Unidos, as regiões mais frescas como o Anderson Valley em Mendocino County, Carneros e River Valley apostaram seriamente na elaboração de espumantes. Graças ao investimento das casas de Champagne também se nota o progresso na America Latina.
Em Portugal temos duas regiões com mais tradição em vinhos espumantes: Távora-Varosa e Bairrada. No início do século passado foram criadas as primeiras caves de espumante em Lamego e em 1989 à Tavora-Varosa tornou-se a primeira região demarcada de espumantes em Portugal.
Na Bairrada o primeiro espumante surgiu em 1890 por iniciativa do director da Escola Prática de Viticultura e Pomologia da Bairrada (que deu origem à actual Estação Vitivinícola da Bairrada), José Maria Tavares da Silva. Em 1991 foi oficialmente regulamentada a produção de espumantes com denominação de origem na região.
Hoje em dia, espumantes fazem-se em todas as regiões, do Minho ao Algarve, e há muito bons exemplos. Um deles, será as Caves Transmontanas no Douro com a marca Vertice desde 1989 (que mais uma vez presta a homenagem à região que é capaz de produzir grandes vinhos em categorias tão distintas como Vinhos do Porto, vinhos de mesa e espumantes).
Precisamente por isto, não querendo concentrar-nos apenas nas regiões “clássicas”, alargámos esta selecção de espumantes a outras regiões, nomeadamente, Vinho Verde, Douro, Lisboa, Alentejo e Beira Interior, procurando antes de tudo qualidade. Estes vinhos são de gama média-alta, até porque na maioria dos casos o estágio é prolongado que significa a retenção de capital durante vários anos.
Em termos de castas para fazer espumantes de topo, em Portugal do trio clássico de Champagne utilizam-se Chardonnay e Pinot Noir, mas as variedades nacionais também têm muito protagonismo. No Minho produzem-se espumantes bastante aromáticos de Alvarinho. Na Bairrada a Baga é uma das castas principais a assumir, de certa forma, o papel de Pinot Noir. Maria Gomes e Bical também são muito convincentes. A casta Arinto, tendo uma óptima acidez natural, mostra bons resultados na vertente de bolhas (e Cartuxa explora isto de uma forma brilhante). O Ribeiro Santo Blanc de Noir do Dão dá primazia a Touriga Nacional e Tinta Pinheira (Rufete) e a Ravasqueira aposta no Alfrocheiro para fazer o seu espumante.
O espumante, pela sua natureza é extremamente versátil. É claro que podemos entrar em detalhe e escolher os mais leves e nervosos para um aperitivo e mais encorpados e complexos para acompanhar um prato principal. Mas a verdade é que um espumante, melhor do que qualquer outro vinho, é capaz de acompanhar uma refeição de aperitivo até à sobremesa. Sendo assim, na dúvida – beba espumante![/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][fancy_box box_style=”default” icon_family=”none” color=”Accent-Color”]

O açúcar no espumante

 

  • Bruto natural < 3 g/l
  • Extra bruto 0 – 6 g/l
  • Bruto < 12 g/l
  • Extra seco 12 – 17 g/l
  • Seco 17 – 32 g/l
  • Meio seco 32 – 50 g/l
  • Doce > 50 g/l

 

Edição n.º32, Dezembro 2019

 

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