Provámos rosés provenientes do norte, centro e sul, litoral e interior do país, passando pelas ilhas. Por todo o território novos vinhos emergem, lado a lado com aqueles que foram pioneiros. Vinhos sérios, ambiciosos, diferentes, num movimento rosa apaixonante. Aqui fica uma vintena de sugestões menos óbvias, para partir à descoberta.
TEXTO Nuno de Oliveira Garcia
Apesar do tempo que levamos a compilar selecções anuais de rosés, a verdade é que a cada ano somos surpreendidos com novos vinhos. De néctar de nicho e aposta pessoal de produtores de vanguarda – casos de Dirk Niepoort (‘Redoma’), Domingos Soares Franco (‘Coleção Privada Moscatel Roxo’), Júlio Bastos (‘Dona Maria’) e, mais recentemente, Ravasqueira (‘Premium’) e Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (agora só com uma referência, tendo sido suprimido o Reserva) – o vinho rosé de perfil sério e elegante passou a modelo quase obrigatório numa gama. O exemplo mais acabado desta tendência é a empresa Wine & Soul que lança agora, na gama Manoella, precisamente um rosé para completar o branco e os tintos desta magnífica propriedade duriense. O mesmo tinha acontecido com a Quinta da Pacheca que lançou também um rosé reserva ambicioso não há muito tempo, fechando o seu portefólio de vinhos.
A cada ano somos também surpreendidos pelas novidades das regiões cuja aposta num rosé de qualidade é particularmente levada a sério, seja pela sua frequência e ocupação turística, seja por uma inata propensão para este tipo de néctar vínico. Casos notórios do Algarve e dos Açores que contribuem com duas referências cada para a nossa lista. Com efeito, a procura de vinhos leves e frescos por parte de clientes internacionais faz com que os rosés sejam uma seleção quase natural, em especial para o produtor tipo algarvio que invariavelmente esgota os seus rosés poucos meses depois de os ver lançados no mercado. A par das indicadas na nossa selecção, ambas estreias absolutas, diga-se, destacamos ainda as marcas algarvias Cabrita e Quinta do Barranco Longo (o mais interessante é a versão ‘Oaked’), cujos produtores levam já várias colheitas de experiência.
Na região do Tejo, de enorme projeção nos mercados internacionais, há muito que se levou a sério os seus rosés gulosos e atractivos, propícios para a exportação e não só, aspecto bem visível em produtores como Quinta da Lagoalva de Cima, Quinta da Alorna, Fiuza, Casal Branco, e até no irreverente Areias Gordas. Outra região muito bem-sucedida, e também na exportação, é o Alentejo, região que nos últimos anos tem vendido um valor próximo de 2,5 milhões de garrafas de rosés, e apenas nos referimos aos vinhos certificados. Marcas como Lima Mayer (sempre num registo estruturado) e Alento (Luís Louro/Monte Branco), bem como Herdade do Rocim (Rocim) e Paço do Infantes, estes dois últimos feitos a partir de Touriga Nacional, são referências deliciosas e obrigatórias.
Mais a norte, no Douro, o preço elevado do quilo da uva, em especial da Touriga Nacional, e a atenção maioritária dada a tintos (DOCs e Portos), fez com que durante muitos anos os rosés fossem tudo menos uma prioridade. Até há bem pouco tempo, para o protótipo produtor duriense, os rosés eram um vinho desinteressante e que não prestigiava a região (nada de mais errado, todavia). Tudo isso tem vindo mudar, com rosés cada mais ambiciosos e sedutores que em vez de desabonar a região, abrem-na a novos clientes. A par dos selecionados abaixo, vinhos como ‘Redoma’, verdadeiro pioneiro, ‘Vinha Grande’, ‘Vallado Touriga Nacional’, ‘Quinta Nova’, ‘Avidagos Reserva’ são óptimas compras.
Em busca da frescura
Mas quanto a regiões, a verdade é que existem terroirs mais propícios a rosés que outros… É certo que, como desenvolveremos adiante, um bom rosé é, sobretudo, um vinho feito na adega e vindimado na altura perfeita para obtermos um vinho gracioso e leve. Sucede, que existem regiões no nosso país que, sobretudo pelo seu clima, propiciam a produção de néctares muito frescos e de acidez vibrante. Neste domínio, as regiões atlânticas de Lisboa e da Bairrada ganham destaque, sendo que desta última vêm vários dos melhores rosés nacionais, como sejam ‘Aliás de Outrora’ (João Soares e Nuno Mira do Ó), ‘Giz’ (Luis Gomes, o fundador de um dos mais excitantes projetos da região), ‘Quinta do Poço do Lobo Reserva’ (Caves S. João) ou, mais recentemente, ‘Buçaco’ (Alexandre de Almeida) e ‘Casa de Saima’ (Graça da Silva Miranda), quase todos com recurso à casta Baga e/ou Pinot Noir. Também o exclusivo ‘Principal Tête de Cuvée’ – uma estrela no firmamento nacional de rosés, como atesta a nota na nossa seleção – é bairradino e 100% feito de Pinot Noir, com última edição ainda no mercado a ser a de 2010 (mas atenção, a segunda marca é igualmente de qualidade, de nome ‘Colinas’ cujo último rosé no mercado é de 2015).
Menos atlântica, mas ainda temperada e com alguma altitude, a região do Dão apresenta também um número significativo de bons rosés, casos do Quinta do Perdigão, Fonte de Ouro, Quinta de Lemos ‘Nélita’, ‘Elpenor’, entre outros. Um dos vencedores do nosso painel, ‘Tirados a Ferro’, provém precisamente da região, no limite sul, no terroir de Midões, outrora famoso pelos brancos. Um aviso: trata-se apenas de uma barrica (o que deveria ser “proibido” até, dada a escassez!) e o preço escalda… Quanto a castas, são várias na região a permitem a criação de vinhos elegantes e florais, como seja a Touriga Nacional, o Alfrocheiro e a Tinta Roriz, e a temperatura média – mais fresca que outras regiões vizinhas – ajuda no perfil elegante.
Por falar em castas, é notório que o actual perfil de rosé de gama alta privilegia uvas que proporcionam cor clara, aroma e prova de boca delicados, e com boa acidez. A casta Baga é daquelas que consegue preencher todos esses requisitos com relativa facilidade e, por isso, não espanta os bons resultados que almeja em rosé. Mais a norte, a casta Espadeiro é utilizada pela mesma razão, assim como a Negra Mole no Algarve, casta na qual cada cacho tem uvas em diferentes estados de maturação e cor. A omnipresente Touriga Nacional, quando vindimada cedo, contribui com os seus aromas florais muito elegantes, a Tinta Francisca apresenta cor aberta e fruto bonito, e a uva francesa Pinot Noir – com pouca cor, fruto elegante e por vezes fresco e subtil – também funciona bem, sobretudo em terroirs atlânticos.
Já que nos referimos a castas francesas, nos solos calcários e barrentos do sul de França – regiões de Bandol, Bergerac, Corbière – vingam as uvas Mourvèdre, Cinsault e Carignan. Alguns dos melhores produtores de rosé do mundo produzem precisamente na Provence os seus vinhos que são vendidos um pouco em todo o mundo como produtos sofisticados que são. Já no Ródano – regiões de Tavel e Lirac – é a Grenache que reina também nos rosés, e um pouco por todo o país a Syrah faz parte de lotes de rosés conceituados, tal como sucede no nosso país. A fruta encarnada do Aragonez/Tinta Roriz também proporciona, sobretudo em lotes, rosés de muito bom nível no nosso país, e o mesmo sucede em Espanha, na versão Tempranillo, sendo que o mercado espanhol tem sido palco de uma autêntica revolução rosa nas últimas três colheitas. Com efeito, depois de anos a privilegiarem tintos concentrados e maduros, os produtores espanhóis viraram-se para produtos mais leves e frescos, sendo a aposta em rosés de qualidade uma consequência natural dessa evolução.
Criar ambição
A regra é, portanto, evitar utilizar castas rústicas e com muita cor, como seja as francesas Alicante Bouschet, Petit Verdot, Grand Noir, a georgiana Saperavi ou a lusitana Vinhão. A uva Cabernet Sauvignon, salvo exceções, também não é uma das preferidas para rosé, sobretudo pelas notas vegetais que pode aportar ao lote final e pela quantidade de antocianinas na película que tingem significativamente o líquido (por isso, aliás, não há hábito de fazer brancos de Cabernet…). Uma alternativa à utilização exclusiva de castas tintas passa pela inclusão de uvas brancas no lote final, solução que em Portugal foi seguida pelo conhecido produtor Soalheiro misturando Pinot Noir e Alvarinho, com a versão de 2019 a ser talvez a mais bem conseguida até hoje. Outros produtores nacionais também incluem uma pequena parte de vinho branco nos rosés, mas não o referem nos rótulos ou contrarrótulos. Mais assumida é a política de utilização de borras de vinho branco na elaboração de rosés sempre com belíssimos resultados, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o vinho final. Na verdade, existem nos rosés de topo de gama com tendências comuns evidentes, como seja a utilização de bica aberta (evitando-se a sangria de tintos) e a fermentação (em parte ou totalmente) em barrica.
Tal como escrevemos no passado, um dos maiores desafios dos rosés em Portugal é ser levado a sério enquanto vinho, e ser vendido um preço relativamente alto. Em todo o caso, como a nossa selecção demonstra, já são vários os rosés em Portugal acima de 10€ e mesmo de 20€. Em França, os melhores produtores (não necessariamente os mais famosos…) – como seja Domaine Hauvette Domaine de Terrebrune ou Clos Cibonne –, raramente ultrapassam o preço de €30 a garrafa, e o mesmo sucede com os melhores rosés espanhóis como ‘Pícaro del Aguilla’ (que na verdade é um clarete), e ‘Viña Tondonia Gran Reserva’ (Lopez de Herédía), este um pouco mais caro e vendido sempre com mais de 5 ou 6 anos a contar da vindima. Nos Estados Unidos da América, aí sim, a moda de rosés explodiu faz já alguns anos fazendo com que seja difícil encontrar um topo de gama abaixo de $50, sobretudo se constar da famosa lista dos 100 melhores vinhos do mundo…
Outro desafio é a definição do conceito ou tipo de rosé, sempre que falamos de um néctar topo de gama. Será um rosé de guarda, gastronómico ou de terroir? De terroir é mais difícil de concordar, pois não só se produzem bons rosés em todo o território nacional, como os rosés são, por regra, menos marcados pelas nuances e diferenças entre regiões do que brancos e tintos. A explicação para esse fenómeno reside no facto de as uvas serem colhidas muito cedo (por vezes mais cedo do que as uvas brancas), bastante antes de a maturação fenólica estar completa. Por outro lado, como as uvas são vindimadas cedo, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas das regiões mais a sul não costumam ser um problema. Isso faz com que o líquido, quase sempre lágrima apenas, seja muito leve e fresco, mas relativamente indiferenciado e incaracterístico quando à casta ou ao solo… Na verdade, um bom rosé depende mais dos cuidados e exigências na (data da) vindima e na adega do que do ano agrícola ou das particularidades de uma região. Mas este facto em nada deve afastar o consumidor deste tipo de vinho, muito pelo contrário. A razão de termos cada vez melhores rosés portugueses é o maior nível de profissionalismo por parte de produtores e enólogos no nosso país. Paralelamente, a razão de termos cada vez mais e diferentes rosés é o consumidor cada vez estar mais esclarecido e sem preconceitos. Não queira ficar de fora…
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