Touriga Nacional, um tesouro português

Touriga Nacional é a casta mais conhecida e celebrada de Portugal. Possui um pedigree nobre, é uma uva com carácter e desempenha papel vital nos lotes de alguns dos melhores vinhos portugueses. E, além disso, também é capaz de produzir vinhos varietais excelentes.

 

TEXTO Dirceu Vianna Junior MW FOTOS Ricardo Palma Veiga

APESAR de ser uma casta portuguesa emblemática, a Touriga Nacional plantou as suas raízes em vários cantos do mundo, incluindo Priorato, Califórnia, Washington State e Virgínia. Na Nova Zelândia, Trinity Hill elabora um bom exemplar. Na África do Sul, pode ser encontrado em Allesverloren, Boplaas e De Krans. Em Barossa Valley, na Austrália, St Hallet estabeleceu os seus primeiros vinhedos de Touriga Nacional em 1976 e conseguiu resultados tão impressionantes que após a vindima um dos enólogos visitantes decidiu levar mudas para sua terra natal em Hunter Valley. Foi uma decisão certa, pois recentemente ganhou um troféu no Sydney Wine Show com um lote de Touriga Nacional e Shiraz.

Do outro lado do mundo, um dos melhores exemplos da Argentina vem da empresa Vinalba, onde o francês Hervé Joyaux Fabre uniu forças com o português Rui Reguinga. Viñalba 2013 ‘Cuvée Couture’, um lote de Malbec e Touriga Nacional, é excepcional. O aroma é convidativo, com notas de amoras, bergamotas e ervas mediterrâneas secas. Na boca conta com frutas negras maduras e sumarentas, taninos finos e um final de boca persistente. Um dos melhores exemplos de Touriga Nacional que eu já provei fora de Portugal. Ao contrário, Familia Zuccardi recentemente decidiu arrancar uma parcela de Touriga Nacional que tinha no sul de Mendoza. Sebastian Zuccardi explicou que as videiras expostas à humidade excessiva sucumbiam a doenças demasiadas vezes para serem comercialmente viáveis.

Há também plantações de Touriga Nacional nos vinhedos de altitude em Santa Catarina, Brasil, na Quinta da Neve. Anselmo Mendes, responsável pela supervisão do projeto, descreve Touriga Nacional de excelente qualidade com elegantes aromas florais que relembram o Dão e um perfil de frutas escuras semelhante ao Douro. Átila Zavarize, o enólogo residente, admira a casta apesar da sua sensibilidade ao míldio, antracnose e botrytis devido ao clima mais húmido. Segundo Átila, que actua sob orientação de Anselmo Mendes, a proposta buscar um estilo de vinho de média guarda, corpo médio, elegante com boa intensidade de fruta e aromas delicados, incluindo um leve floral.

A colheita atípica de 2003 fez com que os produtores na França levassem mais a sério a ameaça das mudanças climáticas. Por esse motivo o Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola (INRA), apoiado pelo Conselho Interprofissional dos Vinhos de Bordéus (CIVB), iniciou uma pesquisa plantando dezenas de castas adaptáveis a um clima mais quente, incluindo Touriga Nacional. Talvez seja cedo demais para especular se a casta poderia ser usada no futuro num lote bordalês, mas isso não é de todo inconcebível. Como exemplo, uma casta já esquecida há tempo chamada Gros Verdot compôs parte do lote de Chateaux Lafite da colheita de 1868; e antes de 1850 não era incomum encontrar castas como Alicante e Bénicarlo em lotes de Bordéus. Isso demonstra que às vezes as coisas precisam de evoluir para sobreviver.

Salva da extinção
De volta a Portugal, onde tudo começou, a Touriga Nacional foi classificada por Lobo e caracterizada por Fonseca já em 1790 em conexão às sub-regiões do Douro e Beiras, embora muitos sustentem que sua origem está no Dão, onde mostra alta diversidade morfológica. Quem defende essa tese cita a aldeia de Tourigo, distrito de Viseu, entre Santa Comba Dão e Tondela, onde alguns acreditam que o nome da casta se originou. Independentemente da sua origem, já era considerada progenitora dos melhores vinhos de Portugal há mais de século, conforme atestado pelo autor Villa Maior em 1870.

Durante o século XIX, a Touriga Nacional era responsável por 100% dos vinhos tintos do Dão e as plantações caíram dramaticamente para apenas 5% nos meados do século 20. O principal motivo dessa queda foi o desafio comercial devido ao baixo rendimento da planta, um fator que foi ampliado pelo uso de porta- enxertos inadequados, usados para replantar vinhedos após o ataque da filoxera. No vale do Douro, as plantações tornaram-se praticamente extintas, atingindo uma figura microscópica de apenas 0,1% dos encepamentos na década de 1970.

Antonio Graça, responsável pela área de Pesquisa e Desenvolvimento da Sogrape e uma autoridade no que diz respeito à diversidade das castas portuguesas, explica que a casta foi salva da extinção por um grupo de profissionais locais, incluindo Luís Carneiro, Nuno Magalhães, José Eduardo Eiras e Antero Martins, actual presidente da PORVID, Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira. O grupo estava muito preocupado com o iminente desaparecimento da Touriga Nacional.

Naquela época, não era incomum videiras produzirem menos de 0,8kg e o principal objetivo era obter volume maior de produção e melhorar a viabilidade comercial. O trabalho começou na década de 1970 e durou até à década de 1990, quando pesquisadores conseguiram determinar material genético capaz de produzir, em alguns casos, cerca de 1,5 kg por planta. Com a missão cumprida, a Touriga Nacional recuperou sua área plantada, inicialmente no Cima Corgo, no Douro Superior e depois migrando para outras partes do país.

Hoje existe uma incrível riqueza de clones de Touriga Nacional. Numa vinha experimental da Quinta da Leda existem 197 clones distintos da casta, embora o interesse comercial seja focado num pequeno grupo com menos de 15 clones. Devido à seleção clonal feita no passado em busca de maior rendimento, acredito que é provável que material de altíssima qualidade tenha sido esquecido. Pelo menos o património genético foi conservado e a oportunidade de realizar uma nova seleção buscando pura e simplesmente qualidade ainda é ainda plausível.

Antonio Graça é a favor de que produtores plantem uma seleção dos melhores clones para terem uma certa diversidade e obterem melhores resultados. José Lourenço, da Quinta dos Roques, revela que o material utilizado para o vinho varietal da quinta provém de uma parcela plantada usando uma combinação de clones e acredita que, além de conferir bom caráter varietal, isso ajuda diminuir a ameaça de doenças. No entanto, existem parcelas antigas plantadas há cerca de 40 anos onde foi usada seleção massal e esse componente é destinado para a gama reserva da Quinta.

A Touriga Nacional origina melhores resultados quando é combinada com porta-enxertos de baixo rendimento e a escolha exacta dependerá das condições locais. Por exemplo, no Douro Superior os porta-enxertos Castel 196-17, Richter 110 e Paulsen 1103 parecem ser mais adequados às condições locais, segundo António Graça.

De acordo com os números mais recentes publicados pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), a Touriga Nacional é a quinta casta mais plantada em Portugal, com 13.168 ha. O Douro lidera as plantações com 4.975ha, seguido de Dão (3.985ha) e Alentejo (1.561ha).

Expressar o terroir
A Touriga Nacional tem cachos moderadamente compactos, pequenos, pesando tipicamente um pouco mais de 100 gramas, embora alguns possam atingir até 250 gramas. Os bagos apresentam uma pele espessa e a casta adapta-se a diversas condições climáticas. Prefere lugares com alta incidência solar e calor, embora o excesso possa levar à seca, resultando em queimaduras e perda prematura de folhas. A casta é vigorosa e o excesso de vigor resulta em porte prostrado que por sua vez pode sofrer com excesso de vento, resultando em danos físicos à planta. Embora na região de Lisboa, de clima fresco e atlântico, de acordo com Sandra Tavares, enóloga responsável na Quinta de Chocapalha, a casta se tenha adaptado muito bem e uma das suas vantagens é não se apresentar muito vigorosa, sendo possível atingir excelente equilíbrio e qualidade.

As questões de baixos rendimentos são exacerbadas devido a tendência para o desavinho e a bagoinha, apesar de os clones actuais ajudarem a reduzir esses fenómenos. A planta também é suscetível ao oídio. A variedade tende a brotar e florar precocemente, o pintor acontece em época média e o amadurecimento ocorre tarde, sendo no Douro uma das últimas a ser vindimada. O longo ciclo pode ser um problema em áreas como o Dão. De acordo com José Lourenço, da Quinta dos Roques, as videiras podem ser expostas à geada no início do ciclo e podem ser expostas ao risco de chuva no final do ciclo.

A variedade adapta-se bem em diferentes tipos de solos. Na opinião de José Lourenço, cuja família tem parcelas em diferentes tipos de solo, o xisto dá vinhos intensos, equilibrados e mais encorpados. Os solos graníticos parecem dar vinhos com frescor e acidez nítida, taninos finos e bem estruturados e perfil aromático mais vibrante. António Graça acredita que o solo calcário é o mais adequado nas condições áridas do Alentejo. Na região de Lisboa, a Quinta de Chocapalha encontra-se em solos argilo-calcários e o vinhedo, que dispõe de boa amplitude térmica, produz fruta com excelente cor, taninos elegantes, muito boa acidez e sem potencial alcoólico excessivo. De acordo com o enólogo Hamilton Reis, de Cortes de Cima, do Alentejo, apesar de a casta ter um carácter forte, é possível identificar sua origem. Uma das vantagens da Touriga Nacional é a capacidade de expressar o terroir. Entretanto, em regiões muito áridas ou vindimas muito quentes, é importante gerenciar o stress hídrico para evitar a desidratação de frutas e que as videiras percam folhas, o que pode fazer cessar a maturação fenólica, resultando em vinhos pouco equilibrados.

Embora traga uma série de desafios no campo, é reverenciada logo que entra na adega. Na década de 70, a Touriga Nacional representava apenas 0,1% das plantações durienses

É interessante perceber que os vinhedos do Douro foram classificados usando um sistema bastante meticuloso e preciso, mas essencialmente estabelecido e orientado para vinhos fortificados e não para os vinhos de mesa. Consequentemente, os melhores vinhedos em áreas mais quentes, classificados no topo da tabela como A e B, consistentemente produzem excelente fruta para vinhos do Porto. Mas o sistema de classificação qualitativa não funciona quando se trata de vinhos de mesa, pois as vinhas posicionadas em áreas mais frias são muitas vezes melhores fontes de uvas para vinhos tranquilos.

A decisão sobre a hora da colheita é vital, pois em regiões quentes pode rapidamente haver um excesso de maturação. Contando que a vinha esteja bem gerida e não houver falta de água à planta, vale a pena esperar que o nível potencial de álcool atinja cerca de 13,5% ou 14% para assegurar a extractibilidade adequada de antocianinas, precursores aromáticos e taninos, e ao mesmo tempo manter o equilíbrio e frescor necessários para um vinho tinto de alta qualidade.

Touriga na adega e no copo
Quando as uvas se destinam ao vinho fortificado, o segredo é encontrar a melhor extrabilidade dos polifenóis possível, mesmo que isso venha à custa de um ligeiro excesso de maturação. António Graça concorda que neste caso é tolerável um pequeno grau de desidratação dos bagos quando as peles perdem elasticidade, os níveis de açúcar aumentam, a acidez diminui. Importante é que os polifenóis estejam bem formados e sejam mais facilmente extraídos, o que é vital para esse estilo de vinhos. Embora a Touriga Nacional seja uma casta que traz uma série de desafios no campo, é reverenciada a partir do momento que entra na adega. Entre muitas qualidades, é uma casta versátil, capaz de fazer vinhos espumantes de alta qualidade e também responsável por alguns dos melhores vinhos rosés de Portugal. É reverenciada pelos produtores de vinhos do Porto e capaz de produzir vinhos tintos de excelência. Tipicamente apresenta cor profunda, aromas intensos de frutas escuras e notas de violetas, bergamota, ervas mediterrâneas secas e outras características, dependendo de sua origem. A sua estrutura é bastante firme e possui acidez equilibrada.

Alguns produtores são de opinião de que, por si só, pode às vezes ser uma casta unidimensional. A componente floral, se em excesso, pode eventualmente tornar os vinhos monocromáticos e com falta de dimensão. Hamilton Reis alerta que precisa haver cuidado pois um vinho facilmente se deixa dominar pela presença da Touriga Nacional. No entanto, encontrado o ponto de equilíbrio entre os demais componentes, a sua participação é marcante, dando profundidade, intensidade e um senso geral de nobreza ao vinho. A Touriga atua bem em lotes com várias castas, especialmente Tinta Roriz, Touriga Franca, Tinto Cão, Trincadeira, Tinta Barroca, Jaen e Alfrocheiro.

Em termos de vinificação, os seus bagos pequenos permitem uma extração completa e abundante. Mas recomenda-se uma vinificação delicada, para proteger os compostos aromáticos e evitar uma extração excessiva de taninos, um problema frequentemente encontrado em vinhos tintos portugueses.

Hamilton Reis afirma que os depósitos de aço inoxidável ajudam elaborar vinhos mais suaves, de taninos menos vivos, enquanto que a vinificação em lagar parece promover vinhos com maior dimensão e profundidade. Sandra Tavares explica que o facto de haver maior exposição com o oxigénio e maior contacto entre película e mosto confere ao vinho mais amplitude. Hamilton Reis adverte sobre o apetite da Touriga Nacional para desenvolver acidez volátil e a facilidade de a temida Brett (responsável pelos aromas animais, a couro) se poder instalar, exigindo assim uma vigilância constante. José Lourenço opta por fazer a fermentação maloláctica em aço inoxidável para manter a elegância e o frescor. No entanto, para vinhos que exigem uma acidez untuosa ou taninos menos adstringentes, a malolácita pode ser conduzida na barrica, afirma.

Em termos de harmonização, a Touriga Nacional, sendo uma casta que produz vinhos expressivos e firmemente estruturados, requer pratos igualmente ricos e com carácter para ajudar a complementar a sua abundante fruta e taninos opulentos.

Vários tipos de carnes vermelhas, tanto grelhadas como assadas, funcionariam bem. Além disso, cordeiro assado, costelas de porco, pato, a maioria dos tipos de linguiças e feijoada também cai bem com Touriga Nacional. Carne rica em especiarias frequentemente utilizada na cozinha asiática também pode ser uma boa combinação. No entanto, é preciso haver cuidado com alimentos excessivamente apimentados, pois o excesso magnifica a sensação dos taninos e esconde as delicadas nuances de violetas, bergamota e atraentes notas de ervas. No final da refeição, queijos maduros podem ser um excelente acompanhamento para Touriga Nacional.

A Touriga Nacional envelhece muito bem em barricas de carvalho, principalmente francês. Após o seu período de afinamento tem excelente potencial de envelhecimento na garrafa, embora às vezes tenda a “fechar-se” após alguns anos, da mesma forma que acontece com um bom Pinot Noir da Borgonha, apenas para ressurgir anos depois com perfil mais maduro, sofisticado e complexo.

Na lista de castas portuguesas publicada pelo Instituto da Vinha e do Vinho não há sinónimos oficiais para Touriga Nacional, embora em certas regiões se refiram nomes como Preto Mortágua, Tourigo, Touriga, Touriga Fina, Azal Espanhol e Carabuñera na Espanha. Seria sensato unificar a terminologia e seguir o conselho do Instituto da Vinha e do Vinho. Touriga Nacional é um tesouro nacional e deve ser tratado com orgulho e respeito. Já é suficientemente árduo para as pessoas não habituadas a falar português tentar dominar a diversidade de castas que Portugal tem para oferecer. Não é necessário adicionar sinónimos para complicar a vida do consumidor internacional ainda mais. Vamos concordar que a casta mais nobre de Portugal se chama Touriga Nacional?

Vinhos recomendados
Passadouro (Douro Touriga Nacional tinto 2014)
Quinta do Passadouro
18,5 valores
PVP € 20

Quinta da Pellada (Dão Touriga Nacional tinto 2011)
Quinta da Pellada
18 valores
PVP € 57

Villa Oliveira (Dão Touriga Nacional tinto 2011)
O Abrigo da Passarella
18 valores
PVP € 35

Casa de Santar Vinha dos Amores (Dão Touriga Nacional tinto 2011)
Soc. Agrícola de Santar
17,5 valores
PVP € 24,90

Cortes de Cima (Reg. Alentejano Touriga Nacional tinto 2014)
Cortes de Cima
17,5 valores
PVP € 27

CH by Chocapalha (Reg. Lisboa Touriga Nacional tinto 2013)
Casa Agrícola das Mimosas
17 valores
PVP € 28

Fonte do Ouro (Dão Touriga Nacional Reserva Especial tinto 2015)
Soc. Agrícola Boas Quintas
17 valores
PVP € 18,90

Quinta dos Carvalhais (Dão Touriga Nacional tinto 2015)
Sogrape
17 valores
PVP € 14

Quinta dos Roques (Dão Touriga Nacional tinto 2015)
Quinta dos Roques
17 valores
PVP € 25

Quinta do Noval (Douro Touriga Nacional tinto 2015)
Quinta do Noval
17 valores
PVP € 40

Touriga Nacional da Peceguina (Reg. Alentejano Touriga Nacional tinto 2015)
Herdade da Malhadinha Nova
17 valores
PVP € 25

Adega Mayor (Reg. AlentejanoTouriga Nacional tinto 2015)
Adega Mayor
16,5 valores
PVP € 12,80

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