Domingos Alves de Sousa, nos anos 80, esteve destinado a outras façanhas na sua área de formação académica, a Engenharia Civil. Quis a boa fortuna que os astros se tenham conciliado para o levar para a vitivinicultura, onde implementou, após emancipação do negócio que levava a família a vender uva às grandes casas durienses, uma forma de olhar sobre o Douro como região apta a criar vinhos tranquilos de enorme qualidade e potencial de notoriedade que os colocasse ao nível dos vinhos do Porto. O chamamento da terra e o rigor técnico, tornaram-no um dos mais notáveis e reputados produtores nacionais, um dos nomes maiores do vinho português.
Abandonando a actividade profissional em 1987, aceitou o legado de vinhas no Baixo Corgo, que herdou da família, prestando juramento eterno à nobre arte de criar vinhos referenciais, lançando as bases para um novo paradigma duriense de dar ao mundo vinhos tranquilos plenos de personalidade, reflexo de uma região onde a viticultura é heroica. O Cima Corgo é adoptado mais tarde, através da aquisição da Quinta da Oliveirinha à irmã e cunhado. A partir daqui, estavam reunidos todos os predicados para completar a obra.
Desde o prefácio, iniciado em 1991 com o lançamento do primeiro vinho, muitos foram os capítulos escritos nestes trinta anos, todos eles de notório sucesso. E já lá vão 30 anos!
Para celebrar a última das três décadas dedicadas ao vinho, Domingos Alves de Sousa, cuja caminhada segura é agora acompanhada pelos seus dois filhos, Tiago, que assume de forma plena a enologia, e Patrícia, a responsável financeira por manter as contas em dia, lança agora a segunda edição do “Memórias” Alves de Sousa, uma compilação vínica onde se condensaram num único vinho os testemunhos de 10 anos dos seus maiores tributos. Uma década onde cada vinho conta um capítulo de vinhas (Gaivosa, Abandonado, Lordelo, Vale da Raposa, Caldas e Oliveirinha) e dos vinhos que delas brotaram.
O “Memórias conta-se em 7 capítulos de sentido cronologicamente decrescente. O seu I Capítulo nasce do Quinta da Gaivosa, Vinha do Lordelo 2019, a mais velha vinha da Gaivosa, onde 30 castas autóctones, plantadas em conjunto, pintam um quadro sublime e raro, que estabelece um diálogo entre os solos, a vinha e o clima, potenciado por uma vinificação onde se destacam castas à beira da extinção e o estágio de 22 meses em barricas de carvalho francês, metade novas e metade usadas de segundo ano.
Há um II Capítulo que se mostra como dedicatória à Tinto Cão, casta autóctone duriense, capaz de se afirmar em vinhos de perfil elegante, cor mais aberta, mas profundamente autênticos. Vale da Raposa Tinto Cão 2018 é uma página de um percurso do campo experimental nesta vinha para o estudo das castas, concebido em 1999, onde a Tinto Cão assumiu, desde início, um papel de destaque.
A terceira parte, faz-nos subir ao Cima Corgo, onde o Vinha Franca 2017 da Quinta da Oliveirinha, se expressa, dando predominância à Touriga Franca, polvilhada por breves apontamentos das demais castas autóctones. Foram necessários dez exaustivos anos de estudo para uma total compreensão dos solos e vinhas, nesta que era a primeira incursão de Alves de Sousa no Cima Corgo. Com um perfil de um Douro mais clássico, e quente, este retalho do “Memórias”, exala a vertente floral e a suculência da fruta, com um toque de pimenta preta.
Para o IV Capítulo ficou destinado um ano improvável, 2016, que, mostrando amplitudes térmicas elevadas, conseguiu alcançar uma elegância notável no Quinta da Gaivosa Vinha do Lordelo 2016. Aqui, o destaque foi potenciado pela Tinta Amarela, outra das castas que esteve em risco de extinção e, actualmente, volta a surgir, conferindo elevada frescura e autenticidade ao lote.
O Quinta da Gaivosa 2015, encerra o V Capítulo, trazendo a expressividade da origem de tudo, onde as vinhas pré-centenárias observam o Marão e a floresta desenha nos vinhos um carácter inimitável e terroso.
O testemunho da resiliência, surge no “Memórias” contado pelo Abandonado 2013, um vinho impossível, nascido de vinhas cujas raízes venceram a dureza xistosa, onde nenhuma outra vegetação resiste, apenas a vinha velha que apruma a personalidade do Douro.
O derradeiro Capítulo ficou reservado para o Alves de Sousa Reserva Pessoal, encerrando com o magnífico ano de 2011 os sete passos das Memórias de uma década de afirmação nacional e internacional, onde a marca Alves de Sousa é, hoje, garantia de valor maior e seguro do Douro.
“Memórias” Alves de Sousa, mais que um vinho, é um manifesto de uma carreira ao longo da qual nos foram ofertados alguns dos melhores vinhos portugueses. “Memórias”, une as partes para criar um vinho majestoso.
(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2024)