Duas visões do Douro

São das propostas mais recentes do turismo duriense. Uma aposta num turismo mais massificado, a outra assume uma filosofia de recolhimento. De um lado o turismo de passagem, do outro a estadia. Diferentes como são, coincidem num ponto fundamental: com elas, o Douro fica ainda mais apelativo!

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

O Douro continua a marcar pontos no panorama turístico português e reafirma-se como o exemplo mais perfeito de como o enoturismo se infiltrou tanto na imagem e na oferta de Portugal que já deixou de ser um nicho. Aqui, por entre encostas talhadas à mão e um rio que espelha a paisagem que o rodeia, tudo nos fala de vinho e dos homens que regaram a terra com suor para o fazerem crescer por entre placas de xisto. Mas, ao mesmo tempo que é omnipresente, o vinho também sabe partilhar a ribalta com outros argumentos destas paragens mágicas.

De carro, comboio ou barco (e até de helicóptero, para os mais abonados), descobrir o vale do Douro é sempre um espectáculo de perder a respiração. E para isso nem precisamos de gostar de vinho – embora ajude, caros abstémios! Não espanta, por isso, que a multidão de visitantes seja cada vez mais heterogénea, interessada nos vinhos e nas vinhas que lhes dão origem, mas não só: a natureza, o património histórico, as gentes. E também as experiências. Ninguém ficará desiludido.

À medida que cresce o fluxo turístico, também a oferta se alarga e diversifica. Com propostas muitas vezes bem diferentes, mas que se complementam. Desta vez, rumámos à zona do Pinhão para conhecermos duas apostas recentes – uma ambiciosa renovação e
uma estreia absoluta. De um lado, potenciam-se as visitas e as experiências de um dia; do outro, a aposta vira-se para a estadia, num clima de sossego e exclusividade.

Para quem chega ao Pinhão pelas cénicas EN222 e EN323, há agora motivos reforçados para sair à direita mesmo antes da entrada na ponte metálica que nos leva ao centro da vila duriense. A Quinta das Carvalhas, enorme (500 hectares) propriedade icónica da Real Companhia Velha, recuperou infra-estruturas e reformulou a oferta enoturística com propostas e paisagens irrecusáveis. Para quem prossegue na EN222 junto à foz do rio Torto, a viagem é um pouco mais longa, mas vale bem a pena: alguns quilómetros mais à frente, junto à localidade de Ervedosa do Douro, inflectimos na direcção do rio e vamos encontrar a nova Vineyard Residence da Quinta da Gricha, um piscar de olho da Churchill’s a quem sonha com o silêncio e a sedução dos grandes espaços.

QUINTA DAS CARVALHAS
O Verão estava a chegar e não haveria melhor altura para a Quinta das Carvalhas aparecer de cara lavada para seduzir os turistas que rumavam ao Pinhão. Logo no início de Junho,
era apresentado o resultado do investimento feito na remodelação da loja, agora mais moderna, funcional e sedutora. Mas, acima de tudo, o que vinha à tona era o trabalho imenso (e dispendioso…) de embelezamento e reabilitação de caminhos, canteiros, espaços de lazer e edifícios. Hoje, a Quinta das Carvalhas é um verdadeiro jardim panorâmico, com estradas alcatroadas, miradouros arranjados, canteiros bem cuidados, muros e passeios impecáveis. E isto sem nunca deixar de ser uma quinta dedicada à agricultura.

Desde a loja, à beira-rio, até ao ponto mais alto, a casa redonda que coroa a propriedade a 550 metros de altitude, não se encontra um pedacinho de lixo pelo chão, nunca circulamos
fora de superfícies pavimentadas (a não ser que optemos por andar a pé por entre as vinhas), há uma sensação de harmonia que se entranha quase sem darmos por ela. “E isso é muito importante quando, no final, provamos os vinhos da casa!”, sentencia Álvaro Martinho, o responsável pela viticultura das Carvalhas.

É com ele que vamos partir montanha acima, à descoberta da biodiversidade deste naco privilegiado de Douro. E é sempre da região que fala o nosso anfitrião, protagonista da visita Vintage (personalizada, em veículo todo-o-terreno) que, inicialmente, foi encarada como um produto de nicho e que agora se tornou campeã de popularidade.

Diga-se que o nosso anfitrião faz bem por merecer a preferência do visitante. Álvaro é um verdadeiro David Attenborough do Douro: trepa rochas, pendura-se em raízes nas barreiras da estrada, desenha a xisto sobre o asfalto, esmaga ervas com os dedos para lhes extrair aromas, trepa rochas e muros… A dada altura, perante uma menina chinesa que acompanha a família, ensaia mesmo uns truques de magia com uma moeda, antes de atacar, em inglês, a temática das vinhas velhas com castas misturadas.

E se o que faz é, por si só, um espectáculo memorável, convém não julgar o livro apenas pela capa: o que Álvaro nos diz é que, apesar da aparente pobreza, estes solos do Douro (e mais exactamente nesta zona central, grosso modo entre a Régua e a Foz do Tua) sustentam uma incrível variedade de espécies vegetais, que, por seu turno, são a base de uma vida animal abundante. Ou seja, o que Álvaro nos diz é que este solo é especial e que reside aí a explicação para o carácter único dos vinhos que aqui nascem.

Sempre com a fita espelhada do Douro lá em baixo, passamos por vinhas, mato virgem, miradouros e antigas construções; apreciamos vistas, geometrias, cheiros e texturas; coleccionamos emoções. E, justiça seja feita, também ficamos com sede… Quando regressamos à loja, a temperatura já baixou dos inclementes 37 graus que nos esmagaram ao início da tarde, mas a água é muito bem-vinda. E a seguir, o vinho. Belo vinho.

Morada: Quinta das Carvalhas, 5085-034 Pinhão
Tel: 254 738 050 / 925 141 948
Fax: 254 730 851
(Taberna da Adega: 919 001 166)
Mail: carvalhas@realcompanhiavelha.pt
Web: www.realcompanhiavelha.pt/pages/quintas/4
O leque da oferta enoturística das Carvalhas abre com a prova de vinhos na loja (à carta), acompanhada de petiscos regionais. A loja está aberta entre as 10h e as 13h e das 14h às 19h, no Verão; das 14 às 18h durante o Outono/Inverno. Há visitas guiadas em minibus (máximo 20 pessoas) com partida do Pinhão e horários fixos (10h, 12h, 15h, 17h – de terça a domingo entre Maio e Setembro; sob marcação no resto do ano). Custam 12,5 euros por pessoa (5€ crianças entre os 4 e os 11 anos). A visita Vintage, personalizada, está disponível todos os dias mediante marcação, custa 35 euros por pessoa e inclui prova de três vinhos no final. Refeições, piqueniques e caminhadas mediante marcação.

QUINTA DA GRICHA
Se em linha recta (leia-se: no mapa) a distância entre as Carvalhas e a Gricha parece diminuta, por estrada a tarefa é mais complicada. Nada de dramatismos: falamos de alguns
quilómetros, os últimos dos quais, reconheça-se, por estrada degradada e estreita com precipícios impressionantes à espreita. Mas é também esse o trunfo da recém-estreada Vineyard Residence da Quinta da Gricha, propriedade da Churchill’s… Aqui respira-se sossego e recolhimento.

Chegamos e é toda uma vertigem de linhas e rendilhados de vinha que se estende perante o olhar. Lá ao fundo, o Douro ainda brilha na luz doce do final da tarde – e só podemos imaginar como será a vista de lá de baixo… Na verdade, a viagem mais curta e mais gratificante para chegar a este recanto é mesmo pelo rio, rumo ao ancoradouro da Quinta de S. José, uma das várias de nome sonante que aqui se arrumam (Tecedeiras, Roriz, etc…), de onde podemos ser transportados até à Gricha, nome que deriva da palavra usada para descrever uma fonte que jorra das pedras.

E ela lá está, no ponto mais alto do espaço exterior da casa, presidindo, por entre muros de pedra e relvados, ao patamar que enquadra a piscina e a horta, bem como o terreiro das laranjeiras, locais de lazer e remanso onde um livro e um copo de vinho podem ser excelente companhia. São espaços independentes, mas comunicantes, formando um todo de grande harmonia e beleza, para mais cercados por este anfiteatro de céu azul e montanhas espectaculares.

A Vineyard Residence oferece alguns programas de actividades ao ar livre e sugere pontos de interesse para visitar, mas é sem surpresa que ficamos a saber que a maioria dos hóspedes
prefere mesmo é ficar quieta, gozando esta atmosfera de recolhimento. Talvez um dia, quando forem realizadas as obras de recuperação da verdadeira mãe de água e dos túneis que estão a montante da fonte, valha a pena dar uns passos para o lado e descobrir novas maravilhas. Por enquanto, está tudo aqui.

Ou não, porque se um copo de vinho se pode levar para todo o lado, chega uma altura em que apetece sentar à mesa. Antes, um passeio pela adega, com os seus lagares de granito esculpido, e uma boa conversa num dos grandes alpendres da casa – ainda e sempre a vista e o silêncio a comandarem as operações. A casa plana sobre as vinhas e as suas arrebatadoras geometrias, as paredes erguendo-se a meia encosta em tons de branco e cinzento, o laranja do telhado em vívido contraste com o mar de verde em volta.

Jantamos em ambiente familiar, sempre com belos vinhos por companhia, e regressamos ao alpendre para uma última dose de vertigem e silêncio, o pôr-do-sol ainda a reverberar em lampejos de luz sobre os cumes. A seguir, a escuridão instala-se e o céu acende-se de estrelas. Recolhemos aos quartos, espaçosos e confortáveis, mas despojados (não há TV nem ar condicionado – e quem for viciado em telemóveis tem de se esforçar para garantir rede…), com enormes casas de banho e duche espaçoso.

Está calor e temos de dormir de janela aberta. Tirando os grilos, não se ouve mais nada até ser de manhã e o sol voltar a iluminar esta paisagem extraordinária, agora apreciada de volta de um belo pequeno-almoço. A única má notícia é que temos de ir embora.

Morada: Quinta da Gricha, Ervedosa do Douro, 5130-108 S. João da Pesqueira
Tel: 254 422 136
Mail: quintadagricha@churchills-port.com
Web: www.churchills-port.com/quinta-da-gricha-vineyard-residence/
GPS: Latitude ºN – 41.18980; Longitude ºE – -7.47119
Os quatro quartos disponíveis custam, em média, 250 euros por noite para estadias mínimas de duas noites, com pequeno-almoço incluído. As refeições custam 45 ou 55 euros (para hóspedes e visitantes, respectivamente, incluindo a prova de 5 vinhos). As provas de vinhos ficam por 15 (Clássica, 5 vinhos) ou 40 euros (Ruby & Tawny Ports, 6 vinhos do Porto; ou The Gricha Terroir, 2 vinhos topo de gama). Há duas sugestões de tour – uma para
hóspedes, outra para visitantes, ambas envolvendo passeio de barco pelo Douro e com preços sob consulta.

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