Dão, uma região em busca do seu estilo

A Escolha do Mestre

Não é segredo ou novidade que a qualidade dos vinhos do Dão vem crescendo nos últimos anos. A região oferece vinhos únicos, interessantes e intrigantes e com isso tem conquistado óptimos resultados em competições nacionais e internacionais. Por esse motivo achei por bem ir em busca de vinhos tintos do Dão que realmente oferecem boa relação entre custo e benefício para aquecer as longas e frias noites de inverno.

TEXTO: Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS: Ricardo Palma Veiga

Após tomar a decisão passei a refletir sobre a região. Qual é o seu papel? O tem a oferecer ao consumidor? Quais os seus diferenciais? E será de facto uma região onde poderíamos guiar consumidores em busca de vinhos de bom custo benefício?
O Dão é uma região em transição. Em vários projetos nota-se uma preocupação em reconverter vinhedos e modernizar adegas. Enólogos experientes esbanjam confiança enquanto os profissionais mais jovens demostram criatividade e com isso aumenta o número de produtores que se destacam. Além disso as empresas de grande porte parecerem estar cada vez mais preocupadas em fazer vinhos de qualidade ao invés de quantidade – e isso é importante para que a região continue crescendo em prestígio.
A região possui uma rica história para contar, porém esse passado nem sempre é auspicioso pois muitos consumidores ainda continuam com a percepção de que o Dão é uma região de vinhos elaborados quase só por cooperativas e empresas de grande porte. Algumas falhas do passado ainda não foram totalmente apagadas da mente do consumidor e para algumas pessoas a região ainda não possui vinhos com um perfil claramente definido. Certamente existe um trabalho a ser feito em relação à comunicação.
A região caracteriza-se pela elevada diversidade edafoclimática e predominância de castas autóctones que, juntas, combinam para fazer vinhos autênticos. Os estilos de vinhos tintos variam desde exemplos mais leves e elegantes até vinhos encorpados e com taninos firmes. Em comum os vinhos apresentam frescor e estilo de frutas frescas e vibrantes. É comum ouvir comparações com vinhos da Borgonha, apesar de os vinhos do Dão geralmente apresentarem mais cor, perfil de fruta mais escura e estrutura mais firme. Examinando as minhas notas de prova dos últimos anos, confesso que raramente encontrei um vinho do Dão que tenha perfil suficientemente semelhante para ser confundido com um leve e delicado Savigny-lès-Beaune, um subtil e perfumado Volnay, um elegante Chambolle-Musigny ou com um exótico, encorpado e sedoso Gevrey-Chambertin, por exemplo.
Talvez o que o Dão tem mais em comum com Borgonha será a complexidade de uma região extremamente fragmentada e, aliado a isso, os desafios impostos por esses minifúndios, incluindo o custo elevado da viticultura. Por esse motivo eu questionei a minha decisão de buscar vinhos de bom custo/benefício na região do Dão: será realmente uma boa aposta para o consumidor? A resposta é enfaticamente “sim”, pois oferecer um vinho que tenha boa relação entre custo e benefício é indispensável para todo e qualquer produtor. Isso não significa necessariamente que o vinho deva ser um produto de baixo custo. Essa relação pode ocorrer em qualquer faixa de preço, contando que o consumidor tenha a percepção de que está recebendo bom retorno pela quantia de dinheiro que está saindo de seu bolso.

Qualidade, preço, perfil

Acredito que os vinhos listados abaixo oferecem uma relação adequada entre custo e beneficio. São vinhos elegantes, com óptimo frescor, cujo uso da madeira é bem julgado e sem excessos. A região, de modo geral não cedeu à pressão global de fazer vinhos alcoólicos e excessivamente amadeirados.
Quando bem feitos os vinhos do Dão reflectem muito bem a região, exibindo frescor e aromas intensos e intrigantes que incluem notas de frutas escuras, ervas secas, pinho, eucalipto e especiarias doces. Esses aromas selvagens e exóticos arrancam o consumidor das suas cadeiras e transportam-nos até à região. São vinhos que expressam o terroir do Dão e mostram-se realmente inigualáveis. Apesar das suas merecidas qualidades, o obstáculo principal em relação aos vinhos na região é o facto de os taninos muitas vezes pareceres firmes demais para o consumidor internacional, que frequentemente não tem tempo, espaço ou paciência para envelhecer as suas preciosas garrafas e acabam consumindo vinhos demasiadamente jovens e muitas vezes sem comida. Enfim, os vinhos são consumidos cedo demais, antes de poderem mostrar as suas reais qualidades e atingir o seu potencial.
Os produtores deveriam reflectir e considerar seriamente refinar o perfil e estilo de vinho para determinado segmento do mercado, sem sacrificar o carácter e tipicidade. Caso optem por fazer vinhos para serem apreciados cedo, o que parece estar acontecendo na grande parte dos casos devido à realidade comercial do negócio, o processo de extração deve ser feito mais delicadamente. Assim sendo, esses vinhos certamente dariam mais prazer ao consumidor na hora de beber. Talvez assim pudéssemos voltar a pensar em fazer comparações com sedosos tintos da Borgonha, pois elegância e frescor os vinhos do Dão possuem em abundância.
Por outro lado, se o objetivo for realmente elaborar vinhos de guarda, os produtores deveriam considerar o exemplo dos grandes produtores de Brunello di Montalcino ou Piemonte e realmente fazer vinhos de guarda, vinhos estruturados, envelhecê-los nas suas próprias adegas, lançá-los no momento adequado e cobrar o preço que reflicta o trabalho, tempo e investimento necessário para elaborar grandes clássicos. Não existe motivo para que os produtores do Dão não mostrem mais ambição e se empenhem para fazer alguns dos melhores vinhos de guarda do planeta.
A região tem muito a oferecer ao consumidor, mas ficar no meio termo em relação ao seu estilo é perigoso. Potencial a região tem (e muito!) e isso já está comprovado. Basta examinar os resultados de concursos nacionais e internacionais dos últimos anos e nota-se que a região do Dão regularmente triunfa quando comparada com regiões vizinhas. Lembro-me quando há pouco tempo tive o privilégio e a responsabilidade de selecionar 50 Grandes Vinhos Portugueses para o mercado brasileiro. Vinhos de todas regiões integraram a lista final. Fiquei impressionado com a relação entre custo e beneficio oferecido por vários vinhos da região dos Vinhos Verdes ou com a consistência dos vinhos do Douro, mas entre os vinhos que mais me chamaram a atenção estavam os vinhos do Dão, devido à sua alta qualidade, carácter e personalidade distinta.

Comunicar mais e melhor

Além de melhor clareza com relação ao estilo dos vinhos, o que pode ajudar a região dar os próximos passos? Na opinião de pessoas que vivem e conhecem a região intimamente, existe um longo caminho a percorrer. José Perdigão, proprietário da Quinta do Perdigão, acredita que o trabalho de educação e divulgação deve iniciar-se dentro do próprio país. Observa frequentemente a falta de conhecimento dos consumidores quando presente em eventos nacionais e acredita que aulas básicas de iniciação à prova dos vinhos asseguradas por enólogos, críticos e sommeliers seria um bom início. Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella, acredita que a região sofre devido ao facto de não ter escala para fazer grandes campanhas publicitárias e a solução é fazer um trabalho intenso de comunicação juntos dos canais específicos. Deve ser um trabalho muito focado, comparável ao trabalho feito pelos missionários na idade dos Descobrimentos, diz ele. Para Sandra Alves Soares, que está à frente da sua empresa familiar, Soito Wines, a solução para pequenos e médios produtores que não dispõem de recursos financeiros para investir em grandes campanhas de marketing é trazer consumidores para a região e tornar os seus vinhos mais visíveis, levando quem prova a associar o vinho às pessoas, à região, às tradições, à história e à paisagem vitícola. Trata-se de dar a conhecer e vender o vinho pela região, não apenas colocar o produto lá fora ao lado dos outros, como sendo apenas mais um vinho.
Pedro Mendonça, director executivo da Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CVRD), defende que a região não é tão desconhecida em termos internacionais como muitos pensam, mas concorda que existe muito trabalho a desenvolver em termos de divulgação. Por esse motivo a CVRD está no processo de desenvolvimento de um plano estratégico de comunicação para os próximos 10 anos que pretende abranger o consumidor final, media e trade.
O que é que o Dão tem a oferecer e qual a mensagem que a região deve tentar passar ao consumidor? Pedro Mendonça acredita que as influências mediterrânica, atlântica e continental ajudam a proporcionar um ambiente único, sem paralelo em qualquer outra região no mundo. Influências climáticas, juntamente com as principais castas da região, como Touriga Nacional e Encruzado, ajudam formar um carácter regional fortemente distintivo com base na elegância e, além disso, os vinhos destacam-se também pela sua inquestionável capacidade de envelhecimento.
Para Lígia Santos, jovem CEO da adega familiar Caminhos Cruzados, o Dão tem tudo isso a oferecer e muito mais. A região precisa divulgar projectos familiares, tradicionais, sustentáveis focados na qualidade e produções controladas. Para Lígia, a região exibe uma identidade forte que não tem cedido a perfis internacionais, mantendo o foco nas suas castas e na sua tradição. Lígia vai além e diz que para consumidores que procuram vinhos diferentes, que refletem o local onde são feitos, que são elegantes, perduram e melhoram no tempo e que são ideais para a mesa, não há região como o Dão. Em conversa com produtores locais é fácil constatar a energia, paixão, orgulho e confiança de quem está trilhando o caminho certo.
Sem dúvida a região tem vinhos excelentes, diferentes e muito a oferecer aos consumidores que buscam vinhos distintos e autênticos. No entanto, o estilo precisa de ser refinado e feito com mais precisão para se assegurar que o consumidor tenha uma grande experiência toda a vez que optar por uma garrafa de vinho da região. Existem várias e boas ideias de grandes profissionais do que fazer e de como fazer para comunicar com o consumidor. Será que numa região fragmentada, onde ainda se detectam comportamentos um pouco individualistas, é possível atingir consenso e trabalhar em conjunto para o bem comum? Esperamos e acreditamos que sim. Sendo assim, mais garrafas de vinho do Dão irão aparecer nas mesas dos consumidores, não apenas em Portugal, mas também em vários cantos do mundo.

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