No vasto Alentejo do vinho, os produtores começam a criar os seus próprios estilos e a procurar a diferença tirando partido de cada terroir específico. Mas a aposta nas castas tradicionais para combater as alterações climáticas e o reforço da identidade de cada sub-região serão essenciais para garantir o futuro.
TEXTO Dirceu Vianna Junior MW
FOTOS Ricardo Palma Veiga
O Alentejo é imenso. As suas oito sub-regiões estão distribuídas à volta de 23.375ha, de acordo com dados de 2017 do Instituto da Vinha e do Vinho. Devido ao seu tamanho e fatores climáticos, o Alentejo compartilha certas características que se assemelham mais com uma região produtora de vinhos do Novo Mundo do que com uma região tradicional do Velho Mundo. Além disso, os próprios vinhos tintos refletem um estilo mais frutado, redondo e fácil de entender. De um modo geral a qualidade é confiável. O clima previsível, quente e seco contribui para minimizar doenças, ajudar na maturação da fruta e conferir aos vinhos certa consistência.
O estilo dos vinhos, aliado à sua consistência, ajuda a construir na mente do consumidor uma percepção positiva e fácil de entender. Isto traduz-se em vendas fortes, elevando a região do Alentejo para a liderança no mercado doméstico e mostrando desempenho saudável nas exportações. Os ícones da região, como Pêra Manca e Mouchão, contribuem para fortalecer e consolidar a ideia de que o Alentejo possui todo o potencial para fazer grandes vinhos.
Tal como acontece com algumas regiões do Novo Mundo, o Alentejo parece estar a mudar e a caminhar, gradual e seguramente, no sentido da descoberta do terroir e diferenciação. Da mesma forma que a região do Vale do Maule, cerca de 250km sul de Santiago no Chile, onde parcelas de vinhedos velhos em lugares mais frios, antes destinadas a vinhos menos nobres ou desperdiçados em lotes menores, hoje são altamente procuradas, apreciadas e responsáveis por alguns dos melhores vinhos da região. Ou na região de Swartland, 100km norte da Cidade do Cabo, onde vinhedos que antes serviam para abastecer cooperativas locais hoje são transformados em excelentes vinhos por enólogos de grande reputação, como Marc Kent, Eben Sadie e Adi Badenhorst.
Similarmente o Alentejo já há tempo vem mostrando essa tendência de valorizar vinhedos velhos e sítios mais frescos, bem como reconhecer enólogos responsáveis por trás de projetos interessantes, como são os casos de Paulo Laureano, Rui Reguinga ou Susana Esteban.
Esses talentosos profissionais contribuem para o crescimento da reputação do Alentejo. Investimentos que vêm de fora da região, como a entrada do grupo Symington através da compra da Quinta da Queijeirinha, deverão trazer outras vantagens, incluindo um influxo de conhecimento, profissionais competentes e tecnologia moderna que certamente resultará em bons vinhos e consequentemente dará mais foco à região.
Com certeza esse não será o ultimo investimento sério na região, pois o Alentejo oferece, além das vantagens descritas acima, a capacidade de estabelecer projetos de maior dimensão facilitando economia de escala, o que significa uma vantagem importante dentro de uma indústria notoriamente competitiva.
Sabemos que o Alentejo é capaz de fazer brancos, rosés e tintos de vários estilos para satisfazer consumidores que buscam alternativas em várias faixas de preço. Além disso a região é responsável por outros tipos de vinhos, incluindo belos espumantes como o Cartuxa Reserva Bruto 2011 e até mesmo excelentes exemplos de vinhos fortificados cuja qualidade é capaz de chamar a atenção de apreciadores de bons vinhos do Porto – prove-se o Monte da Ravasqueira Licoroso colheita 2015, que provém de um lote entre Tinta Roriz (40%), Touriga Franca (30%) e Touriga Nacional (30%).
Soluções dentro e fora de casa
O vento parece estar realmente soprando a favor e a região fortalece-se a cada ano que passa. No entanto, há que estar atento a alguns problemas potenciais. Certas mudanças climáticas parecem estar a manifestar-se na região com muita intensidade. A falta de água preocupa. Além disso, doenças nas vinhas – principalmente, doenças do lenho como a esca – perturbam o sono de vários produtores. Esses problemas não vão desaparecer por si. Será necessário juntar recursos, focar e trabalhar em conjunto. Adoptar novas técnicas e tecnologias modernas, tanto no campo como na adega, para superar esses desafios e ao mesmo tempo demonstrar responsabilidade social através do conceito de sustentabilidade. Existem técnicas de irrigação adotadas nas regiões mais quentes da Austrália capazes de diminuir o uso de água entre 50% e 70%. Várias outras alternativas que poderiam contribuir na luta contra mudanças climáticas existem, incluindo explorar castas mais adequadas ao clima quente e seco da região.
Lembro a reação de certos produtores da região do Douro, há cerca de duas décadas, quando algumas castas que naquela época não eram bem conceituadas entravam na conversa. Eram imediatamente descartadas. Hoje essas variedades não apenas são apreciadas pelas características positivas que contribuem aos lotes, mas estão sendo replantadas e em certos casos já se destacam em vinhos varietais de excelente qualidade. Um bom exemplo é o Sousão, cujos bons exemplos incluem Domingos Alves de Sousa e Horta Osório. Outro exemplo seria o Tinta Francisca da Real Companhia Velha.
Também por esse motivo, produtores do Alentejo que hoje buscam variedades internacionais sem considerar as castas locais que se adaptam muito bem ao clima seco, deveriam refletir sobre a mudança de atitude no Douro, aprender com essa experiência e não descartar certas variedades tão cedo a favor de castas internacionais. A decisão do que plantar deve ser tomada pensando nas condições e resultados que apenas serão evidentes ao longo prazo. Um exemplo de variedade local que parece não receber atenção suficiente é a Trincadeira. Para quem duvida da sua capacidade de fazer bons vinhos recomendo a prova dos Cortes de Cima Trincadeira 2014 e Alexandre Relvas Trincadeira 2014.
Usando a experiência de outras regiões, e voltando ao Novo Mundo, existe a tendência cada vez maior de criar, manter e refinar o conceito de regionalidade. Basta olhar para a Argentina, onde uma boa parte dos vinhos Malbec de alto nível deixou de adoptar a identidade da sua maior região, Mendoza, e passou assumir uma identidade de origem mais precisa e definida como, por exemplo, Gualtallary. Essa sub-região de solos calcáreos situada a 1200 metros de altitude e a cerca de 80 km a sul da cidade de Mendoza, é responsável por vinhos de um perfil distinto. O consumidor é capaz de distinguir com certa facilidade um Malbec de Gualtallary – que é mais leve, exibe mais acidez, mineralidade, taninos finos e frutas vermelhas – em comparação com um Malbec de Luján de Cuyo, onde os solos são aluviais com superfícies arenosas e pedregosas em substratos de argila. A região tem uma altitude média de 1000 metros e fica situada a poucos quilómetros a sul do centro da cidade de Mendoza. Os vinhos de Luján são mais encorpados, com menos acidez e desenvolvem um perfil de frutas mais escuras e taninos mais firmes.
Entender e comunicar a sub-região
De um certo modo o Alentejo já está indo ao encontro dessa tendência com oito sub-regiões demarcadas. É possível perceber diferenças marcantes dos aspectos físicos de algumas sub-regiões como, por exemplo, os solos graníticos e pedregosos aliado a um clima mais quente de Reguengos em comparação aos solos com depósitos de mármore de Borba, onde a sub-região recebe níveis de insolação ligeiramente inferiores em relação ao resto da região. A sub-região de Portalegre é um caso a parte devido, principalmente, à sua altitude, que resulta em temperaturas inferiores e consequentemente os vinhos exibem certa elegância e mais frescor em comparação aos vinhos de outras sub-regiões.
Entretanto, de um modo geral, as diferenças edafoclimáticas dessas sub-regiões ainda não se manifestam nitidamente e não é fácil hoje em dia conectar a origem com o produto que está no copo, do mesmo modo que distinguimos um Bordéus de Paulliac de um Pessac-Leognan ou Margaux, por exemplo.
Para o Alentejo se aproximar dessas grandes regiões produtoras como Bordéus, Borgonha, Champanhe ou Piemonte existe um trabalho mais detalhado e científico a fazer, com o objetivo de obter um processo de zonagem mais preciso e específico para que esta vasta região continue o seu desenvolvimento nas próximas décadas.
Entender melhor os factores físicos da região, refinar o conceito de terroir e perceber o comportamento de determinadas castas em locais específicos resultará em maior número de grandes vinhos. Nesse processo, ajudaria mudar a percepção de que o Alentejo é uma região de grande dimensão, capaz de fazer vinhos confiáveis e consistentes, a exemplo do Vale Central no Chile, para se tornar uma região que faz grandes vinhos de terroir, onde o clima, solo e vários outros factores contribuem para seu perfil, como é o caso de Napa Valley, onde sub-regiões como Los Carneros e Stags Leap District não estão somente associadas a estilos e variedades especificas, mas também carregam um valor agregado que o consumidor está disposto a pagar.
O Alentejo já deixou bem patente a qualidade; o próximo passo seria refinar o conceito de regionalidade. Um antigo provérbio grego diz-nos que a sociedade se torna grande quando as pessoas plantam árvores cujas sombras jamais irão ver. Não há dúvida que o trabalho será árduo e longo. Mas a região conta com pessoas dinâmicas, positivas e talentosas que, aceitando este desafio, estariam iniciando um processo que deixaria um legado extraordinário.
Vinhos recomendados:
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Monte da Peceguina
Tinto - 2016 -
Herdade do Sobroso Barrique Select
Tinto - 2015 -
Ravasqueira Reserva da Família
Tinto - 2015 -
Conde d’Ervideira
Tinto - 2016 -
Dona Maria Amantis
Tinto - 2015 -
Paulo Laureano Vinhas Velhas Seleção Privada
Tinto - 2015 -
Esporão
Tinto - 2015 -
Cortes de Cima
Tinto - 2014 -
Cartuxa
Tinto - 2014
Edição nº12, Abril 2018