[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]Mouchão não é apenas um nome incontornável no Alentejo. É uma das maiores referências nacionais, tributário de um terroir muito próprio e de uma casta – Alicante Bouschet – sem dúvida temperamental. Um tinto e uma marca, cuja actual gama tem também brancos, sempre num perfil longevo e intenso, com uma grande e fiel legião de fãs. Numa palavra: deslumbrante.
TEXTO: Nuno de Oliveira Garcia
FOTOS: Ricardo Gomez
Passo por Casa Branca, não longe de Sousel, e a Herdade do Mouchão aproxima-se entre sobreiros, pinheiros e eucaliptos enormes. Este é o momento em que penso sobre o que significam para mim os vinhos do Mouchão.
Da memória surge-me a prova mítica da colheita de 1974 (com o João Paulo Martins e o cineasta João Canijo), do melhor tinto de 1954 (Reserva 1954) que já bebi, e óptimas garrafas de 1963 e 1969, e 1982 (a última com o advogado e amigo Ricardo Reigada Pereira). Recordo, ainda, a minha convicção de que um Mouchão é uma marca de vinho tinto que transpõe as barreiras da região e de gerações.
Comecei a prová-lo, sempre tinto (as actuais versões brancas são nas referências Ponte e Dom Rafael), faz muito tempo, mas Mouchão sempre foi Mouchão, um ‘primus inter-pares’, um daqueles poucos vinhos que faz tremer e temer os melhores tintos das demais regiões portuguesas.
A frescura de um terroir mais nortenho que o habitual na região, em conjunto com notas clássicas alentejanas (em parte fruto do uso de alguma Trincadeira), e uma longevidade lendária, há muito que são atributos da marca procurados por seguidores exigentes.
Rigorosamente, não há nada de vulgar na Herdade do Mouchão, nem sequer os enormes eucaliptos que acima referi e que provém, nada menos nada mais, do que da Nova Zelândia, trazidos por membros da família Reynolds, ali plantados faz mais de um século. No que respeita a história, aliás, o Mouchão é ímpar na região, sendo ainda hoje a adega comercial (não-familiar) mais vetusta do Alentejo, datando de 1901 (o edifício estaria totalmente terminado em 1904).
Mas vamos mais atrás ainda no tempo… pois foi ainda antes da segunda metade do século XIX que família Reynolds funda a companhia ‘Thomas Reynolds & Son’ e se instala no norte de Portugal, comercializando Vinho do Porto, azeite, mel, lã, e cortiça em prancha. A cortiça comercializada provinha de várias herdades a sul, do Montijo ao Alentejo, incluindo a Herdade do Mouchão, e algumas até em Espanha, todas arrendadas pela família. Em 1870, com o desenvolvimento da venda da cortiça como área de negócio, parte da família, então liderada por John Reynolds, instala-se definitivamente no Alentejo, comprando a Herdade do Mouchão e, assim, controlando a cadeia de produção desde o início.
Dez anos volvidos, chegam à herdade dois académicos da Universidade de Montpellier peritos em solos e castas, e uma vinha de Alicante Bouschet é, pela primeira vez, sugerida e aconselhada para solos alentejanos (diz-se que os próprios professores teriam trazido algumas varas da variedade que na altura representava um progresso por ser tintureira). Pouco depois, a casta é efectivamente plantada na herdade e, atualmente, é raro encontrar um topo de gama em todo o Alentejo sem esta uva no lote!
Aliás, os solos de aluvião onde se encontra a Vinha dos Carapetos – de onde provém as uvas para o imponente topo de gama Tonel 3-4 – foram primeiramente plantados com Alicante logo em 1890. Mais uma década volvida, e é construída a adega onde os vinhos começariam a ser produzidos para, em parte serem vendidos a granel (em garrafão ou barrica) sobretudo em Lisboa, e outra parte para consumo da casa e dos trabalhadores da herdade. Sim, por que quando falamos do Mouchão falamos, como noutros lugares do Alentejo, de uma herdade no sentido clássico e enquanto núcleo económico e social, produzindo-se cortiça, azeitona para azeite e, claro, vinho. E ainda aguardente, a partir da destilaria da propriedade datada de 1929, prática que anda hoje se mantém, a par de um tinto generoso de grande qualidade.
Uma casa com muita história
Por tudo isto, a fama dos tintos do Mouchão não é propriamente recente… O primeiro engarrafamento é de 1949, mas só a partir de 1950 do século passado começaram a ser rotulados e vendidos (se puderem, não deixem de tudo fazer para provar uma garrafa de 1954) e, durante os 25 anos seguintes, são produzidas várias colheitas magníficas – muitas delas a dar ainda óptima prova e a serem comercializadas a preços pouco comedidos –, sempre com um lote a partir de uma maioria de Alicante Bouschet, com alguma Trincadeira.
Este trajecto seria apenas interrompido com a Revolução de Abril (1974) e, mais propriamente, com a expropriação, pouco depois, da propriedade. Algumas colheitas mantiveram o nível alto, como a histórica de 1974, mas também as de 1979 e de 1982, e existe a particularidade de algumas garrafas terem um rótulo com referência à ‘Cooperativa de Produção Agrícola 25 de Abril de Mouchão e Anexos’ a lembrar-nos, precisamente, desse tempos agiutados. A propriedade entraria, todavia, em declínio, e a vinha e adega progressivamente abandonadas.
Em 1985, pela mão de Albert Reynolds, a família recupera o património e rapidamente começa a retomar os negócios. Os tonéis começam a ser recuperados (tarefa que demorou mais de dois anos a terminar), a eletricidade é instalada (imagine-se, apenas em 1991!), e a adega inicia obras de reconstrução que mantiveram a traça e funcionalidades originais. Também a vinha foi parcialmente recuperada e foram plantados 27 hectares entre 1988 e 1995.
Hoje, a vinificação pouco difere das gloriosas décadas de cinquenta a sessenta, com a vindima a começar bem cedo pela manhã. Tirando o cuidado com o uso de caixas de 15 quilos, tudo o resto é praticamente igual desde há décadas. A fórmula é o que sai da vinha: produções naturalmente baixas (nunca superiores a 4,5 ton./ha.), bagos pequenos, película forte, entrada em lagar sem desengace. Claro que existe uma equipa atrás, sendo atualmente liderada por Hamilton Reis na enologia (que transitou do projecto Cortes de Cima). Para o enólogo, é a acidez transversal dos vinhos e a sua textura (até nos mostos, confidencia-nos com um sorriso), que o surpreende a cada dia. João Alabaça, adegueiro há praticamente trinta anos (filho e neto de adegueiros da casa), continua de pedra e cal, e o jovem Joaquim Gomes é o responsável pela viticultura. Paulo Laureano, que anteriormente capitaneou a enologia, mantem-se activo no projeto, agora como consultor, com a missão de manutenção de um estilo que tanto sucesso augurou.
A propriedade é resultado da junção de quatro herdades e compreende cerca de 900 hectares, dos quais 700 de montado, 65 de olival e 43 de vinha, produzindo-se ainda mel. O topo de gama é o já referido Mouchão Tonel 3-4, exclusivamente de Alicante Bouschet, da histórica Vinha dos Carapetos, cujo nome resulta do estágio por três anos em dois tonéis (lá está: n.º 3 e n.º 4) de aduelas de castanho e carvalho com fundos de macacaúba e mogno. O clássico Mouchão mantém-se produzido a partir de uma maioria de Alicante Bouschet e Trincadeira, com algum Aragonez em algumas colheitas. À semelhança do seu irmão, estagia em tonéis antigos, amadurecendo ainda por dois ou mais anos em garrafas (a colheita agora lançada é a de 2014 – ver nota de prova).
A marca Ponte – até agora denominada Ponte das Canas (derivado de outra vinha famosa da herdade) – é criada no final da primeira década no novo século, procurando-se manter o know-how e técnicas típicas da casa, mas conjugado com as castas Touriga Nacional, Touriga Franca e Syrah. Por fim, o Dom Rafael, marca criada ainda nos anos ’80 do século passado, e nascida das vinhas antigas de Aragonez e Castelão, desde há vários anos também com referência em branco assente Antão Vaz, Arinto e Fernão Pires (e algum Perrum em antigas colheitas). São, no total, nove os lagares da adega e pouco mais de 200 mil garrafas por ano. A gestão cabe à sexta geração à frente da Herdade do Mouchão, e é encabeçada por Iain Reynolds Richardson que tem um único desígnio: manter todas as técnicas tradicionais – da apanha a mão, à pisa a pé, passando pelas prensas manuais – e melhorar cada vez mais o vinho final. Se é que é possível melhorar o que já é quase perfeito…
(Artigo publicado na edição de Outubro 2020)
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