[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]2021 é o ano em que a Azores Wine Company vê a peça que lhe faltava ganhar forma física: uma adega própria, impressionante da estética à funcionalidade. Mas, como isso não bastava, surgem também novos e ambiciosos vinhos.
Texto: Mariana Lopes
Fotos: Azores Wine Company e Mariana Lopes
Dizem os antigos que as melhores vinhas dos Açores são aquelas “onde se ouve o cantar do caranguejo”, ou seja, as que estão na bordadura das ilhas, mais próximas do mar. Mas também da nova adega da Azores Wine Company quase se ouve esse cantar, situada em Bandeiras, concelho da Madalena. Esta adega era um sonho da empresa, praticamente desde a sua fundação em 2014, mas já lá vamos… A sementinha que fez nascer o projecto foi plantada quatro anos antes disso. Em 2010, António Maçanita (filho de açoriano e há muito interessado nos vinhos dos Açores) ingressou num projecto de recuperação das castas locais — Arinto dos Açores, Verdelho, mas sobretudo da Terrantez do Pico, em São Miguel — apoiado pelo Governo Regional, que só aumentou ainda mais o seu entusiasmo pela região e pelos seus vinhos.
Em 2013, António teve a iniciativa de dar consultoria aos outros produtores do Pico, que nessa altura eram cerca de seis. Mas esse projecto de consultoria incluía um workshop que, embora gratuito, teve adesão apenas de um dos produtores e, à data, presidente da Comissão Vitivinícola Regional dos Açores, Paulo Machado, dos vinhos Insula. Assim, sem intenção inicial, Paulo foi o “chosen one” de António Maçanita, que acabou por lhe lançar o desafio: “Esquece o workshop, e se fizéssemos um vinho juntos?”. O produtor acabaria por ser a pessoa ideal para formar um projecto vínico com Maçanita, por ser agrónomo, vir de uma família dedicada à viticultura do Pico há varias gerações, e denotar muito conhecimento sobre a vinha e os vinhos da ilha. Desse repto, e ainda em 2013, nasceu um Arinto dos Açores que foi o pontapé de saída para tudo o estava por vir. Pouco tempo depois, juntou-se também Filipe Rocha, formador em hotelaria e turismo, em Ponta Delgada, para assumir a gestão financeira e comercial daquele projecto embrionário.
Estava formado o trio fundador da Azores Wine Company em 2014, e, como hoje é de aceitação generalizada, os vinhos do Pico estavam prestes a passar por uma revolução como nunca antes: voltaram a estar no mapa, a nível nacional e internacional, o que hoje resulta num price point das uvas e dos vinhos muito superior ao que se praticava na altura, e numa bastante maior área de vinha em produção. A qualidade esteve sempre lá, mas afinal o que lhes faltava, era alguém que a alavancasse, e que soubesse comunicar os vinhos com paixão e destreza.
(Re)Descobrir o Pico
A Azores Wine Company começou apenas com as vinhas de Paulo Machado, que na altura totalizavam doze hectares mas, naturalmente, isso não bastava. Assim, o “trio maravilha” lançou-se na recuperação e plantação de vinhas, adquirindo terreno, arrendando parcelas e comprando uvas a outros viticultores. Hoje, têm já 56 hectares de vinha própria — 55 na zona da adega, em Bandeiras, e um na Criação Velha — e arrendam 33 em São Mateus e 38 em Baía de Canas. As castas plantadas, são sobretudo as brancas Arinto dos Açores, Verdelho (o mesmo que há na Madeira), Terrantez do Pico, Boal de Alicante e Malvasia (chamam-lhe Boal dos Açores) e as tintas Saborinho (Tinta Negra), Bastardo, Rufete e Malvarisco. Falamos de vinhas muito especiais, únicas, diferentes de tudo o que existe no resto do Mundo. Nesta ilha, que é a mais nova do arquipélago dos Açores, com idade entre os 300 e os 400 mil anos (a mais velha é Santa Maria, nos 8.12 milhões de anos), a paisagem vitícola, sempre com o vulcão em plano de fundo, é composta por quadrículas feitas com amontoados de pedras vulcânicas, os chamados currais, que albergam as videiras e as protegem do impacto directo dos ventos salgados, que de outra forma as queimariam. Se pensarmos que já houve um cenário, antes da grande praga de oídio em 1853 e de filoxera algumas décadas mais tarde, em que o Pico teve cerca de 15 mil hectares deste tipo de vinha, é, de facto, impressionante. Em 2003, existiam apenas 120 hectares, que com muito sacrifício e paixão dos viticultores da ilha passaram para 340, em 2014. Mas mais surpreendente ainda, é o facto de, após sete anos de Azores Wine Company, esse número ter passado para o milhar. É o poder do exemplo…
Uma das prioridades da empresa foi, logo desde o início, fazer uma pesquisa genética e histórica sobre as castas, os solos, o clima (moderado a frio) e todo o Pico vitivinícola. As primeiras vinhas foram plantadas no final do século XV. Em 1580, esta já era uma ilha de vinho, com as vinhas distribuídas por toda a orla costeira, o mais próximo do mar possível (as tais vinhas do “cantar do caranguejo”). E isto tinha e tem uma razão de ser: posto de uma forma mais simples, quanto mais próximos estamos da montanha, mais chove.
No centro da ilha, caem mais de 5 mil mililitros de água por ano e, as extremidades, menos de mil. Depois, como demonstrou António Maçanita, há o efeito Foehn, no qual o vento que vem de Norte, húmido e frio, bate na montanha, sobe e depois desce, já quente. Já os solos têm características tão rústicas que só servem praticamente para viticultura, não havendo assim concorrência de culturas. São solos litólicos, extra resistentes que, em certas zonas, são compostos por terra em cima da rocha-mãe. Reduzem-se a dois tipos: o “chão de lagido”, mais duro e opaco, quase exclusivamente usado para vinha, em que as videiras estão plantadas nas fissuras das rochas, indo mais fundo à procura do que precisam; e o “chão de biscoito”, com uma textura mais de calhau (daí o “biscoito”) à superfície, o qual pode ser arável depois de retirados os componentes mais grosseiros. Depois de sabermos isto, de estarmos lá no terreno a olhar com cara de espantados para o que se estende à nossa frente, e de tentarmos transitar pelo meio dos ditos currais, percebemos porque é que a ilha do Pico tem uma das viticulturas mais caras do planeta, com uma produção média de apenas 1200kg por hectare. O trabalho nestas vinhas é todo manual, muito exigente e minucioso, e Paulo Machado explicou-nos que, hoje, investem em operações que podem fazer diferença, mais tarde, na qualidade das uvas, como as intervenções em verde, para aumentar a exposição dos cachos ao sol e ao arejamento, promovendo a sua suspensão. A tratar das vinhas em permanência, têm 25 pessoas.
Para juntar “à festa”, a Azores está com dois hectares em processo de certificação bio, sendo os primeiros a fazê-lo. Num desses hectares, na Criação Velha, as uvas custam uns impressionantes 18 euros por quilograma. O preço-médio das uvas da ilha é de cerca de 5 euros por quilo, mas Paulo garante que já chegaram “a comprar Terrantez por 7,90, em 2019”. Não é difícil perceber que, para tudo isto ser rentável, o posicionamento de preço dos vinhos tem de ser alto.
A nova adega ficou pronta este ano, e era a peça do puzzle que faltava para a Azores Wine Company fechar o ciclo. Recuando um pouco, foi em 2015 que António, Filipe e Paulo começaram a pensar no projecto adega. Sempre quiseram que ela fosse construída no meio da vinha porque, como diz Filipe, “a vinha é ela própria um museu”. Em 2018, iniciou-se a obra, que acabou por durar três anos. “Foi um projecto bem caro”, confessou António Maçanita, “só o betão é cerca de 30 a 40% mais caro aqui do que em São Miguel”. A julgar pela quantidade de “betão à vista”, não é difícil acreditar, mas foram três milhões e meio de euros que valeram muito a pena… O edifício — desenhado a quatro mãos, por duas duplas de arquitectos, os portugueses SAMI e os ingleses DRDH — perfaz um quadrado perfeitamente inserido no terreno, e foi revestido, na parte exterior, a rocha vulcânica. A vista a partir dele é idílica, sobre o mar e as ilhas São Jorge e Faial. Mas esta não é apenas uma adega, em stricto sensu.
Com sala de provas, um espaço para eventos e restaurante, cinco quartos com vista mar e um apartamento T2, além das três salas de barricas e da zona mais industrial, com todo o equipamento de recepção de uvas e vinificação, este é um autêntico centro enoturístico de luxo, como nunca antes visto no Pico. Além disto, o edifício foi construído com uma determinada inclinação, para recolher água, especificamente 1500 m3 de água por ano (as vinhas no Pico não retêm água). Bem no centro, está um logradouro com um mini-jardim, onde há tanques com água e Dragoeiras, uma árvore mítica, da Macronésia, muito típica dos Açores, que se diz ter nascido da luta entre um dragão e um leão. É também muito utilizada como tintureira, e a sua seiva vermelha é vulgarmente apelidada de “sangue do dragão”. Os quartos estão mesmo em frente, e foram uma das prioridades do projecto. “Queríamos ter quartos na adega porque, tradicionalmente, no Pico as pessoas não recebem os convidados em casa, mas sim nas adegas”, contou Filipe Rocha. A arquitecta de interiores Ana Trancoso deu-lhes um feeling industrial e minimalista, mas os apontamentos mais calorosos são da curadoria de Judith Martin, responsável de enoturismo e, como ela própria diz, “de tudo um pouco”.
Uma das maiores surpresas, foi o restaurante, que está agora a dar os seus primeiros passos. A equipa deste espaço gastronómico é bem jovem, composta pelo chef José Diogo Costa (curiosamente, Madeirense), a sub-chef Angelina Pedra e a chefe de sala Inês Vasconcelos. O que vem para a mesa, é reflexo de todo o conhecimento que José Diogo acumulou, ao lado de Inês, nas suas viagens e nas dezenas de restaurantes em que trabalharam, pelo Mundo fora: uma cozinha moderna, elegante, culta, com muito foco nas matérias-primas locais e onde todos os sabores se conjugam em harmonia.
Vinhos muito especiais
Além das novas colheitas de vinhos que já faziam parte do portefólio da Azores Wine Company — como os Rosé e Branco Vulcânico, o Arinto dos Açores, Terrantez do Pico (já provado anteriormente na GE) ou o Vinha Centenária — foram apresentadas quatro novidades absolutas: Arinto dos Açores São Mateus, Arinto dos Açores Bandeiras, Canada do Monte e Vinha dos Utras 1os Jeirões. Estes últimos dois, juntamente com o Vinha Centenária, provêm de vinhas velhas da zona da Criação Velha, o último núcleo de vinhas velhas do Pico. Mas se, até agora, o Vinha Centenária estava no topo da hierarquia de vinhos da empresa, acabou de ser destronado pelo Vinha dos Utras 1os Jeirões 2019 e pelo Canada do Monte 2018. Este branco, com 95% de Arinto dos Açores e o resto de castas misturadas na vinha (como Verdelho, Malvasia Fina e Boal de Alicante), vem de uma parcela adquirida em 2018 pela Azores, com 60 a 80 anos de idade, quase encostada ao mar em “chão de lagido”, que recebe mais horas de sol, o que resulta “numa maior concentração e forte marca marítima”. É uma das que está em processo de conversão para biológico. O sítio é muito especial e, acreditem, tudo isto se reflecte na garrafa. Na adega, as uvas são prensadas directamente, com as primeiras prensagens (70%) a ser vinificadas em inox — em cuba deitada “para que as borras finas se estendam no fundo e fiquem em contacto com o máximo de área de vinho, protegendo-o”, como explicou Maçanita — e as segundas em barricas de carvalho francês de 3º uso, sem bâtonnage, durante 12 meses. O Canada do Monte, por sua vez, tem origem numa bolsa de vinhas com o mesmo nome, que resistiu à extinção pela filoxera. A vinificação é em tudo semelhante à do Vinha dos Utras.
A Azores Wine Company produz hoje mais de 100 mil garrafas por ano, o que não é assim tão pouco quando consideradas as condições difíceis de viticultura e a baixa produtividade das vinhas. Acima de tudo, este foi o projecto que veio fazer a real diferença na ilha do Pico (e nos Açores) enquanto região vitivinícola e denominação de origem. E no futuro, depois deste completar de ciclo para a Azores… talvez um licoroso?
(Artigo publicado na edição de Julho 2021)
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