Bacalhôa: Um universo de arte e vinho

E paixão, acrescente-se. A Bacalhôa Vinhos de Portugal é a maior empresa de enoturismo em Portugal. Cinco destinos em quatro pólos diferentes, mas sempre com uma filosofia comum – fazer a ponte entre os vinhos e a arte. Modernidade e património histórico, num universo que nos leva pelo mundo ao sabor dos néctares de Portugal. E tudo isto a preços muito simpáticos. Imperdível.

 

TEXTO Luís Francisco FOTOS Ricardo Palma Veiga

QUANDO foi publicamente divulgado, no ano passado, que as caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia, tinham recebido mais de um milhão de visitantes em 2015, até os mais distraídos nestas coisas do enoturismo começaram a per­ceber a dimensão que o fenómeno já tem em Portugal. A verdadeira explosão de popularidade do país, em geral, e das cidades de Lisboa e Porto, em particular, nos roteiros turísticos, aliada à crescente notoriedade dos vinhos por­tugueses, alimenta esta indústria e abre perspectivas para um futuro ainda mais ambicioso. Mas se calhar há muito boa gente que não sabe o nome da empresa que mais aposta – e factura – neste terreno. Chama-se Bacalhôa Vi­nhos de Portugal e só à sua conta registou perto de meio milhão de visitantes em 2016.

O crescimento de 27 por cento no número de enoturis­tas de 2015 para 2016 é um número impressionante. Mas está longe de ser o único desta empresa que está presen­te em sete regiões vitícolas portuguesas, com 40 quintas, 1200 hectares de vinha própria, 40 castas diferentes, qua­tro centros vínicos e outros tantos núcleos de enoturismo (ou cinco, mas lá iremos), largas dezenas de referências no mercado e muitos milhões de garrafas produzidas anualmente. Mas os números são só a face mais visível do mundo Bacalhôa. Porque o lema da empresa – “Arte, Vi­nho, Paixão” – resume muito do que é o enoturismo hoje: um cruzamento de experiências e propostas que colocam o sector no cerne da sedução portuguesa.

A Bacalhôa é um gigante do enoturismo (ou do turismo, pura e simplesmente) nacional, mas continua a crescer e a enriquecer a sua oferta. A apresentação recente da nova “face” do Palácio da Bacalhôa, em Azeitão; a constante renovação das colecções artísticas e das propostas vínicas da empresa; a aposta que está a ser preparada nas insta­lações da Quinta do Carmo, em Estremoz. Tudo sinais de que ainda vamos ouvir falar muito desta empresa no que ao enoturismo diz respeito.

A “fúria” coleccionista de Joe Berardo, o homem forte da Bacalhôa, a sua constante preocupação com o detalhe e a vontade de fazer sempre mais e diferente permitem à empresa apresentar propostas interessantes e inovado­ras. Um museu instalado numas caves de espumante em plena laboração. Um jardim oriental com uma loja de quali­dade. Um palácio monumento nacional com vinhas dentro de portas. Sobreiros e instalações artísticas em mármore no coração do Alentejo. Uma sede de empresa em que os escritórios e as estufas de Moscatel dividem o espaço com exposições de arte. Adegas, salas de provas, espaços para eventos e vinhas belíssimas em diversos pontos do país. A Bacalhôa tem muito – e bom – para oferecer. Embarque­mos então numa viagem por este universo enoturístico.

Aliança Underground Museu
O pólo mais a norte deste roteiro é um espaço verdadei­ramente surpreendente. Para começar, porque está estru­turado como se de uma rede de Metro se tratasse, com túneis e “estações”; depois porque concilia num espaço mágico e sedutor a arte e a geologia, o vinho e a etnogra­fia, a azulejaria e a paleontologia; e, finalmente, porque consegue oferecer uma experiência intimista num local onde se trabalha. Por vezes à luz de castiçais recuperados de um hotel de luxo desactivado na Linha do Estoril, é certo, mas sempre um local de trabalho.

Quem olha de fora para o edifício das Caves Aliança, em Sangalhos, não imagina o que o espera no subsolo. Ac­tualmente, há nove colecções distintas que nos transpor­tam ao longo da história do planeta. Dos vetustos fósseis de trilobites, os artrópodes marinhos que dominavam a vida na Terra há mais de 500 milhões de anos, às escul­turas contemporâneas do Zimbabwe. Das pedras semi­-preciosas e outras amostras minerais de beleza cativante aos azulejos, aqui representados por obras cujo horizonte temporal se estende por cinco séculos. Da sedutora arte africana aos vestígios arqueológicos. Obras em estanho. Cerâmica das Caldas.

Mas também vinho. E aguardentes – estas repousam no lo­cal mais fundo das caves, uma enorme nave onde se empi­lham centenas de barricas, num cenário de Indiana Jones. Os vinhos, esses espreitam por todo o lado. Em pilhas nos corredores (como no chamado túnel do espumante), nas pipas que ocupam uma boa parte do espaço da Estação Central, na sala de provas e na loja, à saída. E tudo isto pontuado por recantos intimistas (salas pequenas onde se podem organizar reuniões ou jantares), cenários inespera­dos (como o Pink Room, onde já se celebraram casamentos sob a luz filtrada por cristais cor-de-rosa), grandes espaços (com capacidade para sentar algumas dezenas de pessoas, várias dezenas ou até centenas) e, sempre, muitos porme­nores de decoração verdadeiramente surpreendentes.

Pela (necessariamente sumária) descrição facilmente sepercebe que a visita ao Aliança Underground Museu, apresentado como o único museu subterrâneo português, não deixa ninguém indiferente. Uma equipa de acolhi­mento motivada e conhecedora enquadra a experiência e ja se tornou piada da casa apostar quantas pessoas se mostrarão surpreendidas no final quando lhes comunicam a distância percorrida ao longo das galerias…

À saída aparece sempre um espumante a jeito para brin­dar (há provas mais alargadas no menu) e, com a loja mes­mo ao lado e alguns preços bem apetecíveis, é quase im­possível não levar para casa um bocadinho deste mundo de Alice no País das Maravilhas.

Bacalhôa Buddha Eden
Se os 70.000 visitantes anuais do Aliança Underground Museu são muito respeitáveis, o que dizer dos 300.000 que em 2016 rumaram ao Bacalhôa Buddha Eden, o maior jardim oriental da Europa? Instalado na Quinta dos Loridos, no Bombarral, foi criado em protesto contra a destruição dos Budas Gigantes de Bamyan, no Afega­nistão, arrasados pelo fanatismo religioso dos taliban. Começou a receber visitantes em 2005, foi crescendo e variando a sua paisagem e hoje é um complexo de mais de 35 hectares onde se conjugam paisagem e criações humanas numa atmosfera única.

A maciça cabeça da estátua do Buda gigante que encima uma das arborizadas colunas do complexo é visível desde longe e dá o mote para o que podemos esperar assim que franqueamos as portas de entrada. Dá o mote, mas não nos prepara para a espantosa variedade de per­pectivas e pormenores que nos enchem de imediato o horizonte visual. Mais de seis mil toneladas de mármore e granito foram utilizadas para dar corpo a uma multidão de esculturas espalhadas por entre a vegetação e à volta do lago central, onde pontuam um pagode e, por estes dias de Primavera, uma família alargada de gansos.

Mas há mais, muito mais. Uma falange de 600 soldados de terracota pintados à mão, emulando o exército des­coberto na província de Shaanxi, junto ao túmulo de Qin Shi Huang, o primeiro imperador da China. Esculturas em pedra do povo Shona, do Zimbabwe, retratam pessoas e animais numa moldura composta por um milhar de pal­meiras. Mais acima, um bosque de bambu pontuado por peças de arte moderna pertencentes à colecção Berardo (e que são regularmente substituídas, proporcionando sempre um olhar diferente a quem regressa ao local). Bu­das dourados em repouso junto à escadaria em mármore, peça central do complexo.

Enquanto as carpas asiáticas se bamboleiam pelas águas do lago, há toda uma vida que decorre nas colinas em redor – e ainda com mais intensidade numa zona de bos­que propositadamente deixada em estado quase natural. Os planos de água dão o toque de frescura tão necessá­rio nos meses de maior calor, as árvores formam sombras acolhedoras, o murmúrio das cascatas serve de fundo às vocalizações da passarada. De vez em quando, lá passa o pequeno comboio das visitas, o único veículo que circula no jardim.

Paz e tranquilidade. Mesmo com centenas de visitantes todos os dias, há sempre aqui um cantinho para cada um. Para meditar ou namorar, ler ou dormitar, respirar fundo e recarregar baterias. E se a passagem pelos painéis junto à vinha (onde se conta a história do vinho) lhe abriu o ape­tite, uma passagem pela moderna e muito bem organiza­da loja do grupo Bacalhôa permite resolver o problema. Opções não faltam.

A Quinta dos Loridos é, também, um sítio excelente para eventos. Há espaços que albergam desde 80 a 250 pes­soas e um extraordinário terreiro interior com relvado que permite organizar quase tudo, seja um arraial típico ou um espectáculo musical. Para carteiras mais fornecidas existe ainda a possibilidade de alugar o solar para passar uns dias entre os vinhos e a Natureza, com vista para o Oriente. Se não dispuser no momento de uns milhares de euros, fica o conselho: abra uma garrafa de vinho e sente­-se à sombra. A vida não tem de ser cara para valer a pena.

Quinta do Carmo
O Buddha Eden foi a primeira infra-estrutura turística do grupo Bacalhôa a abrir portas de forma estruturada e com entradas pagas. Encerrada a ronda a norte de Lisboa, ini­ciamos a voltinha sul com uma visita ao membro mais novo do grupo. Nos arredores de Estremoz, as vinhas à beira da estrada conduzem-nos o olhar para a esbelta silhueta branca da Quinta do Carmo, onde se situa o centro de vinificação do grupo para os vinhos alentejanos (3,5 milhões de garrafas por ano) e onde, em breve, uma bela surpresa aguardará os visitantes.

Aqui o enoturismo ainda é residual. Mas os enormes blo­cos de mármore (a pedra símbolo da região) que se em­pilham entre os sobreiros (outro ícone destas paragens) em breve poderão contar outra história. Estas torres desi­guais em pedra serão pintadas e decoradas (uma ou outra já exibe cores vibrantes) e funcionarão como elemento­-surpresa de um destino turístico bem mais “institucional” do que é regra no grupo Bacalhôa. Onde se lê “institu­cional”, não se leia, por favor, “desinteressante”. Longe disso. A Quinta do Carmo é um edifício senhorial muito bonito, com uma vista extraordinária para a serra d’Ossa (653 metros de altitude) e um enquadramento cuidado de jardins e espaços verdes. Mas é também uma enorme proriedade agrícola de quase mil hectares, 350 dos quais ocupados com montado e 150 com vinha.

A magia do silêncio (especialmente notável na ruína que se mira no espelho de água da represa e onde, comenta­-se à boca pequena, ficaria mesmo bem um restaurante…) está por todo o lado, neste Alentejo imenso e harmonio­so. Ao fundo da propriedade, a ribeira de Tera marca a di­visão entre as bacias hidrográficas do Tejo e do Guadiana. Sobreiros gigantescos esticam os braços em direcção ao céu, enquadrando lençóis de vinha – e já se faz vinho por estas paragens desde, pelo menos, os finais do século XIX.

A casa principal da quinta tem tudo para funcionar como complexo residencial – espaço, autenticidade, mobiliário e arquitectura, uma vista extraordinária – e existem planos para instalar aqui um conjunto de suítes. Mas a prioridade é mesmo terminar a decoração das instalações em pedra que prometem dar à Quinta do Carmo uma identidade única. Criada essa imagem de marca, e apostando no tra­balho nas redes sociais (área em que se sente particular­mente confortável), o grupo Bacalhôa apostará então na divulgação de um destino enoturístico que fica mesmo na rota dos espanhóis que apontam a Lisboa por estrada.

Ao ritmo das palavras e dos projectos, eis-nos já no in­terior da adega, onde se trabalha com meios modernos em grandes volumes, mas também se encontram quatro talhas reservadas a um exercício de microvinificação. Por­que, lá está, o vinho é uma arte e uma paixão.

Palácio e Sede da Bacalhôa
De Estremoz a Azeitão, a estrada é boa e a ligação faz-se bem a tempo de começar a pensar no almoço… que está prometido para o Palácio da Bacalhôa. Mas antes ainda há tempo para uma visita à sede do grupo, também ali às portas de Azeitão, na Quinta da Bassaqueira, onde 300 hectares de vinha (quase metade de Moscatel, uma das castas-bandeira da Península de Setúbal) rodeiam o edi­fício hexagonal que alberga os escritórios e a plataforma logística de expedição, mas também – e como não po­dia deixar de ser – exposições de arte e surpresas a cada passo.

Comecemos pelo exterior, onde oliveiras milenares vin­das do Alqueva nos saúdam e conduzem ao jardim japo­nês, espaço para obras de arte moderna e uma pequena árvore Kaki (um diospireiro), neta da única sobrevivente da bomba atómica lançada sobre Nagasaqui em 1945. O jardim, onde os inesperados ramos azuis de uma árvore artisticamente intervencionada (a “árvore do amor”) relu­zem por entre bambus, é de visita livre e conduz à sala de provas e à loja.

No interior do edifício, somos levados num circuito que passa sucessivamente por uma exposição de arte e etno­grafia africana (Out of Africa), uma homenagem à Rainha Ginga (a mesma do romance de José Eduardo Agualusa) onde encontramos cerca de 700 peças de 15 países; uma amostra da maior colecção privada de azulejos em Portu­gal (do século XVI até à actualidade); e o espaço What a Wonderful World, composto por mobiliário, decoração, esculturas e cerâmicas dos loucos anos 1920, uma festival de sentidos em Art Nouveau e Art Deco. Pelo meio, o vislumbre de uma das estufas de Moscatel, com centenas de barricas, e duas extravagantes portas indianas em ma­deira esculpida, separando as alas museológicas.

Azeitão constitui o quarto pólo turístico da Bacalhôa, mas este é um polo com dois epicentros: a sede e, ali a menos de dois quilómetros, o Palácio, monumento nacional. A constante e intensiva pesquisa levada a cabo pela equipa própria da empresa permitiu recuar em séculos a defini­ção das origens do edifício e a história da propriedade. Aqui encontram-se vestígios romanos, o primeiro azulejo datado em Portugal (na casa do lago, um retiro romântico sobre um espelho de água e contíguo ao jardim onde os buxos desenham arabescos de verde por entre muros seculares), vinhas e todo um ambiente de harmonia que nem vale a pena tentar descrever por palavras.

Recentemente remodelada e enriquecida, a visita ao Palácio permite ver e ouvir muito do que foi a história de Portugal nos últimos séculos (vários reis da dinastia de Avis foram proprietários do edifício e da quinta), mas também conhecer episódios mais ou menos pícaros da vida nos tempos da realeza, descobrir uma arquitectura moldada pelas influências trazidas das constantes viagens portuguesas pelo mundo e também apreciar obras de arte contemporânea.

É numa varanda panorâmica, pairando sobre séculos de história e histórias, que encerramos a viagem pelo universo turístico da Bacalhôa Vinhos. Mesmo sem contemplar ain­da a vertente alojamento, o grupo oferece um panorama variado e riquíssimo de propostas turísticas em cinco locais distintos, distribuídos por quatro regiões vinícolas. Mais do que apenas Portugal, é o mundo que se encontra aqui.

Preços muito acessíveis
Há poucos limites para o que se pode fazer e organizar nas instalações dos destinos enoturísticos da Bacalhôa Vinhos. Existe um leque vasto de opções, com preços sob consulta, e a multiplicidade de espaços disponíveis, bem como a abertura da equipa a novas ideias, são verdadeiros desafios à imaginação. Dos programas mais exclusivos às visitas mais simples, há sempre nestes cinco destinos uma resposta para todas bolsas, com preços muito acessíveis na base da pirâmide.

• Palácio da Bacalhôa (visita guiada): 4 euros
• Museu Sede (visita guiada + prova): 3 euros
• Palácio + Museu (visita guiada + prova): 6 euros
• Bacalhôa Buddha Eden (visita livre): 4 euros
• Bacalhôa Buddha Eden (bilhete do comboio): 3 euros
• Aliança Underground Museu (visita guiada + prova): 3 euros
• Quinta do Carmo (visita guiada + prova): 5 euros

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