Mesmo ao pé da Zibreira, concelho de Torres Vedras, um recente produtor decidiu enveredar pela produção de vinho com uma filosofia que aponta para a elevada qualidade. E em boa hora o fez a Quinta da Boa Esperança…
TEXTO António Falcão NOTAS DE PROVA João Paulo Martins e Nuno Oliveira Garcia FOTOS Ricardo Palma Veiga
ARTUR Gama não é um desconhecido nos vinhos. Juntamente com a sua mulher, Eva Moura Guedes, adquiriram esta quinta em Dezembro de 2014. Localizada a leste de Torres Vedras, a quinta foi imediatamente rebaptizada com o nome de Quinta da Boa Esperança. O nome ‘Esperança’ pode indicar um milhão de coisas diferentes, mas o casal prefere pensar num período notável da história de Portugal, quando os intrépidos navegadores portugueses – chefiados por Bartolomeu Dias – dobraram finalmente por mar o cabo da Boa Esperança, na pontinha a sul da África, e assim conseguiram encurtar sobremaneira o acesso às índias. Na altura, recorde-se, nem sequer se sabia se existia alguma ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Índico…
O investimento do casal foi por isso vultuoso e basicamente uma decisão de vida, há muito aguardada e, quem sabe, tentada. Façanhas à parte, vamos ver um pouco a terra que foi comprada. Geograficamente, a Quinta da Boa Esperança está naquilo a que poderíamos chamar zona de transição: não está tão exposta ao Atlântico como quintas mais próximas do mar, mas não é tão quente e seca como outras zonas da região de Lisboa mais para sul e interior, ou eventualmente mais protegidas por conjuntos montanhosos. O mar fica a 20 quilómetros. Os solos são predominantemente de perfil argilo-calcário. A orientação da vinha é sobretudo este-oeste, em encostas relativamente suaves.
A caminho do biológico
A produção de vinho foi, desde logo, uma ambição. A vinha já existia na quinta, mas os responsáveis de produção – Paula Fernandes, residente, e Rodrigo Martins, consultor – consideraram que não estava em grande estado. O primeiro passo foi, assim, compor o vinhedo, seja por arrancar e replantar, seja por recuperar algumas parcelas. O primeiro instinto foi arrancar o Alicante Bouschet, casta mais indicada para climas quentes. Enquanto a decisão era considerada, decidiram controlar a produção do Alicante (para metade) durante 2015 e colhê-lo apenas quanto estava ligeiramente desidratado. Fez-se a vindima e, surpresa das surpresas, foi a casta que melhor vinho deu nesse ano! E é, segundo Rodrigo, o vinho que maior mostra dá de longevidade. Afinal, só saiu metade do Alicante. Entraram Arinto e Sau- vignon Blanc, duas castas brancas com boas capacidades enológicas. Outra ambição dos responsáveis é ir subindo no respeito pelo ambiente. Em 2018 querem deixar de usar herbicidas, e, se os resultados forem bons, ir aumentando a parada, ano após ano, até chegarem à verdadeira agricultura biológica. “Cada ano é um ano de aprendizagem”, diz Rodrigo Martins.
Ficar apenas com o melhor
Só uma parte do vinho aqui feito é engarrafado com o nome Quinta da Boa Esperança. O resultado é que a produção total é curta, para já: cerca de 15.000 litros de branco e entre 15 a 20.000 litros de tinto. O restante, que não chega ao padrão exigido, é vendido a terceiros.
A vindima é feita, claro, à mão e os cachos vão directo da vinha para a adega. Nem sequer há tapete de escolha: a selecção dos cachos é feita logo na vinha.
Os melhores varietais são mantidos assim mesmo, sem lotear com outras castas. Por isso a casa tem muitos. Por outro lado, estão em barricas os primeiros topos-de-gama tintos: um Reserva e um Grande Reserva. Vão sair mais tarde, especialmente o Grande Reserva, que se espera vir a ter dois anos de madeira.
Os anos são todos diferentes e, por isso, nas edições de 2016 poderão existir outros varietais. Em 2017, por exemplo, deverá haver um Castelão, que se portou muito bem. Foi também um ano fantástico para brancos, disse-nos Paula Fernandes.
A adega
A adega nasceu pouco depois e, segundo os enólogos, tem tudo o que é preciso para fazer bons vinhos. Mas, diz Rodrigo, “o maior investimento vai sempre para a vinha”. Ainda assim, é bem possível que tenham de ampliar a adega nos tempos mais próximos.
A cave de barricas já tem um bom conjunto de unidades (225, 500 e 700 litros) e percebe-se porquê. À falta de um histórico, a equipa está a fazer experiências com vários fornecedores de barricas e com variações de tostas. Mas as duas tanoarias portuguesas têm-se portado muito bem, mesmo contra marcas famosas de França. O estágio em boa madeira – e não só – tem ajudado a amaciar e complexar os vinhos, especialmente os tintos. De outra forma teriam tendência a exibir taninos um pouco aguerridos. E o que é facto é que se bebem muito bem desde já: suaves no geral, taninos presentes, mas discretos, madeira a notar-se, mas não impositiva.
À procura da velocidade de cruzeiro
A exportação já leva 40% dos vinhos da casa, mas é intuito dos proprietários aumentar esta quota, possivelmente até aos 60%. No mercado nacional, os vinhos estão sobretudo em lojas especializadas.
Agora que as coisas vínicas estão a começar a entrar em velocidade de cruzeiro, o casal está a olhar para os restantes imóveis, que estavam em pobre estado de conservação. Ao lado do armazém onde almoçamos (antiga adega com depósitos de cimento) nasce a futura casa de habitação, onde Artur e Eva esperam vir a morar brevemente. E assim cumprir um sonho, dobrando o cabo da Boa Esperança.