Casa de Santar: Entre nobres vinhas

A presença humana nestes territórios perde-se na memória dos tempos, remontando ao neolítico o cultivo agrícola e a pastorícia. A terra convidava a “assentar”, a criar laços comunitários. Afinal, são os solos mais produtivos da Beira, dotados de condições excecionais para o plantio da vinha, dada a qualidade dos solos e abundância de água.
Hoje, é a maior mancha contínua de vinha da região do Dão que nos surge defronte dos olhos na nobre e histórica Vila de Santar. São mais de 110 hectares de vinhedos que se estendem por um vale encimado pela Vinha dos Amores e Alto dos Amores. É nesta parcela da Vinha dos Amores que nascem os mais exclusivos vinhos da Global Wines, proprietária também da Quinta de Cabriz e Paço dos Cunhas de Santar, no Dão, da Quinta do Encontro, na Bairrada, e da Herdade do Monte da Cal, no Alentejo.
Com recentes mudanças na direção de enologia, agora liderada por Paulo Prior, bairradino oriundo do Centro de Vinificação da Sogrape, em São Mateus, Anadia, e, na direção comercial, com Nuno Abreu, que deixou a Sogevinus para se juntar ao grupo sedeado em Carregal do Sal, sopram novos ventos em Santar, ainda que refreados pelo cariz clássico a que a marca se impõe, tendo, nessa conceção, a principal forma de afirmação no mercado nos últimos anos.

A VINHA DOS AMORES COMO CHANCELA

A Vinha dos Amores surge no promontório Norte de uma propriedade que se estende por mais de 100 hectares. Do alto, a uma cota de 400 metros, a vinha estende-se por 13,5 hectares, num ligeiro declive com exposição a Norte, o que a torna a mais valiosa parcela da Casa de Santar.
O seu crescimento foi progressivo, como foi progressivo o seu plantio, iniciado em 1997 e apenas terminando em 2017. Ali, as parcelas vão sendo divididas por setores, priorizando as características dos solos à escolha das castas com maior potencial para cada um dos talhões. Estamos no coração do Dão e, vai daí, o encepamento destaca as duas grandes castas atuais da região: a Touriga Nacional, nas tintas, e a Encruzado, nas brancas, sendo estas as mais relevantes nos vinhos de exceção de Santar.
A Alfrocheiro começa a surgir timidamente nas contas da Casa de Santar. É nas cotas mais elevadas, sobretudo no Alto dos Amores, que ela melhor se expressa, beneficiando da altitude e da maior exposição à influência da Serra da Estrela, que se ergue frondosa a Sul de Santar.

Apesar de se ter expandido para Sul, estendendo-se às regiões do Alentejo, Tejo e Palmela, é no Dão que encontra o seu território natural. Não obstante ser uma uva vigorosa e muito produtiva, carece de cuidados frequentes e atentos, dada a sua propensão natural ao oídio e podridão cinzenta. Nesta região, é-lhe reconhecida a elegância, cor bastante acentuada e um notável equilíbrio entre álcool, taninos e acidez, conferindo, aos vinhos, uma frescura que tantas vezes está ausente nos vinhos mais estruturados e densos do Dão. Aromaticamente, funde-se no território e na envolvência, fazendo sobressair os aromas a bagas silvestres e nuances de mato rasteiro.
São essas características que Paulo Prior pretende que se tornem mais evidentes nos vinhos nascidos no Alto dos Amores, encontrando-se em curso um trabalho de estudo dos stocks de vinhos da casta existentes na Casa, de modo a encontrar algo que se diferencie e possa vir a aumentar, com uma dotação qualitativa, a família das referências especiais Vinha dos Amores, podendo mesmo ir além de mais que uma vertente. Aguardemos pelo que o futuro nos reserva…
Afinal, não tem sido despicienda a influência da casta nos vinhos das terras de granito nos últimos mais de 150 anos, crendo-se que a sua disseminação com êxito tenha ocorrido nas replantações pós-filoxera. Nos anos 90 do século passado, a casta ganha um evidente estrelato, e inicia um caminho ascendente de popularidade junto de um conjunto de produtores regionais, entre os quais a Casa de Santar.

 

“…a Alfrocheiro pode aportar maior complexidade cosmopolita aos vinhos, em detrimento da concentração clássica.”

 

O novel enólogo de Santar está consciente de que não haverá nenhum movimento disruptivo no classicismo dos vinhos, hoje reconhecidos e com uma marca forte nos mercados nacional e internacional. Contudo, o mundo continua a girar e os movimentos que buscam perfis de maior leveza, elegância, profunda frescura e menor presença de álcool não podem ser descurados. E, aí, há uma forte crença que, a par da Touriga Nacional, a Alfrocheiro pode aportar maior complexidade cosmopolita aos vinhos, em detrimento da concentração que se impôs nas últimas décadas.

“Hoje, é a maior mancha contínua de vinha da região do Dão que nos surge defronte dos olhos na nobre e histórica Vila de Santar.”

 

O TERRITÓRIO E A SUSTENTABILIDADE

O dito terroir da Vinha dos Amores, crê Paulo Prior, é, por si próprio, um fator de diferenciação que, por isso mesmo, deve ser potenciado de modo diferente dos restantes vinhos da chancela Casa de Santar.
A exposição, a barreira elevada e o declive protegem a Vinha dos Amores das geadas de inverno sob forte influência da Serra, do mesmo modo que também a preservam da inclemência das elevadas temperaturas do Verão, uma vez que beneficia de menos horas de exposição direta ao sol. São condições que lhe beneficiam o equilíbrio da maturação, dando origem a mostos mais ricos, profundos e complexos.

As cotas mais elevadas são definitivamente relevantes, do mesmo modo que o é toda a envolvência e proteção das três serras que circundam Santar: Estrela, Caramulo e Bussaco. A composição de solos – arenosos com pouca retenção de água, algum xisto e maioritariamente granito – não valida a retenção de água, forçando as raízes a penetrarem os solos a maior profundidade, buscando a matéria orgânica e nutrientes que escasseiam. A mecanização e a rega monitorizada colmatam a pobreza dos solos.
A sustentabilidade, aqui, é muito mais que um chavão de retórica. Hoje, uma exigente auditoria, realizada de modo independente por cinco empresas, confere à Global Wines, Sociedade Agrícola de Santar, que detém a Casa de Santar e Paço de Santar, sediadas no Dão, Quinta do Encontro, na Bairrada, e Herdade Monte da Cal, no Alentejo, o referencial nacional de sustentabilidade. Esta certificação nacional vem demonstrar que todas cumprem os requisitos legais relacionados com os domínios da sustentabilidade, designadamente, gestão e melhoria contínua, e contribuem ativamente para o bem-estar social, económico e ambiental das comunidades envolventes e das diferentes regiões onde atuam.

 

“…o encepamento destaca as duas grandes castas atuais da região: a Touriga Nacional,nas tintas, e a Encruzado, nas brancas,…”

 

Este Referencial Nacional, criado pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e promovido pela ViniPortugal, abrange, neste caso, a produção total de 235 hectares (165ha no Dão, 67ha no Alentejo e 3ha na Bairrada). Um novo selo de sustentabilidade irá ser brevemente adotado nas rotulagens das marcas Casa de Santar, Paço dos Cunhas de Santar, Cabriz, Quinta do Encontro e Herdade Monte da Cal, o que, para o consumidor, representa uma garantia de que estão implementadas práticas sustentáveis em todas estas organizações e marcas do universo Global Wines.
Hoje já é comum observarem-se, pelos vinhedos de Santar, enormes rebanhos de ovelhas que, no âmbito da produção integrada, fazem o corte da erva das entrelinhas de um modo rudimentar, nivelam as leguminosas ali semeadas, com a vantagem de ainda contribuírem para a nutrição dos solos.

Com o encepamento das tintas a representar 65% das vinhas e as brancas 35%, a realidade da Casa de Santar estende-se hoje muito para além da Touriga Nacional e Encruzado. O passado está bem presente nas 20 castas existentes, em produção ou ensaios que visando reabilitar variedades quase extintas e recuperar aquelas que já tiveram grande preponderância na região, como é o caso da Baga. Santar vinca a altitude e atitude de continuar, na mudança, a criar os vinhos mais nobres do Dão.

Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)

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