Horácio Simões: E viva a diferença

Legenda da foto: Luís e Pedro Simões, os membros da quarta geração da família responsáveis pela gestão da Casa Agrícola fundada por Horácio Simões em 1910.

Casa Agrícola Horácio Simões iniciou a sua actividade em 1910 e resultou da partilha de terras e empresas pelo bisavô da geração actual, José Carvalho Simões, pelos três filhos que queriam trabalhar em vitivinicultura: Horácio, Dinis e Virgílio. Foram, assim, criadas três casas agrícolas, com áreas bem definidas para comercialização dos seus vinhos. Lisboa, Sul do Tejo e Sul da Península de Setúbal. A Horácio, o fundador da casa agrícola com o seu nome, calhou a segunda.

Mas há registos anteriores da actividade da família, quando José Carvalho Simões produzia uva e vinho por sua conta e risco, numa época em que era tradição produzir as uvas, transformá-las em vinhos e comercializá-los. Mas como Luís Simões, 45 anos, membro da quarta geração da família e enólogo da casa gosta de salientar, a prática agrícola do seu ancestral, e dos outros agricultores da região, incluía mais do que apenas a produção de vinho, numa época em que era necessário produzir frutas, legumes, carne e leite para as famílias sobreviverem.

Quando o fundador desta casa iniciou a sua actividade, o escoamento dos vinhos era feito em tabernas. Por isso, foi montando várias em diversas localidades do seu território, e desafiando os filhos dos seus empregados mais antigos para as gerir. “Iam vendendo o vinho e abatendo a conta do investimento feito pelo Horácio no estabelecimento, que acabava por passar para as suas mãos após alguns anos”, conta Pedro Simões, 50 anos, também membro da quarta geração da família e responsável pela viticultura e comercialização da empresa. Era uma forma antiga de fazer este negócio, que se manteve durante muitos anos, até ao fecho da última taberna montada pelo bisavô, a da Baixa da Banheira, apenas há um par de anos.

Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos

 

Dos barris para vinho engarrafado

Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado. Foi na altura em que Pedro e Luís começaram a trabalhar na empresa, que já só comercializava vinho em barris e charutos de madeira de 50 e 30 litros. “Qualquer um de nós dois ainda carregámos alguns, até em sítios bem complicados onde tínhamos clientes, como as escarpas de Sesimbra”, conta Pedro Simões.

Com o aproximar do fim do consumo de vinho nas tabernas, Pedro e Luis decidiram mudar para a venda de vinho em garrafa, porque sabiam que não teriam capacidade para competir com as grandes casas, que já eram especialistas na venda de vinhos em garrafão e noutros formatos de comercialização a granel. “Tivémos, desde logo, a visão de evoluir para o engarrafado”, salienta Luís. Para além disso, apostaram na produção e comercialização de vinhos com denominação de origem, em vez de entrarem primeiro com vinhos de mesa no mercado. “Acreditámos que tínhamos possibilidade, com as nossas vinhas e as nossas uvas, de produzir algo distinto que nos fizesse diferenciar no mercado como produtor de vinhos da região”, explica Pedro Simões.

Primeiro lançaram um regional tinto e branco, mais um Moscatel branco e Roxo. “E, a partir daí, o nosso trabalho foi sendo feito com base na nossa crença de que, apostando num trabalho sério e diferenciador, iriamos ter boa receptividade do mercado”, diz o irmão mais velho. Estavam, afinal, a seguir o conselho que o avô lhes tinha transmitido para a sua vida, para “não dependerem nem fazerem como os outros”.
O trabalho que fizeram, incluindo a forma como foram contactando e abrindo portas, andando acima e abaixo do país, abrindo muitas garrafas, foi originando a aceitação do mercado, mesmo em zonas menos tradicionais para o consumo de Moscatel, como o norte do país. Hoje é, segundo Pedro Simões, o melhor mercado deste tipo de vinhos da empresa.

O que é a Casa Horácio Simões?

Sediada na Quinta do Anjo, onde tem a sua adega e espaço de enoturismo, a empresa tem cerca de 30 hectares de vinha própria e adquire uvas de mais 30 ha a parceiros. “É uma realidade muito de minifúndio, em que a nossa maior parcela tem quatro hectares e a mais pequena meio hectare”, conta Pedro Simões, acrescentando que todas ficam em volta da Quinta do Anjo, no sopé da Serra do Louro, o que influencia o caracter distinto dos vinhos que a empresa tem no mercado.

Actualmente, a empresa exporta 30% da sua produção para destinos como o Brasil, Estados Unidos e praticamente para todos os países da Europa, mas apenas para estabelecimentos do canal Horeca e garrafeiras. Em Portugal, os vinhos são distribuídos pela Decante Vinhos.

 

O sucesso dos moscatéis

“Se há 20 anos alguém me perguntasse se vendia uma garrafa de Moscatel no Porto, dizia que eram malucos, porque não conseguia vender uma garrafa de Santarém para cima naquela altura”, afirma, salientando que o sucesso dos moscatéis não foi acompanhado, com a mesma intensidade, pelo dos vinhos tranquilos. “Hoje temos alguma dificuldade em mostrar que a Horácio Simões não é só Moscatel de Setúbal”, conta Luís Simões, explicando que o sucesso dos seus moscatéis se deve, também, à aposta da empresa na sua diferenciação, através do lançamento de referências produzidas com “novas forma de vinificação” e de terroirs diversos.

Até aí os consumidores conheciam o produto, mas não sabiam que a sua origem podia diferenciar as suas características e que uma forma diferente de vinificar se podia sentir no produto final. “Essa maneira de abordar a comunicação dos moscatéis foi a primeira forma de diferenciação da Casa Agrícola Horácio Simões”, revela Luís, acrescentando que a procura de inovações e a experimentação foi-lhes transmitida e incentivada pelo avô, Horácio Simões. E começou, há 30 anos, com a produção e comercialização de vinhos de castas internacionais engarrafados. Mas quando Pedro deu a provar o seu primeiro Castelão/Syrah, e lhe responderam que o vinho era muito bom, mas havia vários produtores com vinhos ainda melhores daquelas castas, decidiu não vinificar mais variedades internacionais na sua casa e apostar na produção e comercialização de vinhos de castas regionais, como forma de diferenciar a casa no mercado. Como é evidente, este processo implicou a procura dessas variedades, o seu estudo e o desenvolvimento de produtos com base nelas. “E mesmo que já tenha havido concorrentes que tenham lançado, depois, vinhos das mesmas castas, nós fomos os primeiros a fazê-lo”, diz Pedro Simões.

Há cerca de 30 anos, a empresa deixou de vender vinho a granel e barris para passar a comercializá-lo engarrafado

 

Os ensinamentos dos antigos

Foi o que aconteceu com os vinhos brancos da casta Boal, que estava plantada no meio das vinhas de Castelão da família. Depois de seleccionada, foi feito um estudo para conhecer melhor as suas características no campo, definir o seu maneio mais adequado e perceber as características dos vinhos que origina. O objectivo era “produzir, com base nela, um Reserva ou um Grande Reserva branco, um vinho diferenciador para a região produzido com uma casta regional”, conta Pedro Simões, acrescentando que a aposta na casta começou em 2007, mas o processo apenas terminou em 2020, com o reconhecimento do vinho pelo mercado.

Foi também com base em trabalho moroso que começaram a ser feitos vinhos com base no Bastardo e na Rabo de Ovelha, variedade cujos bagos gostava de comer quando ia com o avô à vinha. “Desde esse tempo que pensei em fazer um vinho da casta”, revela Pedro, acrescentando que todo o trabalho desenvolvido desde que a geração actual assumiu os destinos da casa está assente na mesma filosofia das gerações anteriores, de “fazer diferente, melhor”. “A sabedoria das gerações anteriores, que não tinham estudos, era suficiente para produzirem vinhos diferenciadores”, diz Luís Simões, acrescentando que os seus ancestrais sabiam, por exemplo, que “fazia sentido ter, numa vinha velha, castas brancas e tintas misturadas”.

Ensinamentos como estes, que lhes foram transmitidos pelas gerações anteriores e não pelos livros que foi estudando, contribuem, de forma significativa, para a forma como as coisas são feitas nesta casa agrícola. “O nosso caminho passa pelo uso de tudo o que aprendemos com os anteriores membros da casa e dos conhecimentos actuais para tirar o melhor de cada colheita”, acrescenta Pedro Simões, salientando que é isso que ambos querem engarrafar: uma vinha e um ano agrícola.

Horácio Simões

 

Os efeitos do tempo

Nas vinhas da empresa estão plantadas as variedades brancas Rabo de Ovelha e Boal do Barreiro, tintas Castelão e Bastardo e Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo, algumas com mais de 100 anos. Nestas, as vindimas seguem o ritmo de colheitas de sempre. “O aquecimento global pouco tem influenciado as datas de vindima”, conta Luís Simões. “O que os nossos registos nos dizem é que o Castelão está maduro a 15 de Setembro, mas pode ser a 14, 16 ou 18, variações tão pouco significativas, que nos demonstram que as datas de vindima se têm mantido ao longo do tempo”, acrescenta.

A primeira a ser colhida é sempre Moscatel Roxo, quando está no estado de maturação perfeito para a produção de licoroso. “Quando estava misturado com outras castas na vinha, as uvas quase nunca eram colhidas por serem as primeiras a amadurecer, e a ser comidas por pássaros e insectos”, conta Luis Simões. Mas não é o que acontece hoje. Seguem-se, após algum período de paragem, as brancas Boal e Rabo de Ovelha e, depois, o Castelão e o Bastardo, que é vindimado em duas fases. “Primeiro, em Agosto, quando tem 11 a 11,5% de álcool, para o tinto, e, em Setembro, para a produção de licoroso”, explica Pedro, acrescentando que a maior parte das vindimas de uma parte das castas foi antecipada em relação ao período tradicional, logo a seguir à Festa da Moita em honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Setembro. “Aquilo que conhecemos sobre as castas de ciclos mais pequenos, mais temporãs, levou-nos a antecipar vindimas e os períodos de tempo em que decorrem para aproveitar aquilo que cada casta, e cada vinha, pode dar, para o tipo de vinho para aquilo que pretendemos produzir”, explica acrescentando que a sua adega está actualmente preparada para ir trabalhando e parando entre vindimas.

(Artigo publicado na edição de Janeiro de 2025)

 

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