Pedro Silva Reis: Uma vida na Real

A Real Companhia Velha é a sua casa. Desde cedo que acompanhou o pai e inevitavelmente entrou muito jovem para a empresa. Hoje, ao comemorar 20 anos na gestão e 40 anos na casa, não tem dúvidas: “nunca tive outro emprego e não me imaginaria a fazer outra coisa.” Foi para comemorar a carreira longa e profícua de Pedro Silva Reis que fomos ao Douro e aproveitámos para provar os vinhos que lhe são mais caros.

Texto: João Paulo Martins  Fotos: Real Companhia Velha

Estávamos em 1982 quando Pedro Silva Reis entrou, com 22 anos, para a Real Companhia Velha (RCV), empresa então dirigida pelo pai. A companhia era grande, já tinha quintas enormes e o foco era, como acontecia com todas as empresas do Douro nessa época, o vinho do Porto. Ainda faltava uma década para que se começasse a dar a explosão dos vinhos Douro. Em boa verdade a RCV já tinha uma grande tradição de fazer “vinhos de consumo”, como então se dizia. Não só tinha marcas próprias como herdou também as marcas da Real Vinícola, outra grande empresa do país durante o século XX e que foi, durante décadas, a grande concorrente da RCV. Com a fusão das duas empresas, a RCV ficou com uma carteira de marcas bastante interessante mas também confusa. Muitas delas desapareceram (Grantom, Granléve, Cabido, Lamego) mas outras conservaram-se até hoje (Porca de Murça, Evel) e algumas foram vendidas, como foi o caso da marca Deu-la-Deu que pertencia à Real Vinícola mas que foi vendida à Adega Cooperativa de Monção. À data da entrada de Pedro, já o irmão estava a trabalhar na empresa desde 1979, sempre na área comercial, onde ainda se mantém.

pedro reis real
Pedro Silva Reis, no meio dos filhos, Pedro e Tiago e com o sobrinho Vasco à direita.

Primeiro, o vinho do Porto…

Durante muitas décadas o negócio da RCV foi sobretudo o vinho do Porto das gamas de entrada. Pouco ou nada se falava de Vintage, de LBV ou outras categorias especiais. “A empresa estava vocacionada para o volume, o que fazia de nós muito mais um négociant do que um produtor”, diz Pedro. Declarações de Vintage, clássicos ou não clássicos, não era assunto importante, o que mais se vendia eram os tawnies e rubies correntes. Mas isso não impediu que a empresa fosse acumulando um impressionante stock de vinhos velhos que, agora, em ocasiões especiais, traz ao grande público.
Quando Pedro Silva Reis chegou à empresa vigorava a prática de fazer os vinhos do Porto em autovinificadores. Era uma técnica que tinha sido introduzida no Douro na colheita de 1964, visando a fermentação dos vinhos por métodos mecânicos que dispensassem a pisa a pé. A tal pisa, na RCV, foi mesmo abandonada em 1968. Considerava-se então que a pisa a pé seria uma prática do passado que não voltaria a ser usada. Os anos 80 e 90 foram também tempos conturbados, com a ligação da Companhia Velha à Casa do Douro bem como, anos mais tarde, os problemas que derivaram da relação com os investidores espanhóis que tinham adquirido a quinta de Ventozelo. Mas foram também anos de aprendizagem, uma vez que Pedro Silva Reis cedo se interessou pela prova de vinhos do Porto e essa é, de resto, uma das actividades que ainda hoje faz com mais prazer. Poderia pensar-se que o prazer estaria também na condução dos dois Rolls-Royce que herdou, mas Pedro é peremptório: “aquilo é só para olhar, basta pôr o motor a trabalhar e já começa a dar problemas; acresce depois a quantidade enorme de gasolina que consome; são peças de museu que herdámos, mas nada mais do que isso”.

Depois, os brancos e tintos do Douro

Foi só na segunda metade dos anos 90 que os ventos sopraram de outro modo. Em 1996 foi contratado Jerry Luper, enólogo com créditos firmados na Califórnia, e Pedro Silva Reis criou a Fine Wine Division (1997), pensada para fazer coisas diferentes, inovadoras e que pudessem trazer algo de novo ao mercado. A época correspondeu também ao alargamento da equipa com a entrada de Jorge Moreira para a enologia e Álvaro Martinho Lopes para a viticultura. Experimentar castas de fora foi um dos primeiros desafios. Tirando partido da localização em altitude da quinta de Cidrô, em São João da Pesqueira, nasceu em 1996 o primeiro Cidrô Chardonnay a que se seguiram então as outras castas francesas, como Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Gewürztraminer e Sémillon, esta entretanto rebaptizada como Boal do Douro. A Fine Wine Division veio a revelar-se um marco na história da empresa porque modificou o tipo de negócio a que a RCV estava habituada: de empresa que fazia volumes em vinho do Porto, a Real passou a ser empresa inovadora nos vinhos DOC Douro e IG Duriense que veio a colocar no mercado. Segundo nos revelou Pedro Silva Reis, estes novos vinhos de Cidrô são já da sua “lavra”, muito tempo antes de se ter tornado administrador, em 2002. Logo da colheita de 1998 saíram dois vinhos emblemáticos, o primeiro tinto Quinta dos Aciprestes 1997 e o tinto Evel Grande Escolha também do mesmo ano. Outra grande novidade foi o Grandjó Late Harvest, um branco a lembrar os vinhos de Sauternes e que tem, literalmente “deixado sem voz” alguns visitantes da Real, como nos contou Jorge Moreira. O nome resulta da junção dos nomes Granja e Alijó. Para Pedro, o grande sonho seria conseguir fazer um Grandjó que se aproxime do de 1925, feito na época por um enólogo francês, no Douro.
A Quinta de Cidrô foi adquirida em 1972 e o palácio que hoje existe foi uma “teimosia” do pai Silva Reis que “levou 30 anos a recuperar, decorar e rechear a casa, de que apenas existiam as paredes exteriores à data da compra. O palácio tinha pertencido ao Marques de Soveral (chegou mesmo a haver na empresa a marca Marquis de Soveral) mas que, entretanto, deu origem à marca Marquis, agora parte integrante do portefólio”, disse-nos.
Criar marcas passa também por ter uvas capazes para os vinhos que se pretendem. A empresa alargou-se em termos de área de vinha? perguntámos. Pedro não hesita em afirmar que “mais do que alargar a área de vinha, o que temos feito é reestruturar grande parte das vinhas e, ao mesmo tempo recuperar as vinhas velhas que achámos que valiam a pena e também recuperar as castas antigas, precisamente dessas vinhas velhas”. Recentemente foram recuperados 138 ha de vinha em todas as quintas (Aciprestres, Carvalhas, Cidrô, Granja e Síbio) e adquiridos mais 23 ha junto às Carvalhas. Com as antigas castas ora recuperadas, quer em brancos quer em tintos, o que se pretende é “fazer vinhos com menos cor, menos álcool e com isso ir ao encontro da tendência actual. Nasceu assim a colecção Séries (em 2002) onde têm surgido vinhos de castas que os consumidores não conheciam e que nos revelam uma pequena parte da enorme riqueza existente no Douro”. O primeiro vinho saiu em 2012.

Novas e antigas preciosidades

Outro marco importante do percurso de Pedro Silva Reis nestes 20 anos foi a retoma da produção de espumantes, há muitos anos interrompida. Com o histórico que a empresa tinha – a Real Vinícola foi a primeira empresa a fazer espumante no Douro e durante décadas era famosa a marca Assis-Brazil, a ideia de retomar a produção ganhou força e nasceu assim, em 2011, o espumante Real Companhia Velha, em duas versões – Chardonnay e Chardonnay com Pinot Noir. “Este foi o único produto cujas vendas cresceram durante a pandemia, mas temos limitações (Pinot e Chardonnay não há que chegue) e não podemos crescer mais por enquanto. Estamos a fazer cerca de 12000 garrafas por ano, talvez consigamos chegar às 20 ou 30000”. Disse.
O evento de celebração incluiu um almoço na casa redonda das Carvalhas onde foram provados os novos vinhos cujas notas de prova incluímos neste trabalho. Ao jantar, em Cidrô foram bebidos vinhos de colecção que, em alguns casos ainda podem ser adquiridos nas instalações de enoturismo da empresa, no Pinhão. O momento foi aproveitado para revisitar o Carvalhas branco 2008, feito de Viosinho e Gouveio e que se mostrou numa forma extraordinária (18), bem como o seu congénere tinto 2010, a brilhar muito alto (19); o Evel Grande Escolha 1997 mostrou uma excelente evolução, rico e delicado (18) e, no caso dos vinhos do Porto, um vintage 1997 com muito boa evolução, ainda cheio e rico (18) e um 1938, com pouca cor e aquele brilho fantástico da decadência, o verdadeiro vinho de cheiro (19). O Porto que comemorou os 250 anos da empresa, tem como base um vinho de 1867 e depois tem acrescentos das melhores edições de cada década (1927, 37, 55 e 77): austero, fechado, todo ele sério, com muita fruta em calda. Magnífico. (19,5)
Projectos para o futuro há vários, mas Pedro Silva Reis quer também deixar espaço ao seu filho Pedro que activamente já está na empresa, bem como ao sobrinho e outro filho seu que acabaram de entrar, para criarem os seus próprios projectos. Conta-nos que “o meu filho Pedro está a trabalhar na criação de um tinto super-premium, um vinho icónico que se coloque entre os melhores; estamos bem encaminhados, já há duas colheitas e vamos esperar mais um pouco para ver se temos a consistência necessária. Dentro de dois ou três anos teremos o vinho no mercado. Vamos também continuar com a colecção Séries, onde damos a conhecer castas como Tinta Bastardinha (Alfrocheiro) e vamos procurar crescer na casta Bastardo.”
Pedro conclui: “este clima de inovação, renovação da família e de projectos em marcha, estou em crer que seriam do agrado do meu pai se ele cá voltasse; casa arrumada, sustentabilidade do negócio, arranjo das quintas em termos de visitas e conforto (as obras na casa redonda das Carvalhas são disso um exemplo) e são 20 anos a fazer pequenas coisas que ajudam a que tudo esteja diferente.”
E como pensa terminar a carreira? “Bem, acho que vou acabar na sala de prova a provar vinhos do Porto velhos que é o que mais gosto de fazer”, rematou.

(Artigo publicado na edição de Outubro de 2022)

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