Freixo de Espada à Cinta fica no distrito de Bragança. Mas em termos do mapa vínico nacional, pertence à sub-região do Douro Superior. Possui uma área aproximada de 245 km2, sendo limitada, a Norte, pelo concelho de Mogadouro, a Sul pelo concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, a Oeste pelo concelho de Torre de Moncorvo e a Este pela vizinha Espanha (Província de Salamanca). O rio Douro passa a cerca de 4 km da vila, demarcando, neste concelho, a fronteira entre Portugal e Espanha.
Há diversas explicações para o curioso nome desta vila. Uns dizem que teve origem no nome de um fidalgo godo “Espadacinta”, outros no brasão de um fidalgo leonês que tinha um freixo e uma espada ou, ainda, na lenda que diz que D. Dinis, rei de Portugal, quando fundou a localidade no séc. XIV, amarrou a sua espada a um freixo, antes de se encostar à árvore a descansar. Essa árvore, de grande porte, está há mais 500 anos no largo principal da vila e merece observação atenta.
Para além das amendoeiras em flor que levam muitos visitantes à vila, sobretudo na Primavera, para assistir a tal beleza da terra, há que explorar os diversos miradouros que atestam uma paisagem natural avassaladora. Freixo é também uma vila Manuelina, pintada de monumentos e casas com traços arquitetónicos desse tempo. Na vila pode ainda visitar a Casa Natal de Guerra Junqueiro, onde nasceu o poeta, político e jornalista português, situada na Rua das Flores e onde está a coleção de livros e as pautas da sua Marcha do Ódio. Pode ainda ser visitada a casa da sua família, onde está uma mostra de objetos agrícolas, roupa, utensílios de cozinha, de modo a exemplificar como vivia uma família abastada no século XIX.
O patriarca Manuel Caldeira
É neste contexto histórico, envolvido no Douro Superior, que se materializa o sonho de Manuel Caldeira. Homem da terra, nascido e criado em Freixo, desde muito cedo iniciou a sua vida na agricultura, tendo mais tarde enveredado pela construção civil. Em 2010 lança o desafio ao seu genro, Pedro Martins, de criar uma marca de vinhos própria.
“O Sr. Caldeira começou na agricultura com o pai, que era feitor de algumas quintas aqui. Criou a empresa dele, a sua atividade principal, mantendo sempre o foco na agricultura, e foi adquirindo mais terras, plantando vinhas e diversificando. Em 2010, nós tínhamos cerca de 600 ovelhas, éramos o maior produtor de leite da região e somos dos maiores produtores de amêndoa e azeitona de Freixo de Espada-à-Cinta. Ao todo, neste momento as propriedades com floresta e tudo, rondarão os 600 hectares de terra”, salienta, com entusiasmo, Pedro. Aceite o desafio feito pelo sogro, começa a desenhar as bases de um projeto que avança hoje para os 15 anos de idade, com crescimento sustentado e qualidade reconhecida no mercado. Assim nascia o projeto Quinta dos Castelares.
“Freixo de Espada à Cinta é conhecida pela arquitetura manuelina e tem uma igreja com uma porta fabulosa, que foi a inspiração do rótulo da Quinta dos Castelares. O rio Douro, na região demarcada, começa em Freixo, pelo que também tem destaque no rótulo, bem como a faixa castanha de terra como alusão a Espanha. Esfera Armilar porquê? Não somos família brasonada, mas ela é um símbolo dos Descobrimentos, em que nós portugueses conquistámos o mundo e eu usei esse símbolo, porque também quero conquistar o mundo através dos vinhos”, explica Pedro.
Atualmente, este projeto familiar explora cerca de 145 hectares de vinha, distribuídos por três quintas
Um projeto familiar
Atualmente, este projeto familiar explora cerca de 145 hectares de vinha, distribuídos por três quintas: A dos Castelares, com cerca de 100 hectares; a da Congida, que fica junto à praia do rio fluvial, na parte de cima da barragem de Saucelle, com 10 hectares; enquanto que na parte de baixo da barragem se situa a Quinta da Fronteira, com cerca de 42 hectares, que estava na posse da Companhia das Quintas e foi adquirida em 2017. Lá são produzidos tintos e Vinho do Porto.
“Com a estratégia que implementamos quando, em 2011, começámos com cerca de 70 hectares, números redondos, fomos crescendo ao ponto que chegámos, hoje, aos cerca de 145 ha, porque havia solicitações de mercado para mais vinho e mais segmentos”, conta Pedro Martins. “Em vez de entrarmos na aquisição de uvas, que não sabemos a qualidade que têm, decidimos optar por expandir e ter a certeza de controlar a qualidade da matéria-prima”, explica. E com a aquisição em particular da Quinta da Fronteira foi possível a empresa crescer na produção de vinho do Porto. Hoje tem cerca de 300 pipas de benefício, das quais vende parte a granel.
Se Manuel Caldeira é o eterno visionário, Pedro Martins é o homem que atualmente dirige todas as fases da empresa, incluindo a enologia. A admiração do primeiro pelo genro é inegável e a sua paixão pela terra, pelas vinhas e pelos vinhos que ajudou a construir e o projeto que viu crescer sob a sua alçada, transparece no brilho dos seus olhos e deve ser justamente destacada.
São cerca de 500 mil garrafas produzidas anualmente a partir de vinhas que se situam entre os 700 metros de altitude, na Quinta dos Castelares, e os 450 metros de altitude, na Quinta da Fronteira, permitindo assim criar vinhos de perfis distintos. O mercado nacional representa cerca de 60% das vendas, sendo os restantes 40% para exportação. A adega é moderna, ampla e contempla barricas de carvalho francês, húngaro e americano, utilizadas no loteamento dos vinhos. Toda a produção é certificada em modo biológico, o que também diferencia este projeto. Em termos de encepamentos, destacam-se, nas castas tintas, a Touriga Nacional (30% do total plantado), Tinta Roriz, Bastardo, Tinta Francisca, Touriga Franca, Alicante Bouschet e Pinot Noir, enquanto nas castas brancas podemos encontrar Códega de Larinho, Gouveio, Viosinho, Alvarinho, Rabigato, Moscatel e Chardonnay.
O caráter do Douro Superior
O portfolio é bastante alargado, com diversas referências distribuídas pelas marcas Quinta dos Castelares e Fronteira, havendo também espaço para vinhos especiais como o espumante 100% de Códega de Larinho (provavelmente o único no mercado desta casta) e outras referências que são já icónicas como o Quinta dos Castelares Sublime, expressão muito particular de um 100% Touriga Nacional, ou o Bicho da Seda, o topo de gama da casa, que apenas sai em anos excecionais e resulta do melhor das vinhas velhas da propriedade.
“A diversidade de barricas permite-nos engarrafar uma nova referência se identificarmos algo especial, mas o segredo está na vinha e nas uvas que possuímos”, diz Pedro Martins. O vinho Bicho da Seda, por exemplo, provém da Vinha do Almirante, um field blend com mais de 60 anos, localizado em altitude.
O objetivo é manter a qualidade e continuar o legado de Manuel Caldeira. É inegável a sua importância e presença mesmo quando está longe, bem como o carinho que todos nutrem por ele, em particular Pedro. “Em 2017 decidi fazer um grande branco ao estilo Borgonha em sua homenagem, um branco gordo mas muito prazeroso”, conta. Mais tarde fez o tinto, que teve origem nas uvas que Manuel Caldeira considera as melhores dos talhões. “Sem ele saber, peguei nessas uvas e criei o Manuel Caldeira tinto”, revela o genro. Ambos, que foram um sucesso comercial, representam muito para a marca e perpetuam para sempre a memória do sogro.
Após a visita às vinhas, às quintas e à adega foi tempo de provar várias referências do extenso portfolio da casa, das quais daremos respetiva nota de prova. A sala de provas é lindíssima, com uma vista fabulosa para as vinhas da Quinta dos Castelares protegidas pela Serra de Poiares. Para fim de festa, fomos testar alguns dos topos da casa à mesa no restaurante Cinta D’Ouro. São vinhos concentrados, eminentemente gastronómicos, expressão do Douro Superior, que brilharam à mesa com o menu preparado pelo Chef Diego Ledesma, com destaque para a salada de perdiz, o bacalhau e uma maravilhosa e suculenta costeleta de carne maturada de comer e chorar por mais. De visita obrigatória!
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
(Artigo publicado na edição de Março de 2025)
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Quinta dos Castelares Bicho da Seda
Tinto - 2021 -
Quinta dos Castelares Sublime
Tinto - 2021 -
Quinta dos Castelares Manuel Caldeira
Tinto - 2021 -
Quinta dos Castelares Manuel Caldeira
Branco - 2022 -
Quinta dos Castelares
Tinto - 2020 -
Quinta dos Castelares
Tinto - 2021 -
Quinta dos Castelares
Branco - 2023 -
Quinta dos Castelares
Rosé - 2023