Estamos no Monte da Ravasqueira, em Arraiolos, 25 anos depois da plantação das primeiras videiras, para passar o dia junto dos vinhos mais ambiciosos, que saem daqueles 45 hectares de vinha, e sentir as características únicas do local. Quem nos acompanha é a equipa de enologia, composta por David Baverstock — enólogo chefe, chegado recentemente à Ravasqueira para impulsionar as gamas superiores — o seu “braço direito” Vasco Rosa Santos (que já conhece a casa como a palma das suas mãos) e a enóloga assistente Ana Filipa Pereira. “O meu papel na Ravasqueira é fazer vinhos com elegância, complexidade e longevidade. Temos aqui talhões muito diferentes uns dos outros, e estamos a reflectir isso na adega”, sublinhou David Baverstock, que, já junto às vinhas, explicou o que a propriedade pode oferecer aos vinhos: “O micro-clima especial deste sítio tem que ver com os vales, as ribeiras, as encostas… Há aqui grandes amplitudes térmicas. Esta zona de Arraiolos é mesmo interessante, e a frescura daqui vai ser muito importante para os próximos anos, sobretudo para lidar com o aquecimento global”. Sobre a vindima deste ano, o enólogo lembrou que foi iniciada cedo, com alguns dias de paragem em meados de Setembro, devidos à chuva. “Surpreendentemente, foi uma vindima com bastante produção”, afirma.
Provar o futuro e o passado
Uma caminhada pelas vinhas até à adega levou-nos a uma prova de vinhos em estágio, essencialmente uma prova de tintos monocasta, uns com o destino traçado, outros ainda a aguardar sentença. O futuro Reserva da Família branco e um antigo Vinha das Romãs tinto, ambos lotes de duas castas, juntaram-se à festa. Um momento curioso e esclarecedor, passado na companhia das barricas e da dupla de enólogos da Ravasqueira. O Reserva da Família branco 2023 junta Alvarinho e Viognier e mostra-se promissor, com acidez vincada e pureza de fruta. Já o vinha das Romãs tinto 2016, que junta Syrah à Touriga Franca, foi um regresso ao passado, para melhor compreender o vinho que está agora no mercado e que provámos no mesmo dia mais tarde, de 2021. Surpreendentemente, o 2016 apresenta-se ainda com alguma juventude de corpo, mas com evolução positiva nos aromas, sobretudo especiarias e fruta negra, também leve tabaco.
A prova dos monocasta tintos, todos de 2022, mostrou porque é que estes vinhos não saem da adega tão cedo. Mesmo já com um ano de estágio, o fio condutor é o nervo e a pujança, com os taninos ainda a precisar claramente de uma “achega”. O Alicante Bouschet, todo ele terroso, vegetal, e o couro a sobressair. Já o Syrah traz-nos fruta de perfil atractivo, mas com estrutura e complexidade de conjunto. O Touriga Franca, nem é bom pensar em bebê-lo (não é por nada que a colheita actualmente no mercado é a de 2019…), a revelar-se o tinto com os taninos mais aguerridos e jovens da prova. Já o Alfrocheiro tem data marcada para lançamento, enquanto monocasta, em 2024. Apesar da juventude, já denota elegância e algumas das características aromáticas da casta, como pureza de fruta silvestre e um perfil florestal.
Num momento mais focado, mas igualmente interessante, fez-se uma (mini) vertical do Touriga Franca, escolhido pelo produtor pela originalidade (há outros vinhos no Alentejo monocasta de Touriga Franca, mas não são muitos), e para representar a aposta actual da casa nos monovarietais, como uma das estratégias do segmento premium. Começando no 2012, este aponta, no aroma, muita fruta silvestre bem madura, levíssimo balsâmico e nota resinosa envelhecida. Na boca mostra-se mais vivo e fresco, com óptima acidez e amplitude, e também suculência, dada sobretudo pelo lado vegetal (17). O 2013, por sua vez, dá um grande salto no nariz, ainda com pureza de fruta e as especiarias vivas, complexidade, levíssima gordura fumada, agulha de pinheiro e um lado resinoso expressivo. Na boca tem uma componente lenhosa bastante vincada, muito nervo, fruta negra, bastante herbáceo (17,5). O 2017 confirma o denominador comum aromático que são os balsâmicos e a fruta silvestre madura, mas este com um lado mais exótico nas especiarias e sândalos. Na boca é fogoso, elegante, sedoso nos taninos, com boa fruta.
A Ravasqueira quis mostrar que, cada vez mais, quer apostar em vinhos ambiciosos, com capacidade de envelhecimento, colocando o “spotlight” nos monovarietais. Um lado do produtor ainda não conhecido por todos, mas que veio para ficar.
(Artigo publicado na edição de Novembro de 2023)