1960: a família Silva Reis assume o controlo da Real Companhia Velha (RCV), com 60% do seu capital. Outros 35% pertencem à Casa do Douro e o resto está disperso. Já há vários anos que a direcção está a cargo de Pedro Silva Reis. Os seus filhos foram entrando pouco a pouco no negócio. Pedro é enólogo e tem responsabilidades nos vinhos de mesa, Tiago é enólogo e blender de vinhos do Porto. Há muitos anos que o enólogo principal da casa é Jorge Moreira, e a viticultura está na mão de Álvaro Martinho Lopes. Hoje banalizou-se chamar paixão a tudo, mas é impossível ouvir Álvaro falar do Douro e não sentir que é essa a única palavra para o descrever.
A vida do Douro
Em evento recente no Hotel Bairro Alto em Lisboa, Álvaro Martinho Lopes explicou apaixonadamente (lá está) a vida do Douro. A vida das plantas, neste caso, e como elas influenciam e são influenciadas pelo homem. Álvaro é um homem da terra, do Douro, e faz compreender tudo muito bem. Quem já foi ao Douro sabe do que ele está a falar. Embevecido, relembra as suas memórias dessa incrível região de vinho. Quem não foi, fica imediatamente com vontade de ir. Vejamos algumas headlines: “uma vinha com 40 anos é jovem”, “o Douro tem um clima óptimo, mas as plantas têm de lutar, o solo é selectivo”, “O Douro é uma equação grande, com muitas variáveis: altitude, castas, exposição, vinhas velhas, vinhas novas. As Carvalhas são uma quinta igual às outras, o que difere são as pessoas.” Jorge Moreira interveio depois e confirmou isto tudo, enfatizando que, com as variações dentro da própria vinha, e tendo como objectivos os estilos de vinho pretendidos para cada parcela ou cada combinação de parcelas, o factor mais importante, quando chega a hora, é a data de vindima.
Quando Jorge Moreira chegou à RCV, em 2010, as Carvalhas estavam dedicadas ao vinho do Porto. Com 500ha, 150ha são de vinha, dos quais 50 são vinhas tradicionais, e nas outras há várias exposições solares, várias altitudes, várias pendências, inclusive algumas parcelas com caraterísticas que obrigam a trabalho com tracção animal. Jorge Moreira afirmou: “Com esta localização única, a quinta tem de tudo e tudo em grande escala, uma conjugação de factores que permite e obriga a fazer vários tipos de vinho. Há várias gerações que faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro. E tem o Álvaro. Hoje vamos provar cinco vinhos que demonstram variedade. Mas poderíamos mostrar 10 ou 12.”
Uma outra questão interessante que Jorge Moreira abordou foi o terroir dos vinhos. Parece haver a convicção de que há zonas separadas para tawny, para vintage, para branco. Jorge não acredita muito nisso, e provou-o fazendo um branco da Serra de Galgas, a 450m de altitude e com menos 3ºC de média de temperatura e 1h20m diários de luz, ou melhor, tem luz mas não exposição directa ao Sol. Com exposição Norte, esta parcela de Gouveio tem uma fotossíntese gradual e é sempre a última a ser vindimada. O vinho completa-se com Viosinho da parcela Cruz, por cima da estrada interior da quinta, com altitude mais baixa.
“Há várias gerações que a Real Companhia Velha faz vinhos incríveis, e esta diversidade inclui pessoas, gente com sabedoria, com cultura de vinho, entre os quais proprietários apaixonados pelo Douro” – Jorge Moreira
56 castas vinificadas em separado…
A Quinta das Carvalhas presta-se a experimentação com castas, e tem grande sucesso nos seus varietais de castas raras. Talvez tanto sucesso que algumas deixem de ser raras. A Tinta Francisca resiste muito bem ao calor sem água. É uma casta nativa do Douro, logo melhor preparada para fazer o seu percurso fisiológico o mais eficientemente possível. Ou seja, amadurecer as sementes. Eficiente é fazer tudo com pouco. Sem desperdício. Segundo nos contou Álvaro Martinho Lopes, estas experiências nem sempre têm sucesso, e o pior é que demoram anos a ter resultados e representam investimentos significativos. A má experiência com o Donzelinho tinto foi uma boa lição, mas saiu cara. Segundo Pedro Silva Reis (filho), em 2023 fizeram na Real 287 vinificações, incluindo 56 castas separadas.
O Vinha do Eirol é a menina dos olhos de Pedro. Vem de uma parcela de vinhas velhas com a habitual mistura de castas, com exposição Poente, a 380m de altitude. A vinificação pouco interventiva assegurou pouca extracção e um perfil elegante, ligeiro e guloso. Um vinho à moda antiga, mas uma moda que regressa para alegria dos apreciadores de “vins de soif”.
Esta masterclass teve muita adesão da imprensa, influencers (?) e escanções. Uma sala cheia que provou depois uma nova referência, o Quinta das Carvalhas Reserva tinto. Este vinho pretende ocupar um lugar vago na gama das Carvalhas, com um perfil clássico, de Douro tradicional, assegurado por um lote de vinhos provenientes de parcelas com exposição Norte e outras de exposição Sul, e incluindo vinhas velhas, as Tourigas e o Sousão.
Em seguida, a apoteose com o Vinhas Velhas de 2020, um ano muito quente, mas de onde vem este vinho contido, mestria da viticultura e enologia da RCV, e seu conhecimento da quinta. Três parcelas específicas, cada vez mais as mesmas para este vinho, uma das quais teve direito a duas vindimas, uma precoce e outra tardia. Raposeira entra parcialmente para dar volume e maturação, Costa da Barca e Cartola garantem acidez e taninos vigorosos. Parece simples, mas representa muita sabedoria e o resultado é espantoso. Para confirmar que isto não é um acaso da Natureza, provámos um VV 2011, cuja elegância e juventude me impressionaram vivamente. Já com a Tinta Francisca tinha vindo uma testemunha de 2012, que fresco e vibrante mostrou uma suavidade que acrescenta garantias de prazeres futuros a todos estes vinhos.
Estilo leve e vibrante
Começa a faltar-me o espaço, mas não o fôlego. Gostei muito deste evento, onde ouvi falar com conhecimento e paixão dos lugares, terroirs, pessoas, vinhos, provei as novidades e suas testemunhas antigas. Em seguida houve um almoço ligeiro de finger food, onde pude ver o desempenho destes vinhos com comida, não esqueçamos que é esse o seu destino. O Hotel Bairro Alto teve recentemente Nuno Mendes como director criativo, que deixou os traços da sua genialidade na oferta gastronómica. Depois do almoço relaxado, numa sala ao lado podiam-se provar as múltiplas referências da empresa, com o bónus de ter a excelente equipa da Real a explicar cada vinho. Valem muito a pena os velhos vinhos do Porto, que a Real cultiva com um estilo leve e vibrante. Também aprecio muito o seu trabalho com castas minoritárias. É das poucas empresas onde se podem provar vinhos de Rufete ou Cornifesto. Tenho a certeza de que esta aposta vai dar frutos, e que mais vinhas serão plantadas com estas castas, para as salvar e preservar o estilo de vinhos que elas oferecem. A Real Companhia Velha é uma das empresas mais influentes do Douro, e eu agradeço-lhes a teimosia.
(Artigo publicado na edição de Abril de 2024)