Santa Vitória – Belos Vinhos da Planície

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No Baixo Alentejo, entre Beja e o mar, situa-se a Herdade de Santa Vitória, que se assume como unidade agrícola de várias valências. Da fruta ao azeite e ao vinho, e da terra para o consumidor final. As 32 unidades hoteleiras consomem 30 por cento da produção. E entre Portugal e Brasil escoa-se o milhão de garrafas que ali se produzem anualmente.

Texto João Paulo Martins
Fotos Ricardo Gomez

Estamos em terras alentejanas, lá bem para o sul, mas, ao contrário do que se poderia pensar, aqui não se caça; sorte para lebres e perdizes que por lá existem. Estamos em terras quentes onde se faz sentir o calor forte de Verão, onde o vento do sul, geralmente conhecido por “vento suão”, pode queimar a vinha de uma dia para o outro. Estas agruras do clima obrigam a uma adaptação às condições específicas da região para se poder pensar em produzir vinho. Na verdade, o vinho não tem por aqui história que mereça ser contada e pode mesmo dizer-se que até ao séc. XXI, estas terras alentejanas não estariam vocacionadas para a vinha.

Foi mesmo nestas terras de pequenas elevações e muita planície que nasceu a herdade da Casa de Santa Vitória, projecto agrícola do grupo Vila Galé, que inclui várias valências, desde a vinha, o olival e a produção frutícola – pêra rocha, as nectarinas, damascos e pêssegos – além de montado. A crescer de importância nesta zona, o amendoal vai ser uma aposta de futuro. O azeite ganha cada vez mais preponderância e ainda este ano será inaugurado um lagar que permitirá assim controlar todo o processo. Intensivo, super-intensivo, variedades locais, variedades espanholas e gregas, de tudo se pode encontrar aqui.

O grupo Vila Galé está especialmente vocacionado para a hotelaria e tem presença forte em Portugal e Brasil. São neste momento 32 as unidades hoteleiras e, tal como estava previsto desde o início, também aqui na herdade há um hotel e restaurante com aposta forte na gastronomia regional, como pudemos testemunhar. Com uma área muito grande de terra – 1.620 hectares – dos quais a vinha ocupa 127, a produção vinícola teve sempre a condicionante da água porque cedo se percebeu que dificilmente haveria uma viabilidade do projecto sem a rega da vinha. Esse problema resolveu-se com a água que chega do Alqueva. É assim há já 15 anos, tantos quanto o projecto tem de vida. A rega continua a ser tema de debate entre produtores e enólogos e esse debate estende-se a várias regiões do país. Os adeptos da não-rega sustentam que se a videira não é resistente à seca e à falta de água, então é porque a escolha da casta e do porta-enxerto terá sido mal feita; já os adeptos da rega opinam que sem água (e com as consequentes baixas produções) a actividade vitivinícola não seria viável. Aqui esse debate não chegou sequer a ter lugar, já que a opção pela rega foi clara.
Pelo clima quente que a região tem, a opção mais evidente seria naturalmente a produção de uvas tintas, mas até respondendo às solicitações do mercado, o branco teve aqui um comportamento que justificou a forte aposta, nomeadamente na casta Arinto. A surpresa, a bem dizer, só o será para quem não acredita que esta é a mais original e importante casta branca portuguesa.

Mudanças na viticultura

O técnico Nuno Cancela de Abreu esteve no arranque da aventura vínica do grupo Vila Galé. Mas hoje a orientação técnica está a cargo de Bernardo Cabral e Patrícia Peixoto, que são o rosto enológico da casa. Foi com eles que fizemos uma visita às vinhas, agora em período de crescimento acelerado da vegetação.

A aposta inicial nas castas – à época com a consultoria de Martim Avillez – apontou para as mais tradicionais do Alentejo, aquelas que no início deste século eram apontadas como as mais indicadas para a região – Aragonez, Trincadeira, Alfrocheiro nos tintos e Arinto e Antão Vaz nos brancos. Na verdade, sentiu-se aqui o mesmo problema, ou se se quiser, o mesmo dilema de todas as novas zonas alentejanas até então “virgens de vinha”: o que plantar e como plantar – densidade, compasso, produção por hectare – quando não havia histórico anterior que pudesse ser bom conselheiro. Entende-se assim melhor que algumas das opções dos primeiros plantios tivessem de ser emendadas. Levou-se então a cabo um trabalho de reenxertia de algumas castas – caso do Antão Vaz que se dá mal com estes solos pobres, tal como o Alfrocheiro; no caso do Aragonez foi preciso deslocar de local, em função da maior ou menor produtividade do solo. Esta casta tende a ser excessivamente produtiva e por isso precisa de solos realmente pobres e bem arejados.

Com novas plantações chegaram também novas castas, umas nacionais e outras vindas de fora, num movimento que tem sido muito comum em todas as novas vinhas alentejanas. Nos tintos chegaram Cabernet Sauvignon, Merlot, Touriga Nacional e Syrah; nos brancos, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viosinho e Verdelho.

Com o passar dos anos, uma casta mostrou aqui especiais virtudes, o Arinto, “uma casta excepcional, para não dizer mesmo incrível, tal a capacidade que tem de produzir bem e sempre com qualidade”, diz Bernardo. A vindima desta casta, salienta Patrícia Peixoto, “pode estender-se por três semanas, o que nos permite planear a vindima conforme o tipo de vinho que queremos produzir”. Grande parte da apanha da uva é feita à máquina que, em 8 horas de trabalho, faz o equivalente a 80 vindimadores. Quando se tem 127 ha de vinha, a apanha mecânica é uma enorme ajuda. E, reconhecemos que longe vão os tempos em que as máquinas de vindimar eram olhadas de soslaio por muitos produtores que lhe notavam defeitos vários na qualidade do que colhiam. Actualmente a melhoria técnica já convenceu os mais cépticos.

A agricultura que por aqui se pratica é de protecção integrada, fazem-se entre 7 e 9 tratamentos por ano e a produtividade é média, de cerca de 8 toneladas/ha. Se as geadas e o granizo não são assunto e de míldio pouco se fala, já outras doenças são mais preocupantes, como a Esca (doença de lenho) e a Cicadela (ou Cigarrinha verde, insecto que ataca as folhas da videira). O clima quente é favorável para a não ocorrência de várias moléstias da vinha, mas não todas e por isso aqui não se arrisca e fazem-se os tratamentos necessários.

Uma adega com muitas valências

A adega da Casa Santa Vitória é um puzzle. Uma misturada enorme de barricas de todas as dimensões e de múltiplas origens. Porquê? A resposta veio rápida: “fazemos prestação de serviços para três produtores, desde a Herdade da Bombeira, em Mértola, até à marca Vicentino, cuja herdade fica perto do mar (além de um produtor novo). Isso obriga a equacionar imensas variáveis conforme os requisitos de cada produtor e os que temos são extremamente exigentes”, lembra Bernardo. E acrescenta: “mas isso também tem algo de muito curioso porque passamos da prova de uma barrica do Alentejo mais interior para outra onde temos um vinho atlântico completamente diferente; isso é muito desafiante”. No conjunto, os três produtores a quem a equipa presta assistência, representam meio milhão de garrafas.

Na adega inoculam-se todos os brancos com leveduras. Bernardo diz que “é muito mais seguro”; mas muitos dos tintos não são inoculados, fermentam com as leveduras indígenas. Este continua a ser hoje um tema de debate entre produtores, enólogos e winewriters de todo o mundo, mas por aqui sabe-se que o risco é grande se toda a fermentação não decorrer de forma controlada.

Para Santa Vitória adquirem-se 30 barricas novas/ano, uma quantidade objectivamente pequena, mas agora, que as novas tendências do gosto mudaram, é sobretudo a barrica usada que tem mais uso, em detrimento da barrica nova. Por isso é hoje bem menor o “peso” da barrica nos vinhos, quer nos brancos quer nos tintos.

Novos projectos em carteira

E, quanto a projectos, há novidades. Para já no Douro onde foi adquirida uma quinta (com estadia de alguns quartos), perto da foz do rio Torto e ao lado da Quinta de Nápoles. A quinta dispõe de 22 ha de vinha e onde já se fez a vindima de 2018. Bernardo não se poupa em elogios ao que lá se colheu, “uvas fabulosas, estou convencido que vamos conseguir fazer ali grandes vinhos”. Há vontade de avançar na região dos Vinhos Verdes, mas para já não há decisões. E quanto ao Alentejo, é possível que se avance para um vinho de talha. “Já plantámos Moreto” e, apesar de todos dizerem que é cada vez mais difícil comprar talhas, “esse assunto está controlado”, como nos lembrou Bernardo Cabral. No capítulo dos espumantes é provável que se dê o salto do exclusivo consumo interno do que se produz para uma produção que vise a ida para o mercado. Os vinhos têm mudado de estilo, acompanhando as modas, neste caso as boas modas: tintos com menos grau e menos extracção e brancos com mais frescura e menos barrica nova. O consumidor avisado só pode mesmo aplaudir.

NA FOTO: Bernardo Cabral e Patrícia Peixoto.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]

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Edição Nº26, Junho 2019

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