Tintos de luxo do Alentejo – Por menos de €30

Clássicos ou modernos, com castas portuguesas ou internacionais, os vinhos do Alentejo surpreendem pela qualidade em estilos muito distintos. Demonstram uma diversidade de abordagens enológicas e talento de quem os faz, independentemente de serem produzidos por uma casa familiar, uma grande empresa ou uma adega cooperativa. E dão-nos a possibilidade de aceder a tudo isto por um preço sensato.

Texto: Valéria Zeferino

Fotos: Ricardo Palma Veiga

 A região do Alentejo não só contribui com 18% da produção nacional de vinhos (3º lugar a seguir ao Douro e Lisboa) mas também representa a maior quota do mercado, quase 40% em valor e 35% em volume. É por si só uma grande marca.

O Alentejo tem um papel importante na projecção da imagem de qualidade e classe dos vinhos portugueses no palco internacional. Embora não tenha beneficiado da histórica protecção regulamentar do Douro e tenha atravessado várias crises, encontrou o seu caminho para a excelência.

A fama nem sempre traz só coisas boas. Segundo o produtor e enólogo João Portugal Ramos, quando uma região se torna famosa, é sempre um objecto de cobiça, atrai novos investimentos. Por um lado é bom, mas existem dois tipos de operadores. Uns vêm para prestigiar a região, outros  procuram apenas fazer negócio, criando volume sem valor.

Tintos do Alentejo
A região do Alentejo é muito diversa em solos e climas e está dividida em 8 sub-regiões.

Zonas diferentes – qualidade transversal

A região do Alentejo caracteriza-se por 4 zonas distintas – Alto Alentejo mais a norte, Alentejo Central, Baixo Alentejo a sul e Alentejo litoral. Dadas às condições edafoclimáticas e históricas, é dividida em 8 sub-regiões.

Mais a norte, no Alto Alentejo, fica Portalegre situado no sopé da Serra de São Mamede. É bem diferente do resto da região devido a maior altitude – até 700 metros – que se traduz em precipitação abundante (cerca de 800 mm/ano) e maior continentalidade que promove grandes amplitudes térmicas diurnas e anuais. Os solos são maioritariamente de origem granítica com algum xisto. Teve grande impulso e investimento nos últimos 10 anos graças às suas características únicas.

No Alentejo central a serra da Ossa separa duas sub-regiões com tradição vitivinícola bem antiga. A norte fica Borba com maior precipitação e a sul está Redondo, protegida pela serra dos ventos nortenhos. As suas encostas e planícies onduladas são expostas a sul, proporcionando condições climáticas mais quentes e secas.

Junto à cidade de Évora localiza-se a sub-região com o mesmo nome. As vinhas estendem-se em zonas planas, com grande nível de insolação e cerca de 600 mm de precipitação anual.

A este, e até ao rio Guadiana, estende-se Reguengos, também com fortes tradições vitivinícolas. Na margem esquerda do Guadiana fica Granja-Amareleja, na zona com mais horas de sol de Portugal, com Verões muito quentes e dos mais secos de todo o Alentejo. A precipitação anual baixa aos 500 mm, sendo bastante desafiante, sobretudo em condições de aquecimento global.

Mais a sul, já no Baixo Alentejo, encontra-se a sub-região de Moura, a que tem menor área de vinha e também a Vidigueira, desde há muito famosa pela casta Antão Vaz e pela excelência dos seus vinhos brancos. Por muito distintas que sejam, de norte a sul, do litoral ao interior, em praticamente todas as zonas do Alentejo há produtores de topo e marcas conhecidas e respeitadas.

As grandes marcas

Alentejo é uma região de fama relativamente recente, mas tem os seus vinhos de culto e ícones históricos, cujo reconhecimento no mercado enalteceu a imagem da região, e também as estrelas em ascenção que projectam o seu futuro.

A Herdade das Servas, por exemplo, tem uma história ligada à produção de vinho, que abrange mais de três séculos, comercializando os seus vinhos em garrafa a partir de 1940. Na mesma época, já eram famosos os vinhos de talha da casa José de Sousa Rosado Fernandes, adquirida em 1986 pela histórica José Maria da Fonseca.

A história da Mouchão no Alentejo começou nos finais do século XIX com a plantação das primeiras cepas de Alicante Bouschet trazida de França. A construção da adega, iniciada em 1901 assinalou o novo século. Em 1954 foi lançado o primeiro vinho com a marca Mouchão que se tornou um dos ícones da região.

A Tapada do Chaves pode gabar-se de uma história secular, tendo plantado as suas primeiras vinhas em 1901 (castas tintas) e 1903 (castas brancas), e são das parcelas mais velhas no Alentejo, na sub-região de Portalegre.  Há três anos foi adquirida pela outra empresa de grande renome na região – Fundação Eugénio de Almeida. Fundada em 1963, é associada a três grandes marcas portuguesas: Cartuxa, criada ainda na década dos 80, Pêra Manca lançada em 1990, ambos num estilo bem clássico, com castas tradicionais alentejanas. O Scala Coeli surgiu em 2005 para expressar um estilo mais moderno.

Quando sararam as cicatrizes da revolução, na altura dos anos 80-90 aparecem mais marcas emblemáticas.

Em 1985, realiza-se a primeira colheita sob a marca Esporão e desde aquela altura a empresa associa arte ao vinho, convidando artistas portugueses para criar os rótulos dos Esporão Reserva e Private Selection – uma decisão de marketing inovadora na altura. Este ano, a marca Esporão foi reconhecida pela revista Drinks International como uma das 50 marcas de vinho mais admiradas do mundo, ficando em 13º lugar no ranking.

Júlio Bastos, proveniente de uma antiga família produtora de vinhos, assinala esta época com os seus famosos Garrafeiras da Quinta do Carmo (de 1985, 1986 e 1987). A marca hoje pertence à Bacalhôa, mas a partir de 2000 o produtor avança com um novo projecto – Dona Maria

João Portugal Ramos é uma figura incontornável no Alentejo, conhece a região como ninguém. Começou o seu percurso enólogico em 1980. Quando se deu o boom dos vinhos do Alentejo a partir de 1985, prestou consultadoria a várias casas conhecidas da região, e na década dos 90 arrancou com o seu próprio projecto em Estremoz.

Em 1986, Joaquim e Leonilde Silveira plantaram a sua primeira vinha na Tapada de Coelheiros, na zona de Arraiolos. O primeiro vinho chegou ao mercado em 1994 com o rótulo inspirado num tapete de Arraiolos com cenas de caça.

Em 1988 um casal americano-dinamarquês, Hans e Carrie Jorgensen, iniciaram a sua aventura de Cortes de Cima no Alentejo perto da Vidigueira. A Sogrape entra no Alentejo em 1991 e em 1996 adquire a Herdade do Peso para reforçar a sua posição na região promissora. Em 1994 o irreverente Miguel Louro estreou-se com vinhos de carácter desruptivo.

Na viragem do século, surgem os “millennials” da região a fazer uma nova história.

Catarina Vieira, realizando o sonho do seu pai, começou a plantar vinhas no Baixo Alentejo, entre a Vidigueira e Cuba, em 2001, e em 2007 o mercado conheceu a primeira marca da Herdade de Rocim – Olho de Mocho. É uma das casas mais dinâmicas e empreendedoras da reigão.

Em 2004 António Maçanita arranca com a Fita Preta, abraçando projectos desafiantes, criando vinhos com carácter vincado e marcas irreverentes que geram polémica e criam empatia. Em 2005 entra no palco a Herdade da Malhadinha, com os rótulos desenhados pelas crianças da família, e foi construída a adega da Herdade dos Grous, também no Baixo Alentejo.

Do outro lado da região, no Alto Alentejo, no mesmo ano arranca o projecto de Altas Quintas baseado nas vinhas de altitude. Há três anos a família Symington adquiriu esta propriedade com 43 hectares de vinha instalada entre os 490 e os 550 metros nos solos xistosos e graníticos e criou a marca Fonte Souto. Pedro Correia, o enólogo dos “não fortiticados” da Symington, afirma que “aquela zona pouco ou nada tem a ver com o Douro”. Em Portalegre acabaram a vindima apenas em meados de Outubro, quando no Douro já tinham acabado há tempo. Julho, Agosto e Setembro no Douro marcam pelas temperaturas extremamente elevadas e em Portalegre não aquece tanto e as noites estão mais frias.

Tintos do Alentejo
O Alentejo oferece um elevado nível de qualidade aliado a variedade de castas e estilos.

Grandes vinhos dão trabalho

Os vinhos de gama alta e média alta exigem muita atenção por parte dos produtores. A diferença está nas nuances e pormenores, que são infinitos.

O enólogo da Esporão, David Baverstock, afirma que os detalhes são indispensáveis quando se quer produzir grandes vinhos. Desde os cuidados a ter na viticultura à abordagem enológica – tudo em função da parcela e da casta. Os rendimentos não podem ultrapassar 4-5 tn/ha para maioria das castas e 7/8 tn/ha no caso de Alicante Bouschet. A separação das uvas destinadas para os vinhos de topo é feita na altura da vindima. Para vinificações usam cubas mais pequenas, que levam apenas 5 toneladas e não 50 como para Monte Velho, por exemplo. Usam lagares de mármore ou cubas rotativas (estas, por serem fechadas, funcionam bem na vinificação da Touriga Nacional, preservando melhor a sua parte aromática). David nota que as castas como Syrah, Alicante Bouschet e Touriga Nacional aguentam bem barricas novas, mas prefere as de maior dimensão (500 litros) “para uma fusão melhor e evolução mais lenta”.

Para António Maçanita, o vinho do Alentejo é textura, concentração “e até mais frescura do que no Douro”. O desafio é evitar passas, vindimar quase maduro. Logo que as uvas ganham cor (a fase do pintor), tira uns cachos mais atrasados para promover o amadurecimento mais homogéneo. Acompanha as parcelas de perto e apanha só o que já está maduro. Porque a mesma casta, nas parcelas distintas, amadurece nas alturas diferentes, vai colhendo um pouco de cada vez. A logística da vindima é complexa, mas vale a pena. Um lote de vinhos também não é estanque e pode variar em função do ano. Em seu entender, a Touriga Nacional no Alentejo não entrega qualidade todos os anos, por exemplo.

Preocupações com o álcool

Sendo o Alentejo uma região quente, inevitavelmente, surge a questão do teor alcoólico dos vinhos que ao longo dos anos tem tendência a subir (um tema transversal a várias regiões do país). Tirando uma parte dos consumidores adeptos dos vinhos “potentes”, existe uma preocupação geral e uma pressão internacional de várias companhias anti-álcool.

Os produtores estão cientes disto. David Baverstock confirma a preocupação sobre o tema, sobretudo a nível de aceitação comercial. Pessoalmente, acha que “até 15%, se a concentração permite, tudo bem, mais do que isto já é um exagero”.

Mesmo colocando de lado a questão do aquecimento global, muitas coisas mudaram ao longo das décadas. Supostamente para melhor. Com viticultura de antigamente e o objectivo de produzir mais, os vinhos não chegavam a 10,5-11% de álcool, por vezes adicionava-se mosto concentrado (sendo esta prática autorizada) para aumentar 1-2%. Aprendeu-se a controlar as produções, orientar a viticultura para a planta ser mais eficiente na sua capacidade fotossintética, escolheram-se clones menos produtivos, pratica-se monda de cachos… O resultado – álcool a mais.

“Agora queixamo-nos que Aragonez fica sem acidez”, – dá um exemplo António Maçanita, “mas é o Aragonez que fica sem acidez, ou aquele que nós seleccionámos para dar mais álcool?”

Castas e tendências

Segundo os dados do IVV, em 30 anos a área de vinha plantada no Alentejo duplicou (de 11.510 hectares em 1989 para 24.709 em 2019). Embora o património vitícola na região seja bastante jovem, nas sub-regiões de Portalegre, Granja-Amareleja e Vidigueira, sobretudo, existem vinhas centenárias.

A questão das castas portuguesas vs. internacionais e estilo clássico vs. moderno continua a ser pertinente. Uns produtores, como Paulo Laureano ou Duarte Leal da Costa defendem, desde sempre, as castas portuguesas.

Os números mostram que as castas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet. Esta, embora seja de origem francesa, já se pode considerar tradicional no Alentejo pela sua longa história e méritos confirmados. Obtida por cruzamento de Grenache com Petit Bouschet nos meados do século XIX, terá sido trazida para Portugal no final do mesmo século e plantada na Herdade do Mouchão pela família Reynolds. O reconhecimento da casta pelos produtores e consumidores não foi imediato e só aconteceu nos anos 90 do século passado. Hoje, há mais Alicante Bouschet em Portugal do que em França, de onde é original e onde é praticamente desprezada.  Gosta de clima quente, precisa de muitas horas de sol, para amadurecer os seus taninos esmagadores. Com produção controlada e plantada no sítio certo, dá vinhos com estrutura e concentração, preparados para aguentar anos em garrafa.

Syrah apareceu na região há apenas duas décadas, pela mão dos proprietários da Cortes de Cima, onde a primeira vindima aconteceu em 1998 “incognitamente” porque não fazia parte de castas permitidas para a região. Hoje é a quarta casta mais plantada no Alentejo e continua a liderar a lista das castas mais utilizadas na reestruturação da vinha. A Cabernet Sauvignon também faz parte das primeiras 10 na lista de castas mais plantadas da região.

João Portugal Ramos refere que nos seus topos de gama dá preferência às castas portuguesas. Também gosta de Syrah, como uma casta melhoradora, e repara que “no Alentejo a Syrah é moldada pela região; ou melhor, o perfil da casta vai ao encontro do perfil do Alentejo.”

António Maçanita acha que esta abertura foi uma fase necessária para a região: mostrámos que conseguimos fazer as castas mais conhecidas como noutras regiões do mundo. O foco agora é recuperar equilíbrio. “As castas e os vinhos do século XXI não devem ser uma cópia do passado, mas uma integração gradual de castas que podem complementar o perfil.”

A verdade é que, como esta prova mais uma vez demonstrou, o Alentejo oferece um nível de qualidade aliado a diversidade de castas e estilos, como talvez nenhuma outra região do mundo. E poder aceder a estes vinhos por valores bastante razoáveis é, sem dúvida, um privilégio.

As uvas nacionais como Aragonez e Trincadeira continuam a ser as mais plantadas, seguidas de Alicante Bouschet.
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