[vc_row type=”in_container” full_screen_row_position=”middle” scene_position=”center” text_color=”dark” text_align=”left” overlay_strength=”0.3″ shape_divider_position=”bottom”][vc_column column_padding=”no-extra-padding” column_padding_position=”all” background_color_opacity=”1″ background_hover_color_opacity=”1″ column_shadow=”none” column_border_radius=”none” width=”1/1″ tablet_text_alignment=”default” phone_text_alignment=”default” column_border_width=”none” column_border_style=”solid”][vc_column_text]O Tejo da vinha e do vinho, orientado para a qualidade, moderno e dinâmico, é hoje uma realidade que se confirma em cada garrafa. A evolução da região ao longo das últimas duas décadas tem sido tremenda, solidificando a sua presença junto dos apreciadores nacionais e internacionais. Adegas cooperativas, grandes e pequenas empresas, produtores de quinta, todos contribuem para projectar a imagem de um novo Tejo. Os tintos que aqui provamos mostram uma região diversa, com identidade e garra.
TEXTO: Valéria Zeferino
A história vitivinícola da região começou com as plantações da vinha junto às margens do rio Tejo pelos Tartessos em 2000 a.C. Na Idade Média a cedência de terras a “homens livres” para exploração agrícola impulsionou a plantação de vinha e olival. Séculos mais tarde, a demarcação da região do Douro pelo Marquês de Pombal em 1756 levou ao arranque da vinha no Tejo, seguindo ordem que obrigava a retirar os vinhedos de todos os terrenos aptos a outras culturas.
Mais tarde, a proximidade de Lisboa, a necessidade de abastecer a capital e a plantação de castas produtivas em terras muito férteis, conduziu a rendimentos excessivos, prejudicando qualidade geral e a imagem da região. Como lembra o proprietário e enólogo da Casa da Coelheira, Nuno Falcão Rodrigues, “há 40 anos mais importante era encher a adega, do que fazer um vinho XPTO”. Era o império de tascas e do vinho a granel. Mas, entretanto, o mercado evoluiu e com ele o grau de exigência de consumidores e produtores.
Não esqueçamos que várias regiões no mundo, hoje bem prestigiadas, passaram por este mesmo caminho. Por exemplo, Pfalz, na Alemanha, já foi uma região conhecida pelos vinhos brancos semi-doces feitos de castas muito produtivas, vendidos a granel ou sob marcas de enorme volume (na “famosa” garrafa azul…) e que acabaram por arruinar a imagem do vinho daquele país em diversos mercados. Ou Chianti, outrora fortemente associado aos frascos cobertos de palha, com vinhos baratos e acídulos. Portanto, não se pode (e não se deve) fugir da história da região, mas pode-se (e deve-se) investir no seu futuro.
Foi o que começou a acontecer no Tejo a partir das décadas 80 e 90 do século passado, através da modernização de adegas e da reconversão progressiva da vinha: as castas que só serviam para produzir muito foram substituídas pelas variedades nacionais e internacionais que traziam benefícios qualitativos. O facto de o Tejo não estar demasiado agarrado à tradição, permitiu seguir em frente, procurando a sua nova identidade que passa muitas vezes pelo estilo de cada produtor.
A partir de 2008 a região seguiu o seu caminho como o Tejo, reforçando a sua ligação com o rio, a volta do qual é formada e rompendo definitivamente com o Ribatejo do passado. A alteração do nome, na altura, gerou algumas críticas, mas o tempo e o esforço dos produtores acabou por mostrar que a decisão foi a mais acertada.
Como nota o presidente da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Tejo, Luís de Castro, “hoje, os produtores da região estão nas mãos de uma nova geração de enólogos”, mais competentes, mais interessados, mais abertos para o mundo.
A região do Tejo tem uma área total de vinha a rondar os 12.000 hectares, dos quais, de acordo com os dados da CVR, 2.500 dão origem a vinhos com denominação de origem DO Tejo e 5.000 a vinhos com selo de certificação IG (ou Regional) Tejo. No que toca à produção em litros, são vinificados cerca de 61 milhões de litros, estando a aumentar, de ano para a ano, a quantidade de vinhos certificados: 23,3 milhões em 2019.
Os principais mercados de exportação são Brasil, China, Suécia, França e Polónia. Segundo Luís de Castro, no Brasil assinalou-se um crescimento exponencial de vendas devido ao e-commerce que disparou com a pandemia do Covid. As vendas de vinhos do Tejo no Brasil, até ao final de Julho, já tinham atingido o volume do ano passado. No mercado interno, a situação está mais complicada, apesar do crescimento em vinhos certificados, houve um descréscimo nos vinhos DOC por causa da crise por que está a passar o canal horeca.
Três sub-regiões à volta do rio
A região do Tejo caracteriza-se pelo clima mediterrânico temperado com aproximadamente 2.800 horas de sol por ano e uma precipitação média que varia entre os 500 e 800 mm, com maior incidência na zona de Tomar, Alcanena e Sardoal, a Norte, e em Coruche, a Sul. A continentalidade não é acentuada e, dada a baixa altitude, as amplitudes térmicas diurnas são moderadas.
O rio Tejo atravessa a região na diagonal de nordeste para sudoeste, formando 3 sub-regiões com condições bem distintas.
A faixa junto ao rio chama-se Campo (também conhecida por lezíria) e caracteriza-se pelas planícies, com vinhas instaladas em solos de aluvião mais férteis. É uma zona mais utilizada para a produção de uvas brancas, com Fernão Pires responsável por 66% das castas brancas da região. Mas com adequado controlo de produção, é também aqui possível originar uvas tintas de primeira linha.
Outras duas sub-regiões oferecem condições para produção maioritariamente de vinhos tintos de qualidade.
Na margem direita do Tejo, a Norte e a Oeste e até os sopés da Serra de Aires e Candeeiros estende-se o Bairro. Os solos são menos férteis, com predominância de argilo-calcários e uma pequena zona de xisto perto de Tomar.
Na margem esquerda do rio, a Sul e Sudeste, fica a sub-região da Charneca, já na transição para o Alentejo, dominada pelos solos arenosos pobres e mais secas e mais quente que as outras duas sub-regiões. Na zona de Almeirim, existe uma faixa importante de calhau rolado com efeitos particulares no perfil das uvas.
O enólogo David Ferreira, que trabalhou muitos anos na Casa Cadaval e recentemente assumiu as responsabilidades de enologia na Companhia das Lezírias, teve oportunidade de conhecer bem estas diferentes sub-regiões. Por vezes, 20 km entre vinhas fazem diferença. As mesmas castas no Bairro amadurecem quase 15 dias mais tarde do que na Charneca. Na sua opinião, os vinhos do Bairro, provenientes dos solos calcáreos, são mais encorpados, profundos, com mais textura de boca. Os da Charneca, mostram mais concentração com elegância, não são tão texturados, mas são compridos e complexos.
Grande diversidade de castas
Das castas plantadas na região do Tejo, 53% são tintas e 47% brancas, numa enorme diversidade, com variedades regionais, nacionais e internacionais. As preferências nas novas plantações inclinam-se para as castas brancas Fernão Pires e Arinto, e as tintas Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet.
Actualmente, as exigências regionais em termos de uso de castas, são bastante liberais. No que toca as castas tintas, das 45 autorizadas para DO, 12 são internacionais e das 74 autorizadas para IG, 24 são internacionais. Isto permite ao produtor trabalhar com as variedades que considera mais adequadas ao seu terroir ou ao seu negócio. A casta tinta mais plantada, no entanto, é ainda a bem clássica Castelão que ocupa uma área de 1471ha, representando 23% das castas tintas do Tejo e 12% do total.
Segundo a enóloga e directora-geral da Falua, Antonina Barbosa, de Castelão “espera-se o melhor e o pior”. A casta tem que ser bem trabalhada, diz, exige atenção. Juntamente com a enóloga da Quinta de Alorna, Martta Reis Simões, estão de acordo que no calhau rolado de Almeirim, Castelão fica muito bem e com óptima expressão aromática (futa preta, mentol, eucalipto). Já Diogo Campilho confessa que não escolhe as variedades só por serem típicas. Não gosta de Castelão por ser muito produtiva, e o solo argiloso da Quinta da Lagoalva não é o melhor para esta casta.
O enólogo António Ventura, que trabalha com várias casas no Tejo, Lisboa e Alentejo é um fã de Castelão, mas reconhece que a casta não se dá em qualquer lado, o melhor resultado consegue-se em solos pobres de areia. Em solos ricos pode facilmente chegar a produções de 25 tn/ha, perdendo as suas qualidades.
A Trincadeira ocupa 783 ha e é a segunda casta mais importante em termos de plantação. David Ferreira chama à Trincadeira “a campeã da rusticidade, num bom sentido”, pois aguenta bem o calor. António Ventura acha que Trincadeira depende bastante do ano, com chuvas facilmente apodrece por ter cachos muito compactos. Por isso, Martta Reis Simões entende que a Charneca, por ser mais quente e seca, é a melhor zona para a Trincadeira. Nos anos bons sem chuva, no final da maturação, consegue-se manter a Trincadeira na vinha mais tempo, o que a casta agradece.
Em número de hectares plantados (653) segue-se a Aragonez que, curiosamente (ou talvez não), nenhum dos enólogos com que falámos entendeu destacar, pela positiva ou negativa.
No quarto lugar fica a casta internacional que conseguiu mais popularidade na região, Syrah, com 565 ha. Tal como acontece noutras regiões do país, também no Tejo a Syrah é consensual entre os produtores. David Ferreira comenta que a Syrah se adaptou muito bem às condições do Bairro, onde os ciclos da videira são mais longos. Segundo António Ventura, de um modo geral, a Syrah dá-se muito bem no Tejo, atingindo óptimas maturações fenólicas. Manuel Lobo, responsável de enologia na Quinta do Casal Branco, propriedade de familiares, vai mais longe e afirma que Syrah se porta bem em todo o lado: no Tejo, no Alentejo e até no Douro. Precisa de solos profundos para não desenvolver aromas sobremaduros. Normalmente, é uma das primeiras a ser apanhada.
Relativamente à conceituada Touriga Nacional, que ocupa 465 ha, as opiniões diferem um pouco. António Ventura é de opinião que a Touriga Nacional se dá muito bem no Tejo, produz 7-8 toneladas/ha em solos de areia ou argilo-arenosos. Antonina Barbosa gosta do carácter que a Touriga desenvolve no terreno de calhau rolado. Diogo Campilho afirma que a Touriga Nacional é boa no Tejo, mas não para fazer um vinho varietal, prefere adicioná-la ao lote – “uma pincelada de Touriga eleva logo o aroma”. Já Manuel Lobo acha que Touriga Nacional no Tejo é um desafio. Relaciona isto com padrões altos da qualidade da casta vindos da sua experiência no Douro, onde a Touriga tem dimensão e fruta, enquanto no Tejo há anos em que fica um pouco mais vegetal. Nos solos mais pobres da Charneca, seca demasiado as folhas, o que leva ao desequilíbrio.
Alicante Bouschet, a casta francesa adoptada por Portugal, também é uma das mais populares no Tejo, registando 406 ha, mas está longe de ser consensual. Enquanto a Companhia das Lezírias faz um monocasta de Alicante Bouschet das vinhas velhas para o seu topo “1836”, Nuno Falcão Rodrigues aprecia a casta, mas agora já não a usa para o seu “Mythos”. Embora a Alicante Bouschet tenha entrado nos lotes das suas primeiras colheitas, teve de a retirar por conferir ao vinho “demasiada rusticidade”. António Ventura é de opinião que Alicante Bouschet não é uma das castas mais expressivas no Tejo: complementa lotes, contribui com estrutura e cor, mas não chega a atingir a elegância que ganha no Alentejo. Fica demasiado vegetal, começa a amadurecer a parte fenólica só com 15%, precisa de mais amplitude térmica diária. É interessante a observação de Manuel Lobo que muitas vezes nas vinhas velhas encontra Alicante Bouschet plantado em conjunto com Castelão. E há uma explicação para isto: Alicante Bouschet tem muita personalidade, mas funciona melhor em parceria com Castelão, que o torna mais amigável e polido (um pouco como o efeito do Merlot no Cabernet Sauvignon, em Bordéus).
E por falar de Cabernet Sauvignon, a casta já mostrou que se dá muito bem na região do Tejo, parece ser muito consensual e está a crescer em popularidade, ocupando agora 291 ha. Dá um óptimo resultado no calhau rolado da Falua e da Quinta da Alorna. Mas não só. “Se a Touriga traz elegância, Cabernet Sauvignon traz frescura ao lote”, diz Nuno Falcão Rodrigues. António Ventura também considera que Cabernet Sauvignon no Tejo é muito interessante, sobretudo no Bairro. “É uma casta muito resistente, amadurece bem e perde o carácter vegetal, se esperarmos por ela.”
Algumas outras castas, menos populares na região, assumem protagonismo em algumas casas. A Quinta da Lagoalva de Cima desde os anos 70 apostou no Alfrocheiro que, segundo Diogo Campilho, tem características que particularmente aprecia: concentração, aroma e frescura.
Nuno Falcão Rodrigues gosta da Touriga Franca porque se adapta bem à região. Desde que consiga uma “linha recta” no final de maturação, sem chuva, dá resultados fantásticos, refere.
Nacionais vs. estrangeiras
As castas estrangeiras, como Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot foram trazidas para a região pelas gerações anteriores com o objectivo de melhorar a qualidade. Isto numa altura em que as castas nacionais eram pouco estudadas e as internacionais tinham resultados comprovados. Quando se percebeu melhor o potencial qualitativo de certas castas portuguesas, também estas começaram a ganhar terreno.
A presença de castas internacionais num lote pode ajudar na exportação. Antonina Barbosa dá o exemplo da marca Tagus Creek, onde se apostou nos duetos de uma casta estrangeira + uma casta nacional (Cabernet Sauvignon + Aragonez, Shiraz + Trincadeira etc.), que chegou a ser a 2ª marca mais vendida no Reino Unido. A Quinta da Alorna também conseguiu excelente resultado comercializando bivarietais nesta base.
Já nos topos de gama, vendidos a 25-30 euros a situação é diferente, repara David Ferreira. A nível internacional não vale a pena competir no Cabernet Sauvignon com Bordéus ou no Pinot Noir com Borgonha. Nesta gama, é melhor apostar nas castas nacionais ou com forte ligação a Portugal (o caso de Alicante Bouschet). Nuno Falcão Rodrigues partilha a mesma opinião, sobretudo no que toca aos mercados maduros. Mas “se estivermos a falar de mercados como a China ou a Rússia, onde a Touriga Nacional é uma espécie de dinossauro, convém colocar no blend alguma coisa que possa ser entendida pelo consumidor local.”
E como podemos constatar, nos topos de gama tintos, mesmo que as castas internacionais integrem o lote, não são predominantes.
O que deve ser um grande tinto do Tejo?
“Um topo de gama deve ser fiel ao terroir”, diz Antonina Barbosa. As castas podem variar ao longo dos anos, mas o terroir é o mesmo. No caso da Falua, os melhores resultados vêm da vinha do calhau rolado, sem rega e com produções baixas a nivel de 5-6 tn/ha. David Ferreira, num vinho de topo, procura qualidade numa base vitícola, ou seja, de determinadas vinhas. Normalmente, “são as mais velhas que têm maior equilíbrio, maturação mais longa e complexidade aromática”, diz. Por exemplo, na Companhia das Lezírias e na Casa Cadaval isso acontece com as vinhas de Alicante Bouschet.
Já Diogo Campilho, para o seu tinto mais ambicioso procura o que a região oferece: aroma, intensidade, elegância. Presta muita atenção ao nariz e à frescura de boca. “Os vinhos têm de ser frescos, gastronómicos. Assim, podem ter 14,5% e não se sentir o álcool”. Martta Reis Simões, por seu lado, em topos de gama procura a identidade da região. Acha que os vinhos do Tejo, e particularmente, da Charneca, se destacam pela frescura em boca, corpo e elegância. Segundo Nuno Falcão Rodrigues, o Tejo pode não ter uma identidade única, mas tem vários estilos. Um topo de gama tem de expressar, antes de tudo, o seu próprio estilo que inclui a região, a quinta, o terroir e o produtor.
O Tejo e o consumidor
Nas garrafeiras especializadas, onde se vendem os vinhos mais ambiciosos, os vinhos do Tejo representam cerca de 5% da oferta, ainda que a sua presença tenha vindo a crescer. Como o consumidor muitas vezes segue modas e tendências, a procura espontânea pelos vinhos do Tejo ainda é baixa. Vanessa Neves, da garrafeira “Empor Spirits & Wine”, em Lisboa, e Carla Paralta, uma das proprietárias da Garrafeira “5 estrelas”, em Aveiro, dizem que o consumidor poucas vezes pergunta especificamente por vinhos do Tejo, mas há alguns anos nem procuravam de todo. O consumidor está mais bem informado, dizem, sabe o que quer e aceita sugestões. Quando procuram por casta (Syrah, Pinot Noir, Merlot, por exemplo), há boas opções produzidas no Tejo e isto também ajuda. Mas ao mesmo tempo, ainda “confundem muitas vezes os produtores do Tejo e de Lisboa”, conta Vanessa.
Helena Muelle, proprietária da garrafeira “Wines 9297”, em Lisboa, refere que quando organiza provas cegas, onde inclui os melhores vinhos do Tejo, as pessoas gostam muito e depois ficam surpreendidas, quando a região é desvendada.
Como diz Manuel Lobo, “o Tejo é um diamante em bruto, mas ainda tem um longo caminho a percorrer”. Eu acrescentava que a região vai precisar de todo o profissionalismo e dedicação dos produtores para lapidar esse diamante até começar a brilhar. E todos esperamos que o consumidor não se deixe levar pela imagem de um passado longínquo e demonstre uma maior curiosidade em relação ao Tejo da modernidade. Um Tejo que vale muito a pena re(descobrir).
(Artigo publicado em Outubro de 2020)[/vc_column_text][vc_column_text]
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