Depois de dois anos de pandemia, o verão de 2022 poderá ser o mais redentor e prazeroso dos últimos tempos com um rosé ambicioso no copo. A qualidade, traduzida em expressão de fruta, equilíbrio, frescura e, em vários casos, carácter regional, está toda lá. Portanto, deixe de lado os preconceitos e agarre um (ou vários) destes rosés. Verá que vai valer a pena.
Texto: Nuno de Oliveira Garcia
Fotos: Ricardo Palma Veiga
Após anos a afirmar a qualidade crescente dos rosés nacionais, bem como o seu evidente e natural lugar à mesa lusitana e internacional, é tempo de atacar o tema por onde, porventura, é mais difícil: por si, o consumidor! Com efeito, já dissemos quase tudo noutros trabalhos sobre o tema. Falámos, então, dos clássicos lançados nos mercados mundiais a partir dos anos 40 do século passado, como Mateus Rosé (Sogrape), Gatão (Borges), Lancers (José Maria da Fonseca) ou Casal Mendes (Aliança), e das novas referências, com outro perfil qualitativo, como sejam Redoma (Niepoort) com mais de vinte anos no mercado, Colecção DSF (José Maria da Fonseca), MR Premium (Ravasqueira), Vinha Grande (Sogrape), Dona Maria (Júlio Bastos) e mais recentemente Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo (da propriedade duriense com o mesmo nome). Em todos eles destacámos a qualidade e coragem dos produtores em lançarem produtos com ambição, mesmo que num país onde o imaginário do que era um rosé se assemelhava a uma sangria de vinho tinto, com doçura evidente e gás carbónico adicionado. A verdade é, pois, esta: os rosés actuais em nada ficam a dever aos brancos e tintos, e vamos comprovar isso mesmo de seguida, desmistificando cada um dos dogmas que ainda subsistem.
Dogma 1: o rosé é feito com menos cuidado
É importante dizer com veemência que, na adega, a vinificação de um vinho rosé não perde em complexidade, técnica e rigor, para os restantes tipos de vinho, bem pelo contrário. E na vinha, todos os cuidados também são poucos: na eleição da parcela em termos de exposição solar e altitude, por exemplo, das castas, do momento da vindima e controlo da maturação, sobretudo nos níveis de acidez e do álcool, pois ninguém quer um rosé mole e pesado. Este cuidado especial é tanto mais relevante quando justifica, muitas vezes, uma vindima mais precoce para rosés (o mesmo sucede para espumantes) do que para tintos e alguns brancos, o que, obviamente, torna o processo mais complexo e exigente. Voltando à adega, o rosé requer atenção e cuidado enológico particulares, sendo, inclusivamente, um dos tipos de vinho no qual as opções enológicas determinam de forma mais significativa o produto final, o que não significa, de todo em todo, que o seu processo de vinificação seja menos natural. Com efeito, atenção na adega é permanente: da definição do nível óptimo de extracção e prensa (de preferência apenas lágrima) que se pode perder com a mais pequena desatenção, até à temperatura de fermentação escolhida. O mesmo se diga para opção pela ‘bâtonnage’ (agitação das borras), podendo-se eleger uma menor influência de oxigénio ou, como sucede com alguns produtores, permitir até alguma oxidação que venha a ajudar a proteger o vinho para uma maior longevidade. Entre as várias outras opções, pode-se proceder à utilização de borras de vinho branco (com ou sem bâtonnage, contribuindo tanto com cremosidade como com acidez crocante para o produto final), existindo até casos em que se utiliza parte de mosto de tinto sangrado que se mistura com outra parte constituída por um rosé de bica aberta (levíssimo contato pelicular e fermentação realizada com uvas sem pele), ou então mosto de tinto sangrado que é prensado com as películas de vinho branco e depois fermentado (por exemplo numa barrica, com ou sem tampo). Por fim, é hoje muito comum que nos rosés de topo de gama se proceda à fermentação, em parte ou totalmente, em barrica (Quinta do Monte d’ Oiro, MR Premium, Redoma, Vallado Tinto Cão, Nélita, Olho de Mocho, Quinta da Biaia, entre tantos outros), e mais ainda habitual que, pelo menos, os vinhos passem por estágio em madeira. Como se vê, a diversidade de estilos é grande e em todos eles o resultado pode ser excelente, o que, tudo somado, desmistifica o preconceito da simplificação da elaboração de rosés.
Dogma 2: o rosé vem de castas menos nobres
Outra ideia muito presente é a de que o rosé é feito da mistura de vinho branco e tinto, o que não é o caso, e que são utilizados vinhos de lotes e/ou castas menos nobres ou com menor concentração. Nada podia, pelo menos nos rosés de ambição que provámos, estar mais errado! Em primeiro lugar, em quase todos os vinhos deste painel, a colheita da uva foi feita propositadamente para rosé, sendo apenas utilizadas as melhores uvas que cada produtor entendeu que seriam as indispensáveis para o tipo de rosé de excelência que pretendiam. Por outro lado, não existe qualquer discriminação de castas no que respeita ao seu valor de mercado ou qualidade, sendo disso bom exemplo o facto de parte significativa dos vinhos em prova serem exclusiva, ou parcialmente, produzidos a partir de Touriga Nacional (MR Premium, Vinha Grande, Monte da Raposinha, Síbio, Quinta da Pacheca, Manoella, Caminhos Cruzados, Casa Santa Eulália, entre outros) uma das mais afamadas e caras uvas do nosso país vitícola. O mesmo se passa com a casta Baga nos rosés da Bairrada, Moscatel Roxo na Península de Setúbal e Palmela, Alvarinho e Sousão nos Vinhos Verdes, e Tinto Cão no Douro (uma casta igualmente com procura e preço crescentes). Existem até castas estrangeiras, e algumas pouco habituais, que estão presentes em lotes ambiciosos, sendo o caso mais expressivo a uva borgonhesa Pinot Noir (Phenomena, Vicentino, Adega Mãe, Casa Ermelinda Freitas neste caso com loteado com Merlot), mas também Syrah (Quinta do Monte d’ Oiro, Herdade do Sobroso; Quinta do Paral), Cabernet Sauvignon (Quinta do Sobreiró) e até Sangiovese, a casta-rainha da Toscana (Herdade das Servas e Monte das Bagas). Destes todos, o fenómeno do Pinor Noir é, efectivamente, o mais paradigmático e exemplar pela enorme qualidade dos vinhos rosés apresentados, ainda que a sua utilização para tintos nacionais não tenha ainda conseguido trazer os resultados esperados. Quanto à escolha maioritária por castas como Touriga Nacional, Syrah ou Moscatel Roxo, essa explica-se pelos seus registos aromáticos mais evidentes, algo muito relevante quando a uva (como sucede com os rosés) é vindimada muito cedo, ou seja, ainda com pouca maturação fenólica. A opção pela uva Mourisco (Quinta da Biaia) revela a vontade de mostrar o lado delicado desta casta bem presente na Beira Interior, e o uso da variedade Tinto Cão (Quinta do Vallado) leva em consideração o facto da mesma, quando vindimada abaixo dos 13% álcool provável, proporcionar vinhos abertos de cor (acima dos 14% a cor é precisamente o inverso) e uma capacidade de proporcionar néctares com uma elegância e exotismo únicos. Na verdade, produzem-se excelentes rosés com recurso a várias castas, e praticamente em todo o território nacional, apesar de o terroir resultar menos marcado nos rosés precisamente pelo facto de as uvas serem colhidas muito cedo, muitas vezes sem a referida maturação fenólica estar completa (por isso também, as temperaturas altas e a perda de acidez típicas de parte do Douro e Alentejo não são um problema nos rosés).
Dogma 3: o rosé evolui mal e é inferior a um branco ou tinto
Outras duas ideias a abater… A primeira diz respeito à evolução em garrafa dos rosés, e nesse capítulo dúvidas não existem que, nos vinhos com qualidade e ambição, essa evolução ocorre sem grandes perturbações. Efectivamente, em prova tivemos alguns vinhos com 4 e 5 anos em garrafa (MR Premium e Nélita, respectivamente), e vários com 3 anos (Quinta do Monte de Ouro, Vicentino, Quinta das Cerejeiras, Adega de Borba) sem que em nenhum deles a evolução fosse outra que não positiva. Aliás, nenhum dos vinhos em prova (mais de 4 dezenas…) se revelou cansado, nem, de resto, apresentou defeito evidente. Acresce, que várias foram as garrafas que, uma vez abertas, permaneceram no frio e sem bomba de vácuo, sendo que a sua prova 24 horas depois se revelou igualmente prazerosa. O facto de estes vinhos serem vinificados em ambientes redutores (com pouco contacto de oxigénio) pode explicar essa circunstância, o mesmo se podendo dizer dos níveis elevados de acidez totais (quase sempre acima das registadas em tintos). A segunda ideia a reverter é que um rosé nunca pode ter o mesmo nível de um branco e tinto da mesma gama, no que respeita a complexidade. Pois bem, não vemos como um Redoma rosé ou um Vinha Grande rosé, e o mesmo poderíamos dizer do Olho de Mocho rosé ou Casa Santar rosé, seja menos interessante do que as correspondentes versões tintas, ou brancas. Mesmo ao nível da complexidade, reconhecendo que num rosé essa característica é mais difícil de alcançar para o produtor e para o consumidor, temos dificuldades em perfilhar a posição de que encontramos, necessariamente, mais sofisticação num tinto, ou num branco, do que num rosé. De resto, o recurso a fermentação e estágio em barrica permite mesmo uma aproximação dos estilos e de perfil qualitativo dos rosés aos seus irmãos brancos e tintos.
Dogma 4: os rosés são baratos e para beber no Verão
A visão do rosé como sendo um produto vínico fresco e acessível tem, obviamente, justificação. Foi esse o modelo dos rosés nacionais durante muitos anos, e a adopção de um perfil fácil a preço cordato explica também o seu enorme sucesso na exportação. Em muitos casos, sobretudo os nascidos na última década e meia, são rosés feitos de sangrias de vinhos tintos, afinados e engarrafados à medida das encomendas com altíssimas produções. Naturalmente, os vinhos que participaram nesta Grande Prova nada têm que ver com rosés massificados, sendo, ao invés, alguns deles verdadeiras preciosidades líquidas dos quais apenas estão disponíveis algumas centenas garrafas, ou pouco mais (Fogueira, Quinta do Monte d’Oiro, Paulo Coutinho Fusion, entre outros). Aliás, quanto a qualidade e preços, note-se que foram 14 (cerca de 1/3 dos vinhos em prova) os vinhos classificados com as notas 18 e 17,5, sendo que a média de preços destes vinhos anda acima de €25! Tal justifica-se, obviamente, pelos custos com os cuidados modernos na viticultura e na vinificação que atrás descrevemos. Mas também se justifica pelo actual posicionamento dos vinhos rosés no mercado, ou seja, pela existência de uma gama de rosés premium que há uma década nem se imaginava ser possível de vir a existir. Esta oferta e diversificação de rosés com ambição só é possível por existirem consumidores que os procuram, seja na restauração, seja nas garrafeiras mais selectas. A circunstância de Portugal ser um destino turístico, sobretudo nos meses mais quentes, em conjunto com uma crescente população estrangeira residente no nosso país, é outro factor relevante, tal como nos confidenciaram alguns proprietários de garrafeiras no Algarve e em Lisboa. Com efeito, muitos estrangeiros residentes em Portugal trouxeram dos seus países de origem o hábito de começarem uma refeição com vinhos que, sendo leves e frescos, têm grande qualidade, ao mesmo tempo que se revelam eficazes na hora de casarem com pratos condimentados (como são tradicionalmente os lusitanos), o que fez aumentar a procura de rosés elegantes e com personalidade. Naturalmente, um PVP mais elevado permite que os produtores invistam mais na hora de elaborarem um rosé, tanto mais quanto não faltam em Portugal enólogos talentosos e cada vez mais cientes das modas e exigências internacionais.
Conclusão
Aqui chegados a conclusão é óbvia. Portugal tem hoje dezenas de rosés a um nível muito alto que em nada ficam atrás do que melhor se faz nos restantes países produtores. Cabe ao consumidor eleger o(s) seu(s) estilo(s) preferido, saber se o prefere beber novo ou passados alguns anos, e se vai juntá-lo a uma refeição ou apenas servi-lo como aperitivo sofisticado. Quer isto dizer que o ónus está agora em si – o consumidor. Até porque o actual elevado nível de qualidade e diversidade de rosés nacionais só se poderá manter se os mesmos forem procurados e bebidos, e se forem consumidos com alguma regularidade. Estamos convencidos que haverá sempre lugar para alguns rosés de topo que serão procurados por este ou aquele nicho de consumidores. Mas para manter as dezenas de rosés com a ambição ao nível que os agora provados revelam é preciso mais; é necessário deixar para trás preconceitos sobre os vinhos rosés, embarcar na aventura de provar o que de melhor se faz em Portugal, e partir para a descoberta das múltiplas harmonizações possíveis com esta maravilhosa bebida rosada. Venha daí!
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Bacalhôa Vinha dos Frades
- 2021 -
Quinta do Monte d’Oiro
- 2019 -
MR Premium
- 2018 -
Monte das Bagas de Ouro
Rosé - 2021 -
Casa Santa Eulália Terroir Velho Mundo
Rosé - 2021 -
Adega de Borba Premium
Rosé - 2019 -
Villa Alvor Singular
Rosé - 2019 -
Valle Pradinhos
Rosé - 2021 -
Trifolium
Rosé - 2020 -
Quinta Santa Teresa
Rosé - 2021 -
Quinta do Paral
Rosé - 2020 -
Quinta da Biaia
Rosé - 2019 -
QM
Rosé - 2021 -
Encosta do Bussaco
Rosé - 2021 -
Dona Sancha
Rosé - 2020 -
Dona Maria
Rosé - 2021 -
Convento do Paraíso
Rosé - 2021 -
Colecção Privada DSF
Rosé - 2021 -
Casa Ermelinda Freitas
Rosé - 2021 -
Vinha Grande
Rosé - 2021 -
Redoma
Rosé - 2020 -
Quinta do Sobreiró de Cima
Rosé - 2020 -
Quinta da Fonte Souto
Rosé - 2021 -
Manoella
Rosé - 2021 -
Quinta da Chocapalha
Rosé - 2020 -
Quinta das Cerejeiras
Rosé - 2019 -
Pacheca
Rosé - 2020 -
Olho de Mocho
Rosé - 2020 -
Malhadinha
Rosé - 2021 -
João Portugal Ramos Vinha da Rosa
Rosé - 2021 -
Herdade do Sobroso Cellar Seletion
Rosé - 2021 -
Herdade das Servas
Rosé - 2020 -
Casa de Santar
Rosé - 2020 -
Caminhos Cruzados
Rosé - 2020 -
Adega Mãe
Rosé - 2020 -
Vicentino Luar
Rosé - 2019 -
Vallado
Rosé - 2020 -
Síbio
Rosé - 2021 -
Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo
Rosé - 2021 -
Quinta de Lemos Nélita
Rosé - 2017 -
Monte da Raposinha Ensaio #II
Rosé - 2020 -
Maria Francisca
Rosé - 2021 -
Giz Vinhas Velhas
Rosé - 2020 -
Fusion
Rosé - 2020 -
Quanta Terra Phenomena
Rosé - 2021 -
Fogueira
Rosé - 2019