O repouso vegetativo, tal como o nosso sono, tem uma função para as plantas. Conhecemos bem os efeitos de uma noite mal dormida ou da privação continuada do sono por um longo período. Na vinha não conhecemos tão bem. Importará estarmos atentos neste ciclo vegetativo e tentar não importunar muito. A vinha, claro.
TEXTO João Vila Maior
Trabalho em viticultura desde 1996. Portanto, já lá vão mais de vinte anos e não tardará muito o quarto de século. E garanto-vos que passei muitas noites de sono mal dormidas por preocupações vitícolas. Especialmente quando tive a meu cargo algumas centenas de hectares.
Por isso sei bem do que falo e respeito muito quem continua, a cada dia, a ter a seu cargo vinhas e mais vinhas, controlando o que pode controlar e mitigando os problemas que não pode controlar. Durante este quase quarto de século, asseguro-vos, nunca vi dois anos iguais, dois anos em que fosse possível controlar tudo e, cada vez mais, louvo o saber popular que institui a expressão “até ao lavar dos cestos vai a vindima”.
Num ano dito normal, a vinha arranca com o abrolhamento na primavera ou ligeiramente antes, e experimenta uma forte expansão vegetativa com o aumento (não extremo) das temperaturas, especialmente enquanto goza dum conforto hídrico. Normalmente, com a chegada do verão, a dinâmica de crescimento diminui, o stress hídrico e as temperaturas mais extremas encarregam-se de frenar a expansão vegetativa. Algumas folhas acusam o desgaste, secam de muito fotossintetisar, por falta de água ou queimadas por golpes de calor. Estamos então no verão durante o qual, algumas castas e em algumas regiões, tem lugar a vindima. No outono vindimam-se as castas mais tardias e acentua-se o abrandamento da actividade vegetativa e a senescência foliar, muito ajudada pela diminuição das temperaturas e das geadas outonais. Isto é a preparação para a dormência, do merecido descanso, pois para o ano haverá mais.
DEITAR TARDE, ACORDAR CEDO…
No ano de 2018, do abrolhamento até julho, houve muita chuva que fez com que a temperatura do solo nunca fosse tão elevada. Também as temperaturas do ar foram menos
elevadas relativamente à norma. Consequentemente, as vinhas foram-se desenvolvendo com um atraso vegetativo assinalável. Depois, no início de agosto, tivemos uma onda de calor que durou 4 dias, que bateu recordes e que, em muitos casos, dizimou a produção com um escaldão de má memória. Por muito que não se diga, para jornalista não escrever e consumidor não ouvir… houve muitas maturações desequilibradas, pelo que a evolução dos vinhos é uma incógnita. Com tudo isto, as vindimas foram, como não tenho memória, mais tardias. Por sorte não choveu, fruto dum verão que entrou pelo outono dentro. As folhas tardaram a cair e penso que não exagerarei em afirmar que o ciclo acabou cerca de um mês mais tarde do que a média dos anos anteriores.
O outono e inverno vieram secos. Com o solo seco, a temperatura do solo subiu com facilidade fruto das temperaturas mais elevadas do final de fevereiro e março deste ano de 2019. Como consequência, as raízes iniciaram a sua atividade e o abrolhamento teve lugar uns quinze dias mais cedo do que o habitual.
Contas feitas, as vinhas terão entrado em dormência cerca de uns mês mais tarde do que o habitual e abrolharam uns 15 dias mais cedo, ou seja, terão tido menos um mês e meio de dormência. Estarão, certamente cansadas, intolerantes e irritadiças. Vamos ver as consequências que isto terá para a qualidade dos vinhos e para a perenidade das vinhas.
Edição Nº25, Maio 2019