A cidade alentejana está a fervilhar de turismo, mas não é fácil romper com a tradição. No último ano apareceram dois novos conceitos vencedores.
Restaurante: Origens
Chef: Gonçalo Queiroz
Cozinha: Contemporânea portuguesa
Preço: 30-40€
Há muito tempo que isto não acontecia a James Codd. “Estou a comer há três horas. Foi uma das melhores refeições que fiz. E olhe que eu ando sempre a viajar pelo mundo”, atira o turista americano, já no final do almoço, enquanto a mulher vai confirmando tudo, assentindo com a cabeça. “Incrível, os produtos são excelentes, o chef é extraordinário.” Com residência em San Antonio, no Texas, o casal representa apenas mais dois fãs que Gonçalo Queiroz conquistou desde que abriu portas, já lá vão uns meses. “Lembro-me bem. Foi no dia do jogo Portugal-Islândia [para o Euro 2016 de futebol]. Julgava que não ia aparecer ninguém e estive cheio.”
A estreia foi conturbada mas tudo acabou em bem. O Origens, mesmo em cima da Praça do Giraldo, foi um sonho antigo, cuidadosamente preparado. O corpo começou a ganhar forma numa pasta virtual do computador do chef, formado na Escola Profissional da Região do Alentejo. “Há alguns anos criei uma pasta para onde ia gravando coisas que me seriam úteis se montasse um restaurante.”
Enquanto andava pelo país e pelo mundo, o chef estudava o negócio e fazia crescer o ficheiro informático com artigos sobre equipamentos de cozinha, legislação, receituário ou mesmo louça que poderia vir a usar no seu restaurante.
Em todas as cozinhas por onde passou aprendeu alguma coisa — e foram muitas. Apesar de jovem, Gonçalo andou pela Bica do Sapato, em Lisboa; pelo hotel M’ar de Ar, em Évora; depois pelo L’And and Vineyards, de Miguel Laffan, em Montemor- o-Novo; até ir abrir o Ecorkhotel, em Évora, já como chef.
O percurso em Portugal foi então interrompido para uma estadia de dois anos no Dubai. “Estive no Picante, o único restaurante português do Médio Oriente. Era chef e aprendi muito sobre a parte das contas, que me seria muito útil no futuro.” O regresso a Évora aconteceu há três anos. O espaço apareceu e foi só tratar de juntar tudo.
Na mesa, aparecem vários produtos da região mas ninguém vai lá por causa das migas. “Temos pratos tradicionais com uma apresentação contemporânea”, sintetiza Gonçalo. Exemplos: braz de farinheira; um bacalhau assado que traz também duas peças do gadídeo fritas; polvo assado com migas de batata, espinafres e molho de tomate; as bochechas de porco com puré de feijão catarino e coentros; ou as sardinhas assadas com escabeche e salada de pepino e cenoura.
Na garrafeira, só há vinhos do Alentejo, com aposta nos biológicos e algumas coisas mais originais e “polémicas” (palavra do chef), como um brett alentejano.
Restaurante: Degust’Ar Bistrô
Chef: António Nobre
Cozinha: Petiscos neo-alentejanos
Preço: 25-35€
O espaço não é novo, o chef também não. O Degust’Ar é um restaurante sólido de um hotel sólido (M’Ar de Ar) com um chef sólido. A novidade está no Bistrô, uma nova ala do restaurante com carta de petiscos para partilhar. E que petiscos.
Ao contrário do que se pensa, já vai sendo difícil encontrar certas comidas simples como deve de ser, mesmo no Alentejo. Aquela ideia de que entramos em qualquer tasco e é um fartote de coisas boas é uma treta com anos.
Daí que um almoço recente neste Degust’Ar Bistrô, com António Nobre na cozinha, tenha sido um momento raro. Pela mesa desfilaram só tesourinhos do antigamente, bem empratados e temperados.
A mão de chef só se notou quando isso fez sentido. Aconteceu, por exemplo, com os ovos mexidos com espargos, estes cozinhados a vapor antes de misturados, crocantes, saborosíssimos. Ou nos camarões ao alhinho, os bichos grandes, aros de malagueta imersos num molho puxado de alho, intenso.
Melhor também não podia estar o queijo de Évora assado, com orégãos e azeite, nem os ovos de codorniz com paio. Mais vanguardistas as molejas de borrego, a gordura cortada com tiras de casca de laranja e alecrim.
De resto, os pezinhos de coentrada eram pezinhos de coentrada sem modernices, simplesmente perfeitos: vinagre bem medido, o pão frito bem seco, o molho com gelatina e coentros no ponto. O mesmo da salada de orelha de porco, a carne cortada em cubinhos pequenos e sólidos e o típico azeite com coentros e alho. E das tiras de porco de raça alentejana, igualmente polvilhadas de coentros.
António Nobre anda noutros voos e tem outras ambições. O seu restaurante bandeira continua a ser o Degust’Ar, mesmo ao lado, onde há menus de degustação que competem com as mesas mais sofisticadas de Lisboa. Mas neste Bistrô consegue-se comer muito bem e sem fazer tanto prejuízo nas finanças.
Os vinhos são sobretudo alentejanos, como seria de esperar, bem seleccionados e sempre com a temperatura medida à frente do cliente. Bistrô não é bandalheira.